Auxílio Brasil impacta economia e é uma das maiores fontes de renda de quase 2 mil dos municípios
Auxílio Brasil impacta economia e é uma das maiores fontes de renda de quase 2 mil dos municípios
Em um terço das cidades brasileiras, valor recebido pelos beneficiários do Auxílio Brasil equivale a 20% ou mais do total transferido diretamente pelo governo federal; para pesquisadores, valor funciona como injeção de demanda nas cidades.
Por Victor Farias e Thaís Matos, g1 03/01/2023 07h01 Atualizado há 4 horas
O principal
benefício a pessoas em situação de vulnerabilidade social no país, o Auxílio
Brasil – que deverá ser renomeado como Bolsa Família pelo novo governo –, tem
uma participação relevante na vida econômica das cidades brasileiras.
De janeiro a
outubro de 2022, o valor enviado aos beneficiários foi de R$ 53 bilhões,
equivalente a 18% do total transferido diretamente pelo Governo Federal aos
municípios no mesmo período (R$ 302,7 bilhões).
O auxílio é
importante para a economia local porque é uma das principais fontes de renda
das cidades, ao lado do ISS (Imposto sobre Serviços). O impacto é ainda maior
nos municípios pequenos, onde a arrecadação do tributo é insuficiente para dar
conta dos gastos.
Em 1.861
cidades brasileiras essa realidade é ainda mais visível. Nelas, o valor
recebido pelos beneficiários equivale a 20% ou mais do total recebido pelo
município em transferências federais. E em 27 cidades, o valor recebido via
auxílio equivale a mais da metade do total transferido.
Peso do
auxílio
Nova Iguaçu
(RJ) e Belford Roxo, ambas na região metropolitana do Rio de Janeiro, são os
maiores exemplos desse fenômeno.
Belford
Roxo:
De janeiro a
julho de 2022, os beneficiários do Auxílio Brasil receberam R$ 366.112.914,
entre janeiro e julho de 2022.
Já o
município recebeu R$ 480.206.084,49 em verbas federais.
Ou seja, o
auxílio equivale equivale a 76% do total transferido do governo federal ao
município.
Nova
Iguaçu:
Em dez
meses, foram R$ 213.937.947 pagos em Auxílio Brasil.
E R$
293.255.827,16 em verbas federais repassados aos municípios.
As duas
cidades fluminenses aparecem com destaque entre os municípios com mais
beneficiários do Auxílio Brasil no país.
A autônoma
Ianca Souza tem 22 anos e é uma das beneficiárias de Belford Roxo. Mãe de três
filhos, ela vive de bicos e precisa da ajuda de parentes. O valor do auxílio é
a única renda fixa e garantida da casa em que mora com os três filhos.
Ela diz que
a vida mudou “um pouco pra melhor” e que tem conseguido acessar mais
serviços do que antes, mas que ainda há meses em que as contas básicas não
fecham.
Cidades
com mais beneficiários do Auxílio Brasil
Dados de
setembro de 2022, os mais recentes disponíveis no sistema do Ministério da
Cidadania, apontam que Nova Iguaçu é a 9ª cidade do país em famílias
beneficiadas (321.978) e Belford Roxo a 19ª (197.611).
Em
municípios com população semelhante à de Nova Iguaçu, (825.388 habitantes,
segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para 2021),
como João Pessoa (PB) (825.796) e São Bernardo do Campo (SP) (849.874), o
número de famílias beneficiárias é bem menor: 207.530 e 101.457,
respectivamente.
O mesmo
ocorre com Belford Roxo, que tem uma população estimada de 515 mil. Niterói
(RJ) , com 516.981 moradores, tem 86.241 famílias no Auxílio e Florianópolis
(SC), que tem 516.524 habitantes, tem 41.609 famílias cadastradas.
Peso
maior no Nordeste
O Nordeste
é, de longe, a região com o maior número dessas 1.861 cidades em que o Auxílio
equivale a 20% ou mais do total recebido pelo município em transferências
federais. Das 1.793 cidades da região, 1.336 estão nessa situação, 75% do
total.
O Norte é a
segunda região com maior incidência: são 214 cidades, que equivalem a 48% do
total de municípios. Depois aparecem o Sudeste, com 238 cidades (14%),
Centro-Oeste, com 40 cidades (9%), e Sul, com 33 cidades (3%).
Em setembro
deste ano, o Auxílio Brasil atingiu um pico de importância quando comparado com
o valor transferido pelo governo federal aos municípios. Foram R$ 8 milhões via
auxílio, ante R$ 25 milhões de transferências aos municípios. No dado mais
recente, de outubro, o total do auxílio foi de R$ 8 milhões, ante R$ 28 milhões
das transferências diretas aos municípios.
Que
dinheiro o governo transfere aos municípios?
Há dois
tipos de repasse do Governo Federal para os municípios, explica o economista
Raul Velloso, especialista em orçamento público: os obrigatórios automáticos e
os voluntários. O primeiro consiste em percentuais fixos da arrecadação de
determinados tributos, como o Imposto de Renda e o IPI (Imposto sobre Produtos
Industrializados).
De acordo
com Velloso, esses valores são “elevados” e “têm subido ao longo
dos anos”. “O outro tipo são as transferências voluntárias, aquelas
que são decididas pelas áreas setoriais dos Ministérios do Governo Central e
dependem de negociação política. Por conta dessas negociações no Congresso,
surgiram as pressões regionais para receber essas transferências. Elas variam e
cada uma tem uma finalidade diferente”, explica.
O pesquisador
explica que, para entender com precisão a importância desses repasses para os
municípios, é preciso dissecar as fontes de receita de cada um deles, para além
das transferências feitas pelo Governo Federal. Mas, mesmo sem esses dados
esmiuçados, é possível afirmar que, em cidades pequenas e com arrecadação
baixa, essa entrada de dinheiro na mão das pessoas representa uma “injeção
de demanda”.
Significa
que tem mais pessoas aptas a comprar, pagar, consumir e, portanto, mais
dinheiro circulando. Essa junção estimula a economia do local, explica.
Além das
transferências, outra importante fonte importante de renda municipal é a
arrecadação do ISS (Imposto Sobre Serviços), pago por empresas e trabalhadores
autônomos. “Basicamente os municípios vivem de transferência e de ISS,
eles dominam completamente as receitas. E o peso de cada um deles depende da
atividade daquela cidade. Onde a atividade é mais intensa, com mais
concentração de empresas, há maior recolhimento desse imposto”, diz
Velloso.
Já os gastos
das prefeituras são dominados principalmente pelo pagamento de funcionários
ativos e da Previdência. Por isso, o espaço para investimentos acaba ficando
curto, explica. “O investimento em infraestrutura desabou no Brasil e fez
com que a economia parasse de crescer”, diz.
Essa falta de investimento acaba retroalimentando a falta de oportunidade e levando mais pessoas a dependerem de transferências.