PF fez seis operações contra garimpo ilegal na Amazônia em menos de 1 mês
PF fez seis operações contra garimpo ilegal na Amazônia em menos de 1 mês
'Sempre houve interesse por parte dos fiscais, os linha de frente, em combater o garimpo. Mas os cargos de direção, da parte de quem manda mesmo, não havia esse interesse', diz um agente do Ibama que atua na região.
Por Poliana Casemiro, Matheus Moreira e Marília Rocha, g1 — São Paulo - 17/02/2023 07h28 Atualizado há uma hora
A Polícia
Federal fez ao menos seis operações contra o garimpo ilegal na região da
Amazônia em um período de menos de um mês.
Desde o
decreto de crise de saúde no território indígena Yanomami, em Roraima, reflexo
da invasão do garimpo no território, as forças de segurança mobilizaram
operações contra a mineração ilegal. As ações tinham como alvos desde quem
atuava no território, até quem estava nos bastidores envolvido com a
distribuição do ouro e lavagem do dinheiro.
A Polícia
Federal cumpriu mandados de busca e apreensão e de prisões preventivas em operações
contra um esquema de lavagem de dinheiro proveniente do comércio de ouro
ilícito e contra organizações criminosas que atuam na compra de ouro ilegal em
Roraima e que contrabandeiam o ouro extraído de garimpos ilegais no estado.
Também foi realizada uma operação de combate à extração ilegal de minério em
uma fazenda no Pará.
Agentes da PF também realizaram operações em conjunto com o Ibama para inutilizar a infraestrutura do garimpo ilegal. A primeira delas foi no dia 4 de fevereiro e destruiu duas máquinas de garimpo na região às margens das terras indígenas Ituna-itatá e Arará Volta Grande do Xingu, no sudoeste do Pará.
A segunda
teve início no dia 10 de fevereiro na Terra Indígena Yanomami. Segundo a PF,
“os trabalhos visam à interrupção da logística do crime, com foco na
inutilização da infraestrutura utilizada para a prática do garimpo ilegal bem
como a materialização das provas sobre a atividade criminosa”.
A maior
dessas operações, em valor bloqueado pela Justiça, aconteceu nesta quarta-feira
(15), no Pará. A ação da Justiça que mobilizou os agentes tinha 44 alvos, entre
pessoas físicas e empresas, que movimentaram mais de R$ 4 bilhões com a
extração ilegal.
De acordo
com o Ministro da Justiça, Flávio Dino, a ofensiva recente veio de uma série de
medidas adotadas pelo governo federal com a descoberta da situação de
emergência no território indígena.
“Houve a
decisão do Presidente da República de combater esses crimes. A partir dessa
decisão, orientamos a Polícia Federal a adotar as providências legalmente
cabíveis, inclusive junto ao Poder Judiciário”, diz.
A Justiça
tem ações envolvendo investigações sobre o garimpo ilegal desde 2020. Para o
delegado Vinicius Serpa, de Santarém, a demora em uma resposta, no entanto, tem
relação com um problema estrutural, que é a falta de policiais na região. Na
ação no Pará, o efetivo foi de 100 policiais, o que só foi possível com reforço
da capital, Belém.
“O tempo foi
alargado porque a delegada pediu remoção e entrou outro no lugar dela, além de
muitas trocas de policiais que chegam e saem nos concursos recentes. O efetivo
de Santarém é muito pequeno”, conta.
De acordo
com ele, todas as trocas feitas foram a pedido dos próprios agentes.
Omissão
do governo Bolsonaro
O Supremo
Tribunal Federal (STF) pediu a investigação de autoridades do governo Bolsonaro
por possível prática dos crimes de genocídio de indígenas e de desobediência de
decisões judiciais.
No pedido, o
Supremo cita que há indícios de que o ex-governo:
– fazia
mudanças em operações planejadas com as Forças Armadas
– liberou 29
aeronaves ligadas ao garimpo ilegal e apreendidas pela Polícia Federal
– não fazia
o controle de tráfego aéreo de Roraima, principal meio de transporte de
garimpeiros ilegais
– ações e
omissões favorecendo o descontrole da situação de segurança e do combate a
ilícitos nas áreas afetadas
“Ressalto
sempre que já temos a materialidade do fato. Agora, precisamos é delimitar a
autoria”, diz o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, sobre a
responsabilidade do governo Bolsonaro em relação à situação dos yanomami.
“Há uma
contradição entre a vida e a cultura destes povos e o garimpo. O problema,
apesar de complexo, é bastante conhecido pela população local e pelas
autoridades. O que faltava era comando, vontade política e disposição para
enfrentar a situação. Isso mudou em 1º de janeiro”, afirma.
Ao longo do
governo Bolsonaro, a exploração de garimpo na região Norte do país cresceu mais
de 700%, chegando a 114,26 km² em 2021, segundo dados do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe).
A alta tem
relação com a desarticulação da fiscalização, como o desmonte do Ibama. Fontes
do órgão ouvidas pelo g1 disseram que a falta de interesse do governo federal
em combater o garimpo impediu as ações de fiscalização.
“Sempre
houve interesse por parte dos fiscais, os linha de frente, em combater o
garimpo. Mas os cargos de direção, da parte de quem manda mesmo, não havia esse
interesse, de articular com outros órgãos, como Polícia Federal, Exército, por
exemplo. E isso por que não era interesse também nem pro próprio governo
federal. Então, não tinha como atuar”, conta o agente que não quis se
identificar.
O g1
pergunto à Polícia Federal quantas operações contra garimpo na região amazônica
foram realizadas de 2019 a 2023, mas não obteve resposta.
Gargalo
na Justiça
Os problemas
do garimpo e da desnutrição na terra indígena Yanomami já vinham sendo
denunciados por autoridades e lideranças. A malária se espalhava pelas aldeias
que não recebiam os medicamentos, muitos deles desviados pelo garimpo.
O Ministério
Público Federal (MPF) vinha desde pelo menos 2020 trazendo o caso à Justiça com
relatórios, audiências, reuniões e informações prestadas em trâmite na 4ª Vara
Federal da Seção Judiciária de Roraima, especializada em matéria criminal. No
entanto, há um gargalo no judiciário local.
A 4ª Vara
Federal da Seção Judiciária é alvo de investigação no Conselho Nacional de
Justiça (CNJ). Segundo o órgão, a investigação apura a forma de organização da
seção que é a única criminal no estado e conta com apenas um juiz. O
magistrado, além de ser o único, divide a função com a de auxiliar no Supremo
Tribunal de Justiça (STJ).
O documento,
que é do dia 24 de fevereiro, pediu a investigação da estrutura judiciária na
seção e cita “a elevada demanda e distribuição de processos” e a
emergência com a situação do garimpo. O CNJ deu prazo para de cinco dias que a
Justiça Federal de Roraima prestasse esclarecimentos. O g1 acionou o Conselho,
que não informou se houve resposta da Justiça.