Lideranças indígenas pedem proteção contra retaliações de garimpeiros
Lideranças indígenas pedem proteção contra retaliações de garimpeiros
Ameaças ocorrem normalmente após desmobilização de garimpos ilegais.
Publicado em 23/02/2023 - 07:02 Por Letycia Bond - Repórter da Agência Brasil - São Paulo
Atualmente,
18 líderes munduruku estão sob ameaça de morte, segundo levantamento dos
próprios indígenas. Localizada no alto curso do Rio Tapajós, no Pará, a Terra
Indígena (TI) Munduruku tem 2.382 mil hectares e é um dos três solos indígenas
que concentram 95% do garimpo ilegal no país, juntamente com os territórios
yanomami e kayapó. A área equivale a 2 mil campos de futebol. Na região, a
atividade intensificou-se a partir de 2016.
A recente
desmobilização do garimpo em terras yanomami, em Roraima, aumenta o receio dos
munduruku de que o problema se agrave ainda mais. Lideranças indígenas destacam
que retaliações normalmente ocorrem após a retirada de garimpeiros.
Na semana
passada, lideranças yanomami do Amazonas denunciaram a entrada de garimpeiros
na região do Pico da Neblina, procedentes de Roraima.
Entre as
lideranças ameaçadas que tiveram de deixar suas casas por pressão de criminosos
está Maria Leusa Munduruku, coordenadora da Associação das Mulheres Munduruku
Wakoborũn. Ela conta que tomou a decisão de se esconder para se manter em
segurança, pela primeira vez, durante o governo de Jair Bolsonaro.
Desde 2018,
sofre ameaças e já soma dois períodos em que teve que deixar tudo para trás. No
primeiro deles, foi embora com o marido e os filhos. Da última vez, deixou o
território com cerca de 35 pessoas de sua família.
Em maio de
2021, Maria Leusa, que se tornou liderança quando ainda estava no ensino médio,
viu a casa dela, no município de Jacareacanga, sudoeste do Pará, ser incendiada
por invasores da TI.
Combate
ao garimpo
O Instituto
Socioambiental (ISA) diz que, em maio de 2021, lideranças munduruku acionaram
organizações parceiras para denunciar o incêndio à pequena aldeia indígena
Fazenda Tapajós. Os autores do crime foram garimpeiros, que reagiram logo após
a Operação Mundurukânia, que combatia garimpos clandestinos na região.
A ação
contou com agentes da Polícia Federal (PF), Força Nacional, do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da
Fundação Nacional do Índio (Funai).
“Em
março de 2021, depredaram a sede das associações, dentro do município de
Jacareacanga e, em maio de 2021, queimaram e atacaram a aldeia da Maria Leusa.
É necessária uma articulação mais bem feita nesse sentido, para que a gente
possa salvaguardar nossas lideranças e seu território. A autodemarcação e a
fiscalização são as duas ações mais importantes do movimento, por exemplo, na
agenda deste ano “, relata a antropóloga Rosamaria Loures, que também atua
como assessora do povo munduruku.
No que diz
respeito à mineração ilegal, no fim de novembro de 2022, o Ministério Público
Federal (MPF) solicitou à PF e ao Ibama informações sobre medidas de combate à
atividade, na área da TI Munduruku que fica no sudoeste do Pará.
O MPF
considerou os danos “um cenário dantesco”. Um mês antes, o MPF já
havia reiterado pedido à Justiça Federal, para que a União, o Ibama e a Funai
articulassem ação emergencial de enfrentamento ao garimpo.
De acordo
com levantamento do MapBiomas, somente na TI Munduruku, há 21 pistas de pouso,
o que acende o alerta para a presença de garimpeiros no local. A maioria delas
(80%) está a uma distância de 5 quilômetros ou menos de algum garimpo.
Operações
Lideranças
afirmam que, em seguida à repressão de crimes praticados em terras indígenas,
há retaliação por parte dos criminosos, um aspecto que preocupa especialistas.
Para a
antropóloga Rosamaria, a atuação de forças de segurança do governo deve ser
contínua, e não apenas em operações isoladas.
“Acaba
que essas operações que estão acontecendo na Mundurukânia [Vale do Tapajós]
trazem, posteriormente, muitos problemas para as lideranças”, diz.
Segundo
Maria Leusa, os ataques do ex-presidente Jair Bolsonaro aos indígenas
dificultaram a resistência dos munduruku. “A primeira ameaça foi do
próprio governo [Bolsonaro], quando ele falava que não ia demarcar nenhum
centímetro de terra”, afirma a líder, que, em 2018, foi secretária de
Assuntos Indígenas do município de Jacareacanga.
“E,
depois, os invasores aproveitam esse discurso de maldade para tentar nos
intimidar. Eles vão lá, entram com tudo, com escavadeira, usam os parentes com
a corrupção, os nossos parentes que caem na ganância. Isso foi uma realidade
bem triste. Muitos parentes foram para a ganância”, desabafa.
Território
De acordo
com o ISA, além do assédio da cadeia da mineração ilegal, há pressões por parte
dos setores elétrico, para o funcionamento de hidrelétricas, e de transportes e
infraestrutura, por causa da construção de hidrovias, ferrovias e portos. Essa
realidade marcada pela violência faz com que lideranças equiparem as condições
deles às de refugiados. Isso porque, ao saírem de suas terras, rompem contatos
com parentes, têm acesso reduzido a alimentos que fazem parte de sua dieta e
cortam a interação com seu espaço.
A TI é
habitada por comunidades munduruku, apiaká e indígenas em isolamento
voluntário. Junto com a TI Sai Cinza e a TI Kayabi, reúne cerca de 145 aldeias
munduruku. Os munduruku estão ainda no Médio Tapajós, na TIs Sawre Muybu e
Sawre Ba’pin, além das reservas indígenas Praia do Índio e Praia do Mangue. Um
povo presente no Pará, no Amazonas e em Mato Grosso, que, geralmente, vive às
margens de rios navegáveis.
O nome
Mundurukânia se refere ao Vale do Tapajós, território mantido sob domínio dos
munduruku desde o fim do século 18. Segundo o ISA, a população munduruku tem
atualmente cerca de 14 mil pessoas.
Os munduruku
receberam esse nome dos parintintins, povo rival. A denominação significaria
“formigas vermelhas”, uma alusão ao perfil dos guerreiros munduruku, que
atacavam em massa os territórios de adversários.
Governo
A Agência
Brasil procurou o Ministério da Justiça e Segurança Pública para saber sobre o
modelo de operações de segurança em terras indígenas e aguarda retorno.
Edição:
Graça Adjuto