650 alunas de escolas foram envenenadas no Irã, mostra levantamento da BBC
650 alunas de escolas foram envenenadas no Irã, mostra levantamento da BBC
Não foram registradas mortes, mas adolescentes em ao menos oito cidades iranianas foram internadas com problemas respiratórios, náuseas, tonturas e fadiga.
Por BBC 28/02/2023 08h08 - Atualizado há uma hora
Um levantamento
da BBC concluiu que pelo menos 650 alunas foram envenenadas no Irã — o que
finalmente foi reconhecido, no domingo (26/2), por uma autoridade do país.
Nenhuma
estudante morreu, mas dezenas foram internadas com problemas respiratórios,
náuseas, tonturas e fadiga.
“Ficou
evidente que algumas pessoas desejavam que todas as escolas, especialmente as
femininas, fossem fechadas”, disse o vice-ministro da Saúde do Irã, Younes
Panahi, em entrevista coletiva no fim de semana.
A única
declaração oficial até então havia sido a do procurador-geral de que uma
investigação criminal sobre os envenenamentos havia sido aberta e que as
intoxicações poderiam ser “intencionais”.
Nos últimos
três meses, várias alunas relataram sentir cheiro de tangerina ou peixe podre
antes de adoecer.
“Os
produtos químicos usados não são de esfera militar e estão disponíveis ao
público”, acrescentou Panahi. “As estudantes não precisam de nenhum
tratamento invasivo e é preciso manter a calma.”
O vice-ministro e médico disse posteriormente que sua declaração foi “mal interpretada” — um sinal de divisões entre as autoridades iranianas sobre como gerir a crise, enquanto nenhum culpado foi identificado publicamente.
A cidade
religiosa de Qom está no epicentro do envenenamento em massa, mas ataques
ocorreram em até oito cidades iranianas.
A indignação
pública continua a crescer.
O primeiro
envenenamento ocorreu em 30 de novembro de 2022, quando 18 alunos da escola
técnica de Nour, em Qom, foram levados ao hospital após apresentarem sinais de
envenenamento.
Desde então,
mais de dez escolas femininas foram atacadas na região.
Em meados de
fevereiro, pelo menos 100 pessoas protestaram em frente ao gabinete do
governador em Qom.
“Você é
obrigado a garantir a segurança das minhas crianças! Eu tenho duas filhas”,
gritou um pai em um vídeo amplamente compartilhado nas redes sociais.
“Duas filhas… e tudo o que posso fazer é não deixá-las ir para a
escola.”
“Isto é
uma guerra!”, disse uma mulher na mesma ocasião. “Eles estão fazendo
isso em uma escola secundária para meninas em Qom para nos forçar a ficar em
casa. Eles querem que as meninas fiquem em casa!”
Alguns pais
dizem que suas filhas ficaram doentes por semanas após o envenenamento.
Um vídeo
filmado em um hospital mostra uma adolescente deitada e atordoada na cama, com
a mãe ao lado.
“Queridas
mães, sou mãe e minha filha está em uma cama de hospital e seus membros estão
fracos”, diz a mãe desesperada.
“Eu a
belisco, mas ela não sente nada. Por favor, não mande suas crianças para a
escola.”
Contestações
à versão oficialQom é lar de importantes líderes religiosos do islamismo xiita,
a espinha dorsal da República Islâmica.
Mas seu
poder foi desafiado desde a morte de uma jovem curda, Mahsa Amini, em setembro
do ano passado. Ela estava sob custódia da polícia por supostamente não usar o
véu “adequadamente” em sua cabeça.
Alguns
iranianos se perguntam se o envenenamento de meninas é uma “vingança”
pelo papel delas em grandes protestos contra o governo após a morte. As redes
sociais foram inundadas com imagens de alunas arrancando seus véus da cabeça.
Muitos
também especularam que esses ataques são obra de defensores de linha-dura que
querem “copiar” o Talebã no Afeganistão e o grupo militante islâmico
Boko Haram na Nigéria — aterrorizando os pais para que parem de enviar suas
filhas à escola.
“O Boko
Haram veio para o Irã?” perguntou o ex-vice-presidente iraniano, Mohammad
Ali Abtahi, no Instagram.
O político reformista acrescentou que “os extremistas interpretarão os limites do governo e da religião a seu favor”.
O regime
iraniano tradicionalmente refutou as críticas à sua conduta em relação às
mulheres e gabou-se do número de mulheres que frequentam as universidades.
Mas se as
meninas não terminam a escola, a faculdade é apenas um sonho distante.
Os
comentários de uma estudante, que diz ter sido envenenada duas vezes, na
reunião com o governador de Qom destacam como algumas das declarações das
autoridades foram vagas e enganosas.
“Eles
[as autoridades] nos dizem que está tudo bem, que uma investigação foi feita.
Mas quando meu pai foi à minha escola, foi dito que o circuito interno de TV
está inoperante há uma semana e não há como investigar”, disse a
estudante.
“E
quando fui envenenada pela segunda vez no domingo, o diretor da escola disse:
‘Ela tem um problema cardíaco, é por isso que está hospitalizada’. Mas eu não
tenho nenhum problema cardíaco!”