Testado no Brasil, novo remédio promete ser mais simples, barato e (talvez) ‘bala de prata’ contra a Covid
Testado no Brasil, novo remédio promete ser mais simples, barato e (talvez) 'bala de prata' contra a Covid
Uma única injeção de Interferon lambda reduziu pela metade as chances de um paciente com Covid ir para o hospital. Medicamento experimental também se mostrou eficiente contra todas as variantes, mas agora enfrenta a burocracia para conseguir a aprovação de agências reguladoras.
Por Marina Pagno, g1 28/02/2023 05h03 - Atualizado há 5 horas
Cientistas
podem ter descoberto um novo remédio que promete ser a ‘bala de prata’ contra
formas graves da Covid-19. Chamado de Interferon lambda peguilado, o
medicamento reduziu pela metade as chances de um paciente com a doença ser
hospitalizado, se mostrou eficiente para anular todas as variantes do vírus e
ainda pode ser mais prático e barato que outros remédios já usados.
Os
resultados apareceram após ensaios clínicos de fase 3 feitos no Brasil e no
Canadá entre 2021 e 2022 e publicados neste mês na revista científica The New
England Journal of Medicine, uma das mais importantes da área.
A pesquisa
foi feita com 2 mil voluntários que testaram positivo para Covid e foram
atendidos na rede pública de saúde com sintomas leves a moderados – desses, 84%
estavam vacinados;
No Brasil,
mais de 30 cidades participaram do estudo (a maioria em Minas Gerais);
931
pacientes receberam uma dose de Interferon lambda e outros 1.018 receberam
placebo;
A redução
nas hospitalizações foi de 51% entre pacientes que receberam Interferon e
estavam vacinados.
O estudo foi
coordenado pelo brasileiro Gilmar Reis, professor de medicina da PUC Minas e
associado da Universidade McMaster (Canadá), que vem apostando em pesquisas de
medicamentos que atuam no sistema imunológico do paciente para frear a Covid, o
que é uma ação diferente de outros remédios já existentes no mercado, como o
Paxlovid da Pfizer.
“A
Covid-19 trouxe uma quebra de paradigmas no tratamento de infecções virais do
trato respiratório. O vírus mostrou que hoje nós podemos combater de forma
eficiente as complicações de uma infecção respiratória utilizando medicamentos
que atuam no sistema imunológico e na inflamação”, disse Reis em
entrevista ao g1.
O professor
é um dos líderes do ensaio clínico Together, que já avaliou 11 remédios
diferentes em pacientes contaminados não-hospitalizados. Foi a equipe dele que
ajudou a desmentir, no início da pandemia, a informação de que a
hidroxicloroquina era eficaz contra a doença.
1. O que
é o Interferon lambda?
É um
medicamento experimental, sintético, desenvolvido pela farmacêutica
norte-americana Eiger para estudos clínicos na África contra os vírus
causadores das hepatites B, C e D.
O Interferon
lambda é composto por uma única injeção, aplicada na região do umbigo, e busca
‘turbinar’ a resposta imune do corpo para infecções virais por vias áreas.
Reis conta
que pediu à farmacêutica para testar o remédio em pacientes com Covid e que a
autorização veio “de uma maneira totalmente desinteressada” por parte da
empresa detentora da patente. Mas os resultados dos testes em voluntários
surpreenderam:
O Interferon
lambda se mostrou mais eficiente em pacientes que receberam o medicamento três
dias após o início dos sintomas: redução de 65% nas chances de internação e de
81% no risco de morte;
Entre
pacientes não vacinados, a redução de risco de morte foi de 89%;
Pacientes
com alta carga viral no início dos sintomas e que tomaram o remédio
apresentaram cargas virais mais baixas após o sétimo dia, na comparação com
quem tomou placebo.
Na época do
estudo clínico, várias variantes circularam no Brasil, e o remédio se mostrou
eficiente contra todas – inclusive a ômicron e suas subvariantes, atualmente
predominantes no mundo.
2. Como o
remédio atua no organismo?
Os
interferons são um grupo de proteínas produzidas pelo organismo. Quando o corpo
é invadido por um vírus, elas emitem uma espécie de “alerta” para
células vizinhas se fortalecerem. Os interferons atuam diretamente na resposta
imunológica, aumentando a capacidade de destruição de vírus e bactérias pelo
próprio corpo;
A ‘família’
de interferons é composta por vários tipos e subtipos, batizados por letras do
alfabeto grego;
O alfa, por
exemplo, é comercializado no Brasil para tratamento de tipos de câncer e
hepatites crônicas;
No caso do
lambda, a atuação acontece nos tecidos epiteliais, localizados principalmente
na parte respiratória, a porta de entrada do Sars-Cov-2 para o organismo.
O
coronavírus desliga determinados genes e faz com que o corpo produza pouco
Interferon lambda. Por algum motivo, esse é um dos mecanismos pelo qual o vírus
impede a defesa do nosso organismo
— Gilmar
Reis, professor de medicina da PUC Minas e coordenador do estudo
A injeção de
Interferon Lambda dá ao corpo as próprias armas para combater o vírus. Os
pacientes que tomaram essa “dose extra” de interferons tiveram essa
deficiência provocada pelo coronavírus restaurada. Com isso, o organismo passou
a combater o Sars-Cov-2 de forma mais adequada.
3.
Interferon versus outros remédios
Os números
que mostraram a eficácia do Interferon lambda são bem parecidos com os
resultados de outros medicamentos já aprovados e usados no combate à Covid,
inclusive no Brasil.
Atualmente,
o principal deles é o Paxlovid, da Pfizer, que aparece em primeiro lugar na
lista da Organização Mundial da Saúde (OMS) com “forte recomendação”
para pacientes adultos com Covid não grave e com maior risco de hospitalização;
Nos ensaios
clínicos de fase 3, o Paxlovid reduziu as chances de internação em 89%. Mas,
após a ômicron, novos testes indicaram uma queda na eficácia do Paxlovid para
44%;
Outro
antiviral recomendado pela OMS é o molnupiravir, que reduziu o risco de
hospitalização em cerca de 30%.
O Paxlovid e
o molnupiravir são medicamentos da classe dos antivirais, que atuam diretamente
no combate ao vírus causador da doença, diferentemente do Interferon lambda,
que faz parte de um grupo de remédios que incentiva que o próprio corpo
desenvolva uma resposta imune ao vírus – a vantagem disso, segundo os
pesquisadores, é uma maior eficiência na neutralização de variantes.
Além disso,
tanto o Paxlovid quanto o molnupiravir são administrados por via oral por um
período determinado. Por ser aplicado em dose única, o Interferon lambda
promete um tratamento mais ágil e regrado do que o uso de comprimidos diários.
A expectativa também é de que ele, quando for comercializado, seja mais barato se comparado com o Paxlovid, medicamento encontrado nas farmácias com um preço salgado de R$ 4 mil.
“É um
fármaco administrado em dose única tão eficaz quanto 30 comprimidos de Paxlovid
por cinco dias em pacientes não vacinados e vacinados, independentemente da
variante viral”, explicou o professor Gilmar Reis.
Paxlovid:
remédio da Pfizer contra a Covid começa a ser vendido nas farmácias e custa
mais de R$ 4 mil
4. Os
obstáculos para aprovação
Apesar de
promissor, o Interferon lambda ainda enfrenta resistência da Food and Drug
Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos que equivale à
Anvisa no Brasil. O órgão ainda não autorizou o uso emergencial do medicamento,
apesar das tentativas da farmacêutica criadora do remédio e da pressão da
comunidade acadêmica.
A aprovação
esbarra na burocracia: de acordo com o professor Gilmar Reis, o ensaio clínico
não incluiu uma cidade dos Estados Unidos, o que é uma condição imposta pelo
órgão. Outro motivo é que o estudo foi iniciado e executado por pesquisadores
acadêmicos, e não pela farmacêutica.
“Na
época [do início do estudo], não havia um interesse comercial envolvido e muito
menos da indústria detentora da patente”, disse o professor. “Só
porque a droga foi estudada sem interesse comercial, quer dizer que ele não tem
valor científico? Como assim?”, questionou Gilmar Reis.
As
esperanças agora estão concentradas na possível aprovação pela Health Canada,
agência reguladora canadense, onde foi feito parte do estudo. Com isso, a FDA
poderia dar o aval ao medicamento por similaridade. Mas não há prazo para que
isso ocorra.
E, no
Brasil, o cenário é ainda mais incerto. O Interferon lambda precisa de um
“braço” brasileiro para representá-lo, como um laboratório ou uma
farmacêutica, que possa solicitar o uso do remédio à Anvisa e ser responsável
pela comercialização no país.
“Somos cientistas e não temos propriedade sobre os medicamentos. Estudamos os mesmos para prover respostas para a população. Não cabe a nós a comercialização de um fármaco e sim estudar se ele possui eficácia ou não”, afirmou Reis.