Uma em cada sete mulheres, aos 40 anos, já passou por aborto no Brasil
Uma em cada sete mulheres, aos 40 anos, já passou por aborto no Brasil
Pesquisa mostra que 52% delas dizem ter abortado com menos de 19 anos.
Publicado em 29/03/2023 - 07:15 Por Daniella Almeida - Brasília
A Pesquisa
Nacional de Aborto (PNA) de 2021 mostra que uma em cada sete mulheres, com
idade próxima aos 40 anos, já fez pelo menos um aborto no Brasil. O
levantamento realizado em novembro de 2021 ouviu 2 mil mulheres em 125
municípios.
O estudo foi
coordenado pela antropóloga e professora da Universidade de Brasília, Débora
Diniz; pelo professor visitante da Columbia University, Marcelo Medeiros; e
pelo professor da Universidade Estadual do Piauí, Alberto Madeiro.
Panorama
O
levantamento indica que mais da metade (52%) do total de mulheres que abortou
tinham 19 anos de idade ou menos, quando fizeram seu primeiro aborto. Deste
contingente (abaixo de 19 anos), 46% eram adolescentes entre 16 e 19 anos e 6%,
meninas entre 12 e 14 anos. Pele legislação, praticar sexo ou atos libidinosos
com menor de 14 anos é considerado crime de estupro de vulnerável,
independentemente de haver consentimento da criança, sob pena de prisão de 8 a
15 anos.
Nesta
edição, a taxa de aborto mostrou queda no comparativo com as duas PNAs
anteriores, realizadas em 2010 e 2016. Em 2021, cerca de 10% das mulheres
entrevistadas afirmaram ter feito pelo menos um aborto no decorrer de suas
vidas, comparado com 13%, em 2016, e 15%, em 2010. A pesquisa concluiu que a
queda pode ser explicada pela tendência crescente do uso de métodos
contraceptivos reversíveis na América Latina e no Caribe.
Em 2021, 21%
das mulheres que abortaram realizaram um segundo procedimento, chamado aborto
de repetição. Entre elas, estão predominantemente mulheres negras.
Parte das
entrevistadas (39%) usou medicamento para interromper a gestação. A pesquisa
cita que o medicamento mais usado é um indicado para prevenção e tratamento da
úlcera gástrica. Além disso, 43% das mulheres foram hospitalizadas para
finalizar o aborto.
“Nessas
situações, temos relatos traumáticos de perseguição, convocação da polícia,
mulheres algemadas nos hospitais. Então, há impacto na saúde pública pela
ocupação de leitos, na saúde das mulheres porque, por alguma razão, utilizaram
medicamentos inseguros, indevidos ou foram para a clandestinidade em clínicas
inseguras, ou porque não tem a informação sobre como é um aborto. Por isso,
procuram os hospitais”, disse a antropóloga e uma das autoras do estudo Débora
Diniz.
A pesquisa
indicou, ainda, que a gravidez não-planejada foi comum entre as mulheres no
Brasil. Duas em cada três mulheres grávidas (66%) não havia planejado a
gravidez. Débora Diniz aponta a educação sexual como parte da solução “para que
esse último recurso, do aborto, não seja utilizado”.
Perfil
O
levantamento mostrou que o perfil das mulheres que abortaram é semelhante de
outras pesquisas: elas são de todas as idades do ciclo reprodutivo, religiões,
escolaridades, raças, classes sociais, estado civil e regiões do país.
No entanto,
a pesquisadora Débora Diniz confirma que “apesar de serem mulheres comuns, que
estão em todos os lugares, há uma concentração maior no grupo das mais
vulneráveis. São mulheres negras, indígenas, residentes no Norte e do Nordeste,
com menor escolaridade e muito jovens”.
As 2 mil
entrevistadas na PNA 2021 foram escolhidas aleatoriamente entre mulheres
alfabetizadas, com idades de 18 a 39 anos e residentes em áreas urbanas. A
metodologia da pesquisa usa uma questionário face a face com perguntas sociodemográficas,
como idade, religião e renda.
Outro
questionário com perguntas sobre aborto é preenchido pela própria mulher e
depositado em uma urna lacrada. Os coordenadores da pesquisa entendem que a
técnica para coletar informações sensíveis diminui a taxa de respostas falsas,
por resguardar o anonimato das entrevistadas.
Aborto
Legal
No Brasil, o
aborto é legalizado em três circunstâncias: gravidez decorrente de estupro, se
representar risco de morte materna e no caso de anencefalia fetal (não formação
do cérebro do feto).
No entanto,
na prática, o cenário tem sido diferente. A ministra das Mulheres, Cida
Gonçalves, disse à Agência Brasil “que meninas e mulheres têm enfrentado
barreiras para acessar o aborto, nas situações já previstas em lei”. Para ela,
a consequência é que “quando o direito ao aborto é negado, por exemplo, a uma
vítima de estupro, as evidências apontam que essa mulher vai fazê-lo de forma
insegura, clandestina”.
Na avaliação
da ministra, o Poder Executivo deve assegurar que todas as meninas e mulheres
tenham seus direitos garantidos e “que tenham acesso a informações sobre esses
direitos e como acessá-los”.
O Ministério
das Mulheres lembra que, em 2013, foi assinada a Lei do Minuto Seguinte para
viabilizar atendimento integral e multidisciplinar às vítimas de estupro nos
serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). “Esse atendimento é fundamental para
a prevenção de gravidez e de infecções sexualmente transmissíveis, entre outros
cuidados de saúde física e psicossocial [da vítima]”, enfatiza a ministra Cida Gonçalves.
Todos
hospitais credenciados ao SUS, que oferecem serviços de ginecologia e
obstetrícia, devem realizar abortos nos casos previstos em lei. Entretanto, de
acordo com o site Mapa Aborto Legal, apenas 42 hospitais realizavam o
procedimento de fato, em setembro de 2022.
Em nota
oficial enviada à Agência Brasil, o Ministério da Saúde declara que “está
empenhado em fortalecer a Política de Atenção Integral à Saúde das Mulheres, a
partir da ótica da inclusão e do diálogo sobre o contexto da saúde sexual e
reprodutiva; e em fortalecer também a Rede Cegonha, que inclui o atendimento a
mulheres em situação de abortamento”.
Daqui
para frente
Em janeiro
deste ano, o governo federal tornou sem validade a portaria do Ministério da
Saúde que determinava ao médico a comunicação à polícia da justificativa para
interrupção da gravidez, mesmo nos casos previstos em lei, e que também fossem
preservadas as evidências do cometimento do estupro.
No mesmo
mês, o governo brasileiro se desligou da Declaração do Consenso de Genebra
sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da Família, assinada em 2020, por
entender que representa uma posição das nações contra o aborto.
Para Débora
Diniz a análise da ação que descriminaliza o aborto nas doze primeiras semanas
de gestação, no Supremo Tribunal Federal (STF), é urgente.
“Em uma
democracia, os poderes Legislativo e Judiciário têm igual legitimidade para
solução de uma violação de um direito fundamental, como é a saúde e a questão
do aborto”, argumentou. “É sobre não prender. É sobre cuidar e prevenir. É
sobre a vida, a dignidade, em particular da juventude vulnerável deste país”,
diz a pesquisadora.
Edição:
Heloisa Cristaldo