Após consulta popular, França terá projeto de lei para suicídio assistido e eutanásia
Após consulta popular, França terá projeto de lei para suicídio assistido e eutanásia
O suicídio assistido é quando o próprio paciente administra um produto letal, sendo que na eutanásia é um profissional que o injeta. Ambos são proibidos na França atualmente.
Por Maria Paula Carvalho, RFI 03/04/2023 08h43 - Atualizado há uma hora
O presidente
francês, Emmanuel Macron, recebeu nesta segunda-feira (3), no Palácio do
Eliseu, 184 membros de uma convenção de cidadãos que se reuniu durante três
meses e se posicionou amplamente a favor da elaboração de uma lei autorizando o
suicídio assistido e a eutanásia, atualmente proibidos na França. Os
procedimentos deverão seguir uma regulamentação e condições específicas, que
ainda serão detalhadas no projeto.
Macron disse
“ter ouvido a resposta clara” da sociedade, que após uma longa reflexão sobre o
assunto pede a elaboração de um “modelo francês de fim de vida”. O presidente
prometeu apresentar aos franceses até setembro um novo projeto de lei, a ser
proposto pelo Parlamento e o governo, para regulamentar os cuidados paliativos
e o final de vida no país.
Era
“uma prioridade absoluta”, comemora Claire Fourcade, presidente da
Sociedade Francesa de Apoio e Cuidados Paliativos. “Existe a vontade política,
vamos agora ficar extremamente atentos para ver como essa vontade será
aplicada”, acrescenta.
Macron lembrou aos presentes à audiência que ele próprio tem “uma opinião pessoal que pode evoluir”, mas que como chefe de Estado “tem uma responsabilidade pela harmonia e um desejo de apaziguamento”. Os católicos franceses, que formam uma parcela importante do eleitorado conservador, se pronunciam frequentemente contra a eutanásia.
No relatório
apresentado domingo (2) pelos franceses que haviam sido escolhidos por sorteio
para discutir esse tema, três quartos do grupo votaram a favor de alguma forma
de assistência ativa para morrer (AAM), concretamente ao suicídio assistido ou
à eutanásia, sob certas condições, como: doença incurável que comprometa o
prognóstico vital, grande sofrimento e garantia da expressão da livre vontade
do paciente. De forma alguma o mecanismo poderia ser usado para “casos de
isolamento social, ou quando o paciente se sente um fardo para as famílias”,
destacou o presidente. Ele observou, ainda, que “uma lei não vai dar conta de
todo o drama” envolvido nesses casos.
Emmanuel
Macron defendeu um “plano nacional de dez anos para a gestão da dor e de
cuidados paliativos”. Este plano, segundo o presidente, será acompanhado
de “investimentos necessários”, considerando que “o Estado tem obrigação de
resultado” para garantir “o acesso efetivo e universal aos cuidados de suporte
em fim de vida”, completou.
A legislação
atual, estabelecida pela lei Claeys-Leonetti, de 2016, permite que a equipe
médica e enfermeiros sedem irreversivelmente pacientes próximos da morte, cujo
sofrimento é intolerável. Mas não chega a autorizar o suicídio assistido (o
próprio paciente administra um produto letal) ou a eutanásia (um profissional o
injeta). Neste procedimento legal, o paciente é sedado, recebe medicamento
contra a dor e sua alimentação e hidratação são interrompidas. A prática pode
ser realizada tanto no hospital quanto na casa do doente, sob a vontade dele,
se estiver consciente. Caso esteja inconsciente, a família ou o corpo médico
podem autorizar essa prática.
A lei
francesa trata a eutanásia ativa como um assassinato, um crime punível com
penas que vão de 30 anos de detenção à prisão perpétua. O Código Penal também
prevê aos profissionais da saúde que decidirem realizar esse procedimento a
proibição de continuar exercendo suas profissões. O suicídio assistido – quando
um profissional da saúde ajuda um doente consciente a colocar voluntariamente
um fim à vida – também é ilegal e punido por lei na França.
O Executivo
havia sido criticado por ter negligenciado, em grande parte, as conclusões de
uma convenção cidadã anterior sobre o clima. Os membros da Convenção “não
decidem no lugar das autoridades, que têm legitimidade para fazê-lo”, mas
“as suas conclusões são importantes e serão levadas em consideração”,
garante o Palácio do Eliseu.
A Convenção
dos cidadãos exige a garantia de que o paciente tenha se beneficiado
previamente de um acompanhamento em profundidade e que tenha podido expressar a
sua vontade a qualquer momento. A Convenção não se pronunciou sobre a possível
falta de discernimento dos pacientes e nem sobre o acesso à morte assistida
para menores de idade. “São dois assuntos bloqueadores e não há,
necessariamente, interesse em ir mais longe nessas áreas”, afirma em nota o
Executivo, parecendo querer deixar esses dois pontos de lado. Em seu discurso
nesta segunda-feira, Macron fechou a porta a qualquer assistência à morte para
menores.
A discussão
sobre esse assunto era promessa de campanha do chefe de Estado, que acredita
que, depois de décadas de polêmica, é preciso avançar. O Comitê Consultativo
Nacional de Ética (CCNE) – principal organismo administrativo e independente a
cargo de analisar questões éticas na França – já havia emitido um parecer
favorável à evolução da legislação sobre práticas em prol do fim voluntário e
medicalizado da vida.
Visão
política
Se a
legalização da eutanásia e do suicídio assistido tem apoio entre a esquerda e
parte do centro, o tema desperta forte relutância na direita francesa. Em
entrevista ao canal LCI, a líder da extrema direita, Marine Le Pen, advoga por
mais “meios para cuidados paliativos” e anunciou que votaria
“contra” uma lei que favorece a eutanásia.
Por outro
lado, Jean-Luc Mélenchon, da extrema esquerda,
defendeu em entrevista ao canal France 3 esta “liberdade
adicional”, pedindo a organização de um referendo, o que segundo ele seria
“o mais razoável”.
O risco,
segundo analistas políticos, é que esta questão intensifique ainda mais a
tensão que existe na sociedade, já abalada pela crise previdenciária.
Em uma
pesquisa publicada no Jornal de Domingo (JDD),
realizada entre mil franceses, a
maioria (70%) disse ser a favor da assistência ativa na morte. Mas apenas 36%
consideram recorrer à eutanásia caso sofram de uma doença dolorosa e incurável.