O dólar abaixo de R$ 5 veio para ficar?
O dólar abaixo de R$ 5 veio para ficar?
Moeda americana chegou abaixo de R$ 4,90 com expectativa de fim da alta de juros nos EUA e arcabouço fiscal e inflação menor no Brasil. Mas incertezas domésticas podem limitar a valorização do real brasileiro à frente.
Por BBC 14/04/2023 00h00 - Atualizado há 12 horas
O dólar caiu
nesta quinta-feira (13/4) pelo terceiro dia consecutivo, chegando a ser
negociado abaixo de R$ 4,90.
Abaixo dos
R$ 5, a moeda americana é negociada aos menores valores desde meados de 2022.
Isso é
positivo pois o câmbio tem impacto sobre a inflação, já que muitos dos produtos
e insumos da economia brasileira – do trigo do pãozinho, ao petróleo que afeta
o preço dos combustíveis – são importados ou precificados em dólar.
Mas esse é
um movimento passageiro ou ele veio para ficar? Perguntamos a três economistas.
Por que o
dólar caiu abaixo de R$ 5?
Os analistas
apontam uma combinação de fatores externos e internos que levaram à valorização
do real e desvalorização da moeda americana.
Para Silvio
Campos Neto, economista da Tendências Consultoria, um primeiro fator externo é
a perspectiva de fim da alta de juros nos EUA.
“Esse
sentimento se intensificou com a crise bancária em meados de março e com uma
sequência de dados mais fracos da economia americana, culminando na
quarta-feira com o CPI [taxa de inflação dos EUA] em uma tendência de
desaceleração”, diz Campos Neto – que não tem parentesco com o presidente
do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Isso afeta o
câmbio porque juros mais altos nos EUA atraem capital ao país, valorizando a
moeda americana. Assim, o fim da alta favorece as moedas de países emergentes.
Segundo
Rachel de Sá, economista-chefe da Rico Investimentos, um segundo fator externo
é uma redução da aversão ao risco após a crise bancária que afetou Silicon
Valley Bank (SVB), Signature Bank e Credit Suisse.
“Quando
uma crise assim acontece, todo mundo foge de investimentos de risco, porque não
sabe o que vai acontecer “, explica Rachel.
“O
dólar se fortalece em momentos de aversão ao risco, mesmo quando o risco vem
dos EUA. Mas, agora, há uma percepção de que essa crise não vai se tornar
sistêmica, porque os reguladores agiram rápido e não houve quebradeira.”
Um terceiro
fator externo, segundo a economista, é a recuperação da China, que impulsiona o
preço das commodities brasileiras e, consequentemente, a entrada de dólares no
país.
“É uma
questão de oferta e demanda: se tem mais moeda estrangeira, ela vale
menos”, diz a economista da Rico.
No terreno
doméstico, os economistas apontam o arcabouço fiscal – conjunto de regras
apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para limitar o gasto
público – como principal fator para o fortalecimento da moeda brasileira.
“De
forma geral, ainda que tenha problemas, o arcabouço veio melhor do que se
imaginava”, diz Silvio Campos Neto.
“Havia
muito temor em relação a um risco de descontrole de gastos e, consequentemente,
um descontrole de dívida pública. Do lado positivo, o arcabouço trouxe de fato
um mecanismo de limitação de despesas, que era a grande preocupação e a grande
dúvida”, completa.
Pelas regras
do arcabouço fiscal, a despesa do governo ficaria limitada a 70% da expansão da
receita e a uma banda de crescimento que varia de 0,6% a 2,5%, para evitar
queda abrupta em caso de contração da receita, ou gasto exagerado, na situação
oposta.
A proposta
agora precisa passar pelo Congresso, onde poderá sofrer alterações.
Segundo
Sérgio Machado, sócio gestor da NCH Capital, um segundo fator doméstico foi a
inflação no Brasil menor do que o esperado em março – em 12 meses, na passagem
de fevereiro para março, o IPCA caiu de 5,6% para 4,65%, ficando abaixo do teto
da meta (5%).
“Passamos
a ter à frente uma visão mais benéfica da inflação e o Banco Central tem uma
propensão marginal a baixar a taxa de juros”, diz Machado, explicando que
isso melhora o ambiente macro ao reduzir a temperatura do embate entre governo
e autoridade monetária.
Enquanto
isso não acontece, a taxa de juros elevada no Brasil é um último fator interno
que explica a valorização do real frente ao dólar – embora esse não seja um
elemento novo.
“Nossas
taxas de juros reais [descontadas da inflação] estão entre as maiores do mundo,
então há um atrativo para os investidores, de vir para o Brasil para se
beneficiar desses juros”, diz Machado.
“Esse
ano, há um fluxo positivo [de entrada de capital estrangeiro no Brasil] quase
todas as semanas, então teve uma entrada constante de dólar que ajudou a
valorizar o real.”
E o dólar
abaixo de R$ 5 veio para ficar?
Existe uma
piada recorrente no mercado financeiro que diz que “Deus criou a taxa de
câmbio para tornar os economistas mais humildes”.
Isso porque,
segundo eles, a relação entre moedas é uma das variáveis mais difíceis de
prever, já que ela é afetada por uma série de outros fatores, como o saldo das
contas externas, o diferencial de juros, o cenário político e o risco fiscal,
além do cenário externo e eventuais movimentos de aversão ao risco – quando
investidores buscam aportes mais seguros.
Mesmo com
essa imprevisibilidade, os economistas por ora têm mantido suas apostas num
dólar acima de R$ 5 no final do ano. Justamente, devido às incertezas.
A Tendências
Consultoria mantém sua expectativa para o dólar no fim de 2023 em R$ 5,25.
“Lá
fora ainda não está claro se o Fed [banco central americano] realmente vai ter
espaço para reduzir juros tão cedo. E aqui, o arcabouço tem um lado positivo,
mas ainda tem toda a tramitação no Congresso, e ainda há muito ruído na relação
entre governo e Banco Central”, enumera Silvio Campos Neto.
Além destes
riscos, ele cita ainda a possível mudança da meta de inflação, a nomeação do
futuro presidente do BC em 2024, a política de preços da Petrobras e a atuação
do BNDES, como fatores de atenção para o real brasileiro.
Rachel de
Sá, da Rico Investimentos, mantém sua projeção de câmbio para o fim do ano em
R$ 5,30.
“Ainda
tem muito risco no ar: o arcabouço ainda nem foi apresentado ao Congresso, não
sabemos o que tem exatamente dentro da regra, as taxas de juros nos EUA ainda
não começaram a cair e ainda não há dados concretos sobre a economia da China.
Então tem muita água para rolar”, pondera.