Por que votação do arcabouço fiscal é crucial para futuro do governo Lula
Por que votação do arcabouço fiscal é crucial para futuro do governo Lula
Proposta de nova regra para gastos públicos deve ser enviada ao Congresso nesta semana.
Por BBC 17/04/2023 11h46 - Atualizado há 22 horas
O governo de
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) planeja encaminhar ao Congresso no início desta
semana sua proposta de novas regras para as despesas públicas, o chamado
arcabouço fiscal.
A
expectativa é que o texto final terá poucos ajustes em relação ao que foi
anunciado em março: no lugar do teto de gastos, que hoje limita o crescimento
das despesas à inflação do ano anterior, os gastos públicos passariam a crescer
dentro de um intervalo de 0,6% a 2,5% acima da inflação, a depender do ritmo de
expansão das receitas.
A aprovação
da proposta é vista como crucial para o governo por três aspectos:
– servirá
como termômetro do tamanho da base no Congresso;
– permitirá
cumprir a promessa de expandir gastos em programas sociais e investimentos;
– pode
contribuir para o Banco Central reduzir a taxa básica de juros (Selic).
– Parlamentares
e analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil consideram que o governo tem
boas chances de aprovar a proposta com poucas mudanças.
Entenda
como funciona o arcabouço fiscal
Os entrevistados consideram que o Ministério da Fazenda e a área política do governo fizeram um bom trabalho ao procurar previamente as lideranças da Câmara e do Senado para apresentar seu plano e colher sugestões.
Além disso,
o fato de a não aprovação do arcabouço significar a continuidade do teto de
gastos também favorece a proposta, já que a regra atual restringe mais as
despesas. O novo arcabouço, por outro lado, permite que as emendas
parlamentares (recursos destinados por senadores e deputados a suas bases
eleitorais) cresçam acima da média do orçamento, o que agrada aos
congressistas.
A ministra
do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, disse na semana passada que o bom
funcionamento da máquina pública fica ameaçado com a continuidade do teto.
“Estamos
falando de despesas como água e luz (que seriam cortadas). Nós temos que cortar
de algum lugar para cobrir minimamente as despesas do poder Executivo”,
destacou, após um evento na Fundação Getulio Vargas, em São Paulo.
Líder do
maior bloco partidário da Câmara, Felipe Carreras (PSB-PE) disse à BBC News
Brasil que é natural que o Congresso aprove a proposta inicial com algumas
alterações, mas não prevê mudanças profundas. Segundo ele, “o governo não
terá dificuldades (em aprovar o arcabouço)”.
Recém-criado,
o bloco liderado por Carreras reúne 173 deputados do PP (partido do presidente
da Câmara, Arthur Lira), União Brasil, PDT, PSB, Solidariedade, Avante,
Patriota e da federação Cidadania-PSDB.
Parlamentares
da esquerda, inclusive do PT, devem tentar afrouxar a regra no Congresso, para
permitir um aumento maior das despesas. O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ),
por exemplo, argumenta que o governo precisa gastar mais para impulsionar a
economia, já que o cenário atual é de baixo crescimento.
“Estamos
muito preocupados com a desaceleração da economia. (O ex-presidente Jair)
Bolsonaro deixou uma armadilha. Entregou uma economia ladeira abaixo”,
disse, em entrevista recente ao jornal Folha de S.Paulo, criticando o governo
anterior.
Já os
congressistas com visão econômica liberal querem consequências mais duras, caso
o governo não cumpra regras do novo arcabouço fiscal, como a meta de resultado
primário (diferença entre receitas e despesas do governo).
A regra
básica proposta pelo governo é que o crescimento da despesa fique limitado a
70% da expansão da receita (desde que não ultrapasse o limite de alta de 2,5%
acima da inflação). Ou seja, se a arrecadação do governo subir 2%, por exemplo,
a despesa poderia crescer até 1,4%.
No entanto,
se a meta de resultado primário para o ano não for cumprida, o arcabouço prevê
que o crescimento máximo do gasto no ano seguinte seria reduzido para 50% da
expansão da receita.
Críticos
desse mecanismo, no entanto, dizem que é preciso ter restrições mais duras caso
a meta primária não seja cumprida, para estimular um esforço maior do governo
no alcance desse objetivo.
Nos últimos anos, o governo federal tem registrado déficits primários, ou seja, tem gastado mais do que arrecada, o que resulta em aumento da dívida pública. Caso o arcabouço seja aprovado, assim como algumas medidas anunciadas para elevar arrecadação, como novas regras para compras em sites internacionais, a Fazenda prevê zerar o rombo em 2024.
“Nossa
expectativa é muito positiva com relação ao envio do arcabouço, mas é preciso
aguardar como vem o texto, em particular quais são as consequências do não
cumprimento (das metas)”, disse à reportagem o senador Alessandro Vieira
(PSDB-SE).
“Acredito
numa votação rápida, numa aprovação. Seguramente com ajustes, mas uma
aprovação”, reforçou.
‘Equilíbrio
de forças’
Apesar das
pressões de diferentes lados, o analista político Antônio de Queiroz, do
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), não acredita que o
Congresso realizará mudanças significativas na proposta da Fazenda.
Enquanto
alguns analistas avaliam que as críticas de petistas à política econômica
acabam desgastando o governo, Queiroz considera que isso pode ser positivo na
aprovação do arcabouço fiscal.
“Se a
esquerda ficasse marchando junto com a proposta do governo, e a oposição
puxando para limitar mais os gastos, o debate no Congresso ficaria
desequilibrado. Tem que ter um equilíbrio de forças e isso ajuda a manter a
proposta original”, analisa.
Para
Queiroz, a votação do arcabouço vai levar de dois a três meses e será um teste
importante do tamanho da base do governo no Congresso.
Além do
diálogo com lideranças parlamentares, o Palácio do Planalto também tem usado
indicações parlamentares para cargos como forma de atrair apoio. União Brasil,
MDB e PSD, partidos grandes da centro-direita, receberam três ministérios cada.
Postos em
estatais também entram nas negociações. Na última semana, por exemplo, saiu a
nomeação do engenheiro agrônomo Marcelo Vaz como superintendente da Companhia
de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) no
Piauí. Ele é filho do senador Marcelo Castro (MDB-PI).
Já a
superintendência de Alagoas está sendo mantida sob comando de João José Pereira
Filho (PP), o Joãozinho Pereira, primo do presidente da Câmara. Ele foi nomeado
no governo Jair Bolsonaro.
Queda dos
juros?
O presidente
e seus ministros têm feito forte pressão para que o Banco Central reduza a taxa
básica de juros (Selic), que serve como referência para os juros praticados no
país em operações de crédito e financiamento.
Hoje a taxa está em 13,75% ao ano, um patamar considerado elevado, com objetivo de esfriar a economia e, assim, conter a inflação. O governo, porém, argumenta que a atividade econômica já está fraca e, por isso, seria preciso cortar a taxa.
Nesse
contexto, a aprovação de uma nova regra fiscal que reduza o ritmo de
crescimento das despesas do governo é vista pelo Banco Central como fundamental
para facilitar a queda da Selic. Isso porque, quando o governo limita a
expansão das suas despesas, ele contribui para aquecer menos a atividade
econômica, desacelerando a alta dos preços.
Na visão do
cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, esse é mais um
fator que deve favorecer a aprovação do arcabouço fiscal.
“Minha
leitura é que tem uma perspectiva boa para a aprovação. Quando o presidente
Lula passou a problematizar quase que diariamente o atual patamar de taxa de
juros, criou um senso de urgência para o mundo da política ajudar a trazer uma
agenda que facilite a redução da taxa de juros”, analisa.
“Então,
saiu um pouco de um debate que era fiscalista per se e ‘linkou’ com um tema que
é bastante sensível, seja para os grandes agentes econômicos, seja para a opinião
pública”, reforça.
Embora economistas liberais, como Armínio Fraga e Henrique Meirelles, considerem a pressão sobre o BC negativa, pesquisa Datafolha mostrou que há grande apoio popular à atuação de Lula nesse tema. Segundo levantamento do final de março, 80% dos entrevistados avaliaram que o presidente age bem ao pressionar pela redução da taxa de juros. Para 16%, ele age mal.