Marido, patrão e até pai de vítima aparecem entre denunciados por vazamentos de nudes em SP e RJ
Marido, patrão e até pai de vítima aparecem entre denunciados por vazamentos de nudes em SP e RJ
Mulheres são maioria das vítimas do crime da 'pornografia de revanche'. Pena pode ser aumentada quando existe quebra da relação de confiança entre o autor e o alvo.
Por Gabriel Croquer, g1 03/05/2023 04h00 - Atualizado há 3 horas
Marido, patrão, irmão e até pai são apontados pelas vítimas como responsáveis pelos crimes de registro e vazamento de imagens íntimas em São Paulo e no Rio de Janeiro.
É o que
dizem boletins de ocorrência feitos nos dois estados, entre 2019 e 2022.
Segundo os
dados, que o g1 obteve via Lei de Acesso à Informação, 7.552 pessoas foram
vítimas desses crimes nesse período. As mulheres eram 85%, sendo que 288 delas
eram adolescentes ou crianças.
Em 71% dos
boletins (5.376) não foi anotada qual era a relação entre vítima e denunciado.
Entre
aqueles onde houve o devido preenchimento, 75% (1.673) apontaram uma relação de
amizade, familiar ou amorosa. E isso pode agravar a pena pelos crimes.
A quebra da
relação de confiança e a tentativa de humilhar a vítima são o que se chama de
“pornografia de revanche” e aumentam a pena do crime de vazar nudes
em até 2/3.
Nos casos em
São Paulo onde o elo entre a vítima e o denunciado foi esclarecido, 7% tiveram
o agravante já incluído no boletim.
Duas leis
punem os crimes que tiveram registros de ocorrência compilados nesta
reportagem. São elas:
lei Rose
Leonel (13.772/18), que considera crime o “registro não autorizado da
intimidade sexual”; a punição é seis meses a 1 ano de detenção;
lei
13.718/18, que criminaliza a “divulgação de cena de estupro ou de cena de
estupro de vulnerável, sexo ou pornografia sem consentimento”, e que
também pune o compartilhamento; a pena varia de 1 a 5 anos de reclusão.
Nos boletins
do Rio de Janeiro, em 39% das ocorrências que apontavam relação entre as partes
houve enquadramento do caso também na Lei Maria da Penha. Ou seja, são casos de
violência doméstica contra mulher, o que também endurece a execução da pena.
Nesses casos,
o agressor pode ser alvo de uma medida protetiva e não pode recorrer a um
acordo de não persecução penal (onde o acusado pode pagar a pena sem ser
julgado e processado).
“Não
cabe substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de liberdade.
Em todos os casos, o cumprimento de uma pena de violência doméstica é mais
difícil”, explica Matheus Falivene, doutor em Direito Penal pela
Universidade de São Paulo (USP).
Subnotificação
Em fevereiro
deste ano, o g1 mostrou que o Brasil registra 4 processos judiciais por dia
relacionados a esses crimes. E que especialistas entendem que o número de casos
é muito maior do que o de denúncias.
A falta de
preenchimento dos dados pela polícia agrava essa subnotificação. Outro fator
que contribui para o apagão de dados é o medo das vítimas de denunciar.
Como foi
feito o levantamento
O g1 coletou
os dados de boletins de ocorrência da Secretaria de Segurança Pública de São
Paulo (SSP-SP) e do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP-RJ)
via Lei de Acesso à Informação.
No caso de
São Paulo, foram obtidos boletins registrados de janeiro de 2019, pouco depois
da aprovação das leis que criminalizam registros indevidos e vazamentos de
nudes, até dezembro de 2022.
O ISP-RJ
conseguiu repassar dados de janeiro de 2019 até setembro de 2022.
Em cada
registro foram analisados os tipos de relacionamentos entre a vítima e o
denunciado, quando e conforme anotado pelos policiais. Eles foram divididos em
quatro categorias: “amigo”, “marido/namorado”, “colega
de trabalho/patrão” e “parente”.
Alguns dos
envolvidos nos casos de São Paulo foram descritos como
“autor/vítima”. Segundo o governo estadual, são pessoas acusadas de
divulgar ou registrar imagens íntimas, que também foram vítimas de outra
prática criminosa. Seria o caso de um homem que divulgou fotos de uma mulher e
por isso foi agredido por pessoas da comunidade onde mora, por exemplo.
Por isso, a
reportagem não considerou essas pessoas na contagem de vítimas de crimes.