Após 34 anos sem poliomielite, baixo índice de vacinação preocupa
Após 34 anos sem poliomielite, baixo índice de vacinação preocupa
Doença leva à paralisia dos membros inferiores.
Publicado em 18/05/2023 - 07:32 Por Ludmilla Souza - Repórter da Agência Brasil * - São Paulo
“As pessoas
ficam muito surpresas quando eu digo ‘não foi acidente de carro não, foi
paralisia infantil’”, explica a médica Rivia Ferraz, de 51 anos de idade,
quando perguntam por que usa uma prótese na perna direita? “Parece que as
pessoas esqueceram o que foi a paralisia infantil”, diz ao se referir à doença
que tem preocupado as autoridades de saúde, já que a poliomielite, conhecida
como paralisia infantil, está com a cobertura em queda no Brasil.
Os índices
de vacinação contra a poliomielite têm apresentado queda desde de 2016, última
vez em que o país superou a marca de 90% de cobertura vacinal do público-alvo.
A meta do Programa Nacional de Imunizações (PNI) é vacinar entre 90% e 95% das
crianças menores de 5 anos de idade.
Mas a
proteção nunca esteve tão baixa. Em 2022, o percentual de vacinação foi de 72%.
No ano anterior, foi menor ainda, pouco menos de 71%, informou o Ministério da
Saúde. Os números trazem preocupação porque, apesar de o Brasil ter registrado
o último caso da doença em 1989, há 34 anos, outros países ainda não
erradicaram a doença, o que pode fazer o vírus voltar a circular por aqui.
A médica disse que nasceu sem nenhuma patologia. “Mas aos 9 meses eu contraí a poliomielite e foi por falta da vacinação”. Ela explica porque não recebeu a vacina contra a pólio. “Isso foi em 1971, já tem algumas décadas, a gente não tinha o SUS [Sistema Único de Saúde]. Sou do Nordeste, de Maceió, cidade linda, mas lá não tinha muitos recursos e naquela época só tinha campanhas, não era como hoje, que em qualquer unidade de saúde você leva seu filho e vacina. Quando houve campanha, eu estava com febre e vomitando, não podia tomar a vacina, aí quando eu estava bem, não tinha a disponibilidade da vacina”.
Nesse
intervalo, ela acabou contraindo o vírus da poliomielite. “É um vírus que em
algumas crianças pode até não causar sintomas, como acontece hoje com a covid
19, algumas pessoas nem desenvolvem sintomas, com a poliomielite é a mesma
forma. Mas crianças desenvolveram a forma grave, que foi o meu caso, que tem o
ataque da medula, que acaba trazendo consequências nas células nervosas
motoras, que acaba causando uma paralisia flácida”.
Rivia estava
justamente na fase de dar os primeiros passos quando a mãe percebeu que ela
ficava de pé, mas logo caía. “Ela me levou para uma avaliação médica e foi
diagnosticada a paralisia. Passei por 14 cirurgias para conseguir caminhar um
pouco, agora estou com esta órtese que é muita boa em me dar segurança para
andar, passei por várias fases com e sem órteses, com e sem bengalas, para ter
maior estabilidade e mais segurança”.
Segundo a
Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), a grande maioria das infecções não
produz sintomas, mas de cinco a dez em cada 100 pessoas infectadas com esse
vírus podem apresentar sintomas semelhantes aos da gripe. Em um a 200 casos, o
vírus destrói partes do sistema nervoso, causando paralisia permanente nas
pernas ou braços. Não há cura. Os principais efeitos da doença são ausência ou
diminuição de força muscular no membro afetado e dores nas articulações.
Embora muito
raro, o vírus pode atacar as partes do cérebro que ajudam a respirar, o que
pode levar à morte. Há 30 anos, a pólio paralisou quase 1.000 crianças por dia
em 125 países em todo o mundo, incluindo países das Américas, informou a Opas.
Zé
Gotinha
Em 1994, o
Brasil foi certificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), junto com os
demais países das Américas, como livre da poliomielite. O combate à doença fez
surgir um dos personagens mais conhecidos da cultura médica nacional, o Zé
Gotinha. O nome se refere à vacina atenuada oral (VOP), aplicada como dose de
reforço dos 15 meses aos 4 anos de idade.
Mas o
esquema vacinal começa antes. O Programa Nacional de Imunizações recomenda que
a vacina inativada, em forma de injeção, deve ser aplicada aos 2, 4 e 6 meses
de idade e depois o reforço. A vacina está disponível em todos os centros
públicos de saúde e pode ser administrada simultaneamente com as demais dos
calendários de vacinação do Ministério da Saúde.
Estratégias
Em São
Paulo, a Secretaria Municipal da Saúde elaborou as ações a serem realizadas
este ano para diminuir o risco de reintrodução da poliomielite e fortalecer a
vacinação na maior cidade do país.
A enfermeira e coordenadora do Programa Municipal de Imunizações (PMI), Mariana de Souza Araújo, explica como as ações serão desenvolvidas. “As salas de vacinação têm os horários estendidos, funcionam das 7h às 19h e aos sábados também fazemos a vacinação nas AMA/UBS integradas, para aqueles pais que não conseguem levar a criança durante a semana”.
Outra ação é
a Declaração de Vacinação Atualizada (DVA), a ser preenchida e entregue à
escola em que o aluno está matriculado, que tem o objetivo de aumentar a
cobertura vacinal entre os estudantes. “Todos os pais têm que levar a DVA
certificada na escola, assim, as crianças que não devolvem a DVA, fazemos a
busca ativa, com os agentes comunitários das UBS, que vão até a casa daquela
criança e a vacinam no local”.
Ainda em
parceria com a Secretaria Municipal de Educação, o PMI tem realizado ações nas
escolas. “Para os pais que não conseguem levar as crianças nas UBS, vacinamos
nas escolas. Divulgamos ainda, nas nossas redes sociais, as informações sobre
as vacinas, mas se os pais tiverem ainda alguma dúvida, procure qualquer
serviço de saúde que os profissionais poderão orientar”.
A
coordenadora reforça que a única maneira de impedir que o vírus retorne ao país
é mantendo as altas coberturas. “Em São Paulo, estamos com uma cobertura
próxima da meta, com 80%, mas precisamos vacinar mais e que todas as crianças
tenham o esquema completo para estarem protegidas”.
Um caso
recente da doença foi confirmado em Loreto, no Peru, o que aumentou o risco do
Brasil, lembra a coordenadora do PMI. “Temos risco porque o Brasil é um país de
portas abertas, recebemos imigrantes e refugiados, então precisamos manter a
nossas coberturas vacinais exatamente por isso, porque recebemos pessoas de
outros países que têm casos e sabemos que onde tem casos de pólio são os países
com baixas coberturas vacinais. Então a nossa cobertura vacinal alta é a única
forma de evitar que o vírus se reintroduza no país”.
Outras
informações sobre a vacinação estão disponíveis na página Vacina Sampa.
O vírus da
poliomielite é transmitido de pessoa a pessoa por via fecal-oral ou, menos
frequentemente, por um meio comum, a água ou alimentos contaminados, por
exemplo, e se multiplica no intestino.
Para quem
hesita em vacinar seus filhos, a médica Rivia tem um alerta e um conselho.
“Passei por muitas dores e ainda as sinto, tive que vencer barreiras e a
acessibilidade, tudo isso por conta de uma não vacinação. Apesar das pessoas
hoje desconhecerem a paralisia infantil, é uma doença totalmente prevenível com
a vacina que está aí, com toda a facilidade nas unidades de saúde. Vacinem seus
filhos, o nosso desejo é que as crianças continuem saudáveis”.
* Colaborou
Priscila Kerche, da TV Brasil
Edição:
Fernando Fraga