Carros mais baratos: medida do governo também vai impactar preços dos usados? Entenda
Carros mais baratos: medida do governo também vai impactar preços dos usados? Entenda
Especialistas do setor dizem que programa pode afetar principalmente os seminovos. Para Federação Nacional dos Revendedores de Veículos Automotores, entretanto, há travas na proposta que vão praticamente anular seus efeitos.
As medidas
anunciadas pelo governo federal para baratear veículos novos de até R$ 120 mil
podem trazer competitividade para o mercado e reduzir especialmente os preços
dos carros seminovos (com até três anos de uso), segundo especialistas do setor
ouvidos pelo g1.
Para a
Fenauto (Federação Nacional dos Revendedores de Veículos Automotores), no
entanto, há travas na proposta que vão praticamente anular seus efeitos — tanto
nos preços dos seminovos quanto dos usados (aqueles que têm mais de três anos).
O plano do
governo prevê o desconto de R$ 2 mil até R$ 8 mil no preço final de carros
novos, além de subsídios para a redução do preço de caminhões e de ônibus. No
total, o governo reservou R$ 1,5 bilhão para o programa.
O vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, explicou que o desconto máximo será para carros que cumprirem os critérios social (mais baratos), de preservação do meio ambiente (menos poluentes) e de densidade industrial (com mais itens produzidos no Brasil). O programa tem validade de quatro meses.
Os
impactos para carros usados
Para
especialistas do setor ouvidos pelo g1, a medida do governo deve impactar principalmente
a categoria de seminovos.
O CEO da
Mobiauto, Sant Clair de Castro Jr., destaca que a tendência é que ocorra uma
espécie de efeito dominó, com reflexo maior nos preços dos seminovos. Segundo
ele, esse movimento também atingirá automaticamente os usados — com mais de
três anos de uso.
“Uma
vez que cai o preço do carro zero quilômetro, há essa pressão sobre o seminovo
— que, por sua vez, pressiona o veículo usado”, diz. “Se tenho um
preço 10% menor no carro novo, dependendo do modelo, esse mesmo desconto também
se reflete no seminovo.”
O economista
Lucas Foratto, do Data OLX Autos, faz a mesma projeção. Ele ressalta ainda que
uma das consequências dos descontos nos carros novos pode ser a migração
progressiva dos compradores.
“Quem
estava comprando um seminovo pode cogitar um novo, ao mesmo tempo em que quem
estava comprando um usado pode cogitar comprar um seminovo. Por causa disso, há
toda uma relação ao longo do segmento”, diz.
Vale
reforçar que, segundo os especialistas, a redução nos valores dos veículos deve
atingir não só usados e seminovos de um modelo que ainda é fabricado, mas
também aqueles que já saíram de linha de produção.
Quando os
efeitos começam a ser percebidos
Para Saint
Clair, os reflexos nos preços dos seminovos e usados podem ser rápidos desde
que haja um entendimento geral do mercado sobre a medida. A partir dessa
compreensão, diz, os preços dos veículos novos devem começar a fazer efeito —
afetando, aí sim, todo o mercado.
Ele pondera
ainda que pode haver receio entre compradores e vendedores por se tratar de uma
medida temporária.
“Uma
vez que você delimita um público para um período, você não sabe qual vai ser a
demanda e se vai conseguir vender muitos ou poucos carros. Tudo isso influencia
o seminovo”, diz.
Lucas
Foratto, do Data OLX Autos, acredita que o processo pode ser mais demorado
devido ao período de adaptação do mercado.
“Não
devemos ter um mercado azeitado até o fim do prazo da medida. Enquanto ela
estiver perdurando, processos estarão acontecendo”, diz.
Ele reforça
ainda que o tempo de duração da proposta — de quatro meses — também vai
orientar a decisão das montadoras sobre suas políticas de produção de veículos
novos.
“Isso
vai impactar na oferta de carros novos e na competitividade com os seminovos e
usados, que vão depender justamente dessa dinâmica”, pontua.
Diferenças
regionais
Os
especialistas lembram também que a queda nos preços dos carros pode variar a
cada região, considerando as diferenças de oferta e demanda. Ou seja, se
determinado modelo for bastante ofertado no estado de São Paulo, por exemplo,
ele tende a ser mais impactado pela medida.
Em regiões
com menor oferta, a situação é inversa: com poucos veículos no mercado, a pressão
do preço dos carros novos deve ser menor sobre os seminovos — que, por sua vez,
devem pressionar menos os usados.
Foratto usa
o exemplo do Renault Kwid — que teve queda de preço anunciada — para explicar a
relação entre preço de modelo novo e seminovo de um mesmo veículo.
“Com
base nesse anúncio, o Kwid seminovo tende a ter esses ajustes. Mas isso vai
depender muito de características locais. Em uma região que já não tinha muita
oferta desse modelo, por exemplo, não vai fazer muita diferença”, diz.
‘Travas’
podem anular reflexos no mercado
O presidente
da Federação Nacional dos Revendedores de Veículos Automotores, Enilson Sales,
vê com frustração a medida divulgada pelo governo. Para ele, o pacote divulgado
não terá impactos significativos no mercado de usados e seminovos devido aos
limites orçamentários e de prazos.
O programa,
que terá duração de quatro meses, estabelece que as vendas de carros com
desconto serão exclusivas para pessoas físicas nos primeiros 15 dias, prazo que
pode ser prorrogado por até 60 dias, a depender da resposta do mercado. Depois
disso, as empresas também poderão se beneficiar.
No total, o
governo reservou R$ 1,5 bilhão para o programa, sendo R$ 500 milhões para
automóveis.
“O
governo diz que começa a valer com 15 dias, podendo chegar até 60. É importante
dizer que carro não é pão, que você fabrica, põe na vitrine e alguém consome. O
carro é um bem de alto valor agregado, que tem que fabricar, colocar em testes,
entregar para as concessionárias. Em 15 dias é impossível de acontecer”,
questiona.
Para o
presidente da Fenauto, a medida seria efetiva, com impactos nos usados e
seminovos, caso fosse mais “abrangente, profunda e de longa duração”.
Ele cita ainda que políticas de acesso ao crédito seriam mais efetivas para o
mercado automotivo.
“Chegando
o crédito na ponta é muito mais fácil do que você dar desconto tributário, que
vai cair no colo das montadoras e não necessariamente chega no
consumidor”, conclui.
Saint Clair,
da Mobiauto, considera a alta taxa de juros do país — na casa dos 13,75% ao ano
— uma das principais vilãs desse mercado.
“Por
mais que tenhamos uma queda no valor do carro — com redução nas parcelas —,
ainda assim não é a solução. O que se precisa é trabalhar a capacidade de
compra. A renda das famílias tem que estar mais estável para que elas possam
fazer compromisso de longo prazo”, finaliza.