Entenda as regras do novo arcabouço fiscal
Entenda as regras do novo arcabouço fiscal
Proposta combina meta de resultado primário com teto de gasto flexível.
Publicado por Wellton Máximo – Repórter da Agência Brasil* - Brasília
A nova regra
fiscal que substitui o teto de gastos limita o crescimento da despesa a 70% da
variação da receita dos 12 meses anteriores. O novo arcabouço combina um limite
de despesa mais flexível que o teto de gastos com uma meta de resultado
primário (resultado das contas públicas sem os juros da dívida pública).
A lei
complementar aprovada terça-feira (22) tem mecanismos de ajuste e alguma
flexibilidade em caso de imprevistos na economia. As metas de resultado
primário também obedecem a uma banda, um intervalo.
Dentro dessa
trilha de 70% da variação da receita, haverá um limite superior e um piso para
a oscilação da despesa. Em momentos de maior crescimento da economia, a despesa
não poderá crescer mais de 2,5% ao ano acima da inflação. Em momentos de
contração econômica, o gasto não poderá crescer menos que 0,6% ao ano acima da
inflação.
O novo
arcabouço fiscal estabelece mecanismos para os próximos governos. Para impedir
o descumprimento da rota de 70% de crescimento da receita, as novas regras
trazem mecanismos de punição que desacelerarão os gastos caso a trajetória de
crescimento desses gastos não seja atendida.
Caso o
resultado primário fique abaixo do limite mínimo da banda, o crescimento das
despesas para o ano seguinte cai de 70% para 50% do crescimento da receita.
Essa mudança, no entanto, só valerá a partir de 2025. Para 2024, o teto do
limite será limitado a 2,5% de crescimento real da despesa, mas se o montante
ampliado da despesa calculado dessa maneira for maior que 70% do crescimento
real da receita primária efetivamente realizada em 2024, a diferença será
debitada do limite para o exercício de 2025.
Para não
punir os investimentos (obras públicas e compra de equipamentos), o novo
arcabouço prevê um piso para esse tipo de gasto e permite que, caso o superávit
primário (economia do governo sem os juros da dívida pública) fique acima do
teto da banda, parte do excedente seja usada para obras públicas.
Metas fiscais
Além de estabelecer
uma trajetória para as despesas, a lei estipula metas fiscais anuais. Segundo o
texto aprovado, o governo pretende zerar o déficit primário em 2024, atingir um
superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma dos bens e dos serviços
produzidos) em 2025 e de 1% em 2026. Como a equipe econômica prevê déficit
primário de 1% do PIB para este ano, a proposta significaria um ajuste de 3
pontos percentuais até 2026.
Como haverá
uma margem de tolerância de até 0,25 ponto percentual do PIB, o resultado
primário poderá variar entre déficit de 0,75% e de 0,25% do PIB neste ano,
déficit de 0,25% a superávit de 0,25% em 2024, superávit de 0,25% a 0,75% em
2025 e superávit de 0,75% a 1,25% do PIB em 2026.
Investimentos
Para
garantir um nível mínimo de investimentos (obras públicas e compra de
equipamentos) em momentos de contração econômica, a lei incluiu um piso de 0,6%
do PIB, previsto no Orçamento Geral da União de cada ano. Para 2024, esse
montante equivaleria a R$ 69 bilhões.
Caso o
governo consiga obter um resultado primário maior que o teto do intervalo de
tolerância, com o superávit ficando além da margem de tolerância de 0,25 ponto
percentual do PIB, até 70% do excedente poderá ser aplicado em investimentos no
ano seguinte. Esses recursos adicionais não podem ultrapassar o equivalente a
0,25 ponto percentual do PIB do ano anterior.
Correção dos limites
A partir de
2025, as bandas para o limite de gastos públicos serão corrigidas anualmente
pela inflação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O
período considerado será a inflação entre julho de dois anos antes e junho do
ano anterior ao do exercício do orçamento. Esse índice será usado para elaborar
o Projeto de Lei Orçamentária (Ploa) do ano seguinte, enviado ao Congresso até
31 de agosto de cada ano.
Para 2024, a
situação será um pouco diferente. Quando o IPCA cheio de 2023 (de janeiro a
dezembro) for divulgado em janeiro, o excesso entre o acumulado usado para
fazer a lei e o índice efetivo poderá ser usado para ampliar o limite
autorizado do Poder Executivo por meio de crédito suplementar (remanejamento do
orçamento). Essa ampliação não valerá para os anos seguintes.
O Senado
tinha mudado o período do cálculo do IPCA para janeiro a dezembro do ano
anterior.
Em
princípio, a mudança liberaria R$ 32 bilhões do orçamento de 2024 porque está
prevista alta da inflação no segundo semestre deste ano. No entanto, o
presidente da Câmara, Arthur Lira, informou que houve acordo para incluir esse
montante na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, como despesas
condicionadas (que só podem ser realizadas se houver espaço fiscal). O projeto
da LDO do próximo ano só será votado após o novo arcabouço.
Receitas
Por serem
considerados atípicos (sem regularidade), os seguintes tipos de receita estão
fora do novo arcabouço fiscal: concessões e permissões, dividendos e
participações, exploração de recursos naturais (royalties) e transferências
legais e constitucionais, como repartições da arrecadação federal com estados e
municípios.
Foram
incluídas entre as receitas primárias, cerca de R$ 24,6 bilhões parados em
contas inativas do antigo Fundo PIS/Pasep, declarados abandonados pela Emenda
Constitucional da Transição, e as receitas obtidas com programas de recuperação
fiscal (Refis) criados após a publicação do novo arcabouço.
O cálculo da
variação real (descontada a inflação) da receita primária será feito com base
nos valores acumulados entre julho de dois anos antes e junho do ano anterior
ao orçamento. Para o orçamento de 2024, por exemplo, a variação de receita
considerará a receita acumulada entre julho de 2022 e junho de 2023, sempre
descontada inflação no mesmo período.
Restos a pagar
Em relação
aos restos a pagar (verbas autorizadas em anos anteriores que ficaram para o
exercício atual), o texto aprovado permite o uso de recursos em caixa fora do
orçamento atual para quitá-los. O procedimento, no entanto, só vale se não
comprometer o cumprimento da meta de resultado primário dentro do ano, segundo as
estimativas regulares de receita e despesa.
Exceções
Ficarão fora
do limite de despesas do arcabouço fiscal as seguintes despesas:
• Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica (Fundeb);
• Fundo Constitucional do Distrito Federal
(FCDF);
• transferências constitucionais e legais
a estados e municípios e ao Distrito Federal, como os fundos de participação
dos estados e municípios;
• transferências legais a estados e municípios
de parte da outorga pela concessão de florestas federais ou venda de imóveis
federais em ocupação localizados em seus territórios,
• quitação de precatórios usados pelo
credor para quitar débitos ou pagar outorgas de serviços públicos licitados;
• precatórios devidos a outros entes
federativos usados para abater dívida e outros haveres com a União;
• créditos extraordinários para despesas
urgentes, como calamidade pública;
• despesas bancadas por doações, como as
do Fundo Amazônia ou obtidas por universidades, e por recursos obtidos em razão
de acordos judiciais ou extrajudiciais relativos a desastres de qualquer tipo
(por exemplo, Brumadinho);
• despesas custeadas por receitas próprias
ou por convênios obtidas pelas universidades públicas federais, empresas
públicas da União que administram hospitais universitários, pelas instituições
federais de educação, ciência e tecnologia, vinculadas ao Ministério da
Educação, estabelecimentos militares federais e demais instituições
científicas, tecnológicas e de inovação;
• despesas da União com obras e serviços
de engenharia custeadas com recursos transferidos por estados e municípios, a
exemplo de obras realizadas pelo Batalhão de Engenharia do Exército em rodovias
administradas por esses governos;
• pagamento de precatórios com deságio
aceito pelo credor;
• parcelamento de precatórios obtidos por
estados e municípios relativos a repasses do antigo Fundef;
• despesas não recorrentes da Justiça
Eleitoral com a realização de eleições.
Incluídos
pela Câmara dentro do limite de gastos, o Fundeb e o FCDF foram retirados pelo
Senado, com os deputados mantendo a mudança após acordo entre o governo, os
senadores e líderes partidários da Câmara.
Reinclusões
Em relação
ao projeto original enviado pelo governo, o Congresso reincluiu nos limites de
gastos as seguintes despesas:
• cobrança pela gestão de recursos
hídricos a cargo da Agência Nacional de Águas (ANA);
• complemento do piso nacional da
enfermagem;
• aporte de capital do Tesouro para
estatais.
Enfermagem
Ao manter as
despesas com a complementação do piso da enfermagem dentro do limite do
Executivo, o relator da lei na Câmara, deputado Claudio Cajado (PP-BA),
estipulou que deve ser considerada a defasagem estimada em R$ 7 bilhões nessa
transferência em 2023, corrigida anualmente. Dessa forma, os valores tendem a
crescer cerca de R$ 10 bilhões em 2024.
Fundo Constitucional do DF
Com a
aprovação da emenda dos senadores, a forma de correção do Fundo Constitucional
do Distrito Federal continua igual à vigente: pela variação da receita corrente
líquida (RCL) da União. O fundo custeia despesas de pessoal, principalmente com
as áreas de segurança pública, saúde e educação do Distrito Federal, conforme
previsto na Constituição.
Fim do teto
O novo
arcabouço fiscal substitui o teto federal de gastos, que vigora desde 2016 e
limita o crescimento dos gastos ao limite do ano anterior, corrigido pela
inflação oficial pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). No
fim do ano passado, a Emenda Constitucional da Transição permitiu a exclusão de
até R$ 168 bilhões do teto de gastos deste ano – R$ 145 bilhões do novo Bolsa
Família e até R$ 23 bilhões em investimentos federais caso haja excesso de
arrecadação.
A emenda
estabeleceu que o governo deveria enviar um projeto de lei complementar, até
agosto deste ano, com o novo marco fiscal. No início do ano, porém, o ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, permitiu que o governo antecipasse o envio do novo
marco para permitir que o Ministério do Planejamento tivesse tempo de elaborar
o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 dentro das novas
regras. Enviada ao Congresso até 15 de abril de cada ano, a LDO estabelece os
parâmetros para o Orçamento do ano seguinte.
Confira os principais pontos do novo
marco fiscal
• Limite de crescimento da despesa
primária a 70% da variação da receita dos 12 meses anteriores
• Limite superior e inferior dentro dessa
trilha de 70% do aumento de receita
• Mecanismo de ajuste para impedir o
aumento dos gastos em momentos de crescimento econômico e a queda dos gastos em
caso de baixo crescimento
• Aplicação de mecanismos de punição. Caso
o resultado primário fique abaixo do limite mínimo da banda, o crescimento das
despesas para o ano seguinte cai de 70% para 50% do crescimento da receita.
• Promessa de zerar déficit primário em
2024, com superávit de 0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026
• Meta de resultado primário terá banda de
flutuação, com margem de tolerância de 0,25 ponto percentual do PIB para cada
ano
• Excedente de superávit primário acima do
teto da banda poderá ser usado para investimentos
• Exceções para gastos instituídos pela
Constituição, como o Fundeb e o Fundo Constitucional do Distrito Federal. Essas
despesas não podem ser limitadas pelo novo arcabouço
* Com
informações da Agência Câmara