Como a crise no setor imobiliário da China pode impactar a economia do Brasil

Como a crise no setor imobiliário da China pode impactar a economia do Brasil

Os problemas que as empresas chinesas estão sofrendo têm impactado toda a economia do país, diminuindo os níveis de consumo. Se a população da segunda maior economia do mundo consome menos, a demanda por diversos produtos diminui, prejudicando as exportações e o crescimento do Brasil.



Por Bruna Miato, g1

Quase dois anos depois da quebra da Evergrande, uma outra gigante imobiliária da China volta a assustar o mundo inteiro, inclusive o Brasil.

Nas últimas semanas, as ações da incorporadora Country Garden — uma empresa de patamar tão grande quanto a Evergrande — despencaram para os menores valores de sua história, por temores de que o setor imobiliário chinês esteja passando (ou esteja perto de passar) por uma nova crise de crédito.

O sinal de problemas veio depois que a Country Garden precisou negociar a extensão do prazo de pagamento de alguns de seus títulos de dívidas em dólares, e só conseguiu fazer o pagamento no último dia. A companhia também tem renegociado diversos títulos e o mercado teme que, em algum momento, ocorra um calote.

A dívida da empresa, segundo seu último balanço corporativo, já chegou a 108,7 bilhões de Yuans chineses, cerca de US$ 15 bilhões, que é quase a metade de toda a receita do trimestre, de 226,3 bilhões de Yuans (US$ 31 bilhões).

Foi exatamente o que aconteceu com a Evergrande em setembro de 2021. E isso desperta o receio dos investidores porque qualquer contratempo financeiro ou operacional de alguma das gigantes da construção é capaz de causar um efeito em cadeia e gerar uma crise generalizada sobre outros setores relacionados, direta e indiretamente. Trata-se, afinal, do principal setor da segunda maior economia do mundo.


Entre os principais pontos de tensão, cabe destacar:

 

🏢 depois da Evergrande, as turbulências da Country Garden escancaram um problema geral no setor imobiliário chinês, o que aumenta a cautela em relação à possibilidade de que outras empresas também possam deixar de honrar seus compromissos financeiros;

💰 a Country Garden (e o setor imobiliário chinês como um todo) tem várias dívidas de valores exorbitantes com bancos do país, o que pode impactar significativamente essas instituições financeiras nos casos de não pagamento dos títulos;

🏦 se as instituições financeiras passam por períodos de crise, com menos dinheiro, o impacto é sentido diretamente pela população, porque os bancos passam a ser mais restritivos com liberação de crédito;

⚙ o setor imobiliário chinês é o maior demandante por minério de ferro no mundo e, se passa por uma crise e produz menos, todas as exportações da commodity seriam impactadas;

📉 além de uma menor demanda por minério de ferro, diversas outras commodities e produtos também podem ser menos demandados, afetando as exportações e a atividade econômica dos principais parceiros comerciais da China, como o Brasil.

 

O que está acontecendo com a Country Garden?

Assim como todo o mundo, a China também sentiu os impactos econômicos causados pela pandemia de Covid-19. O país manteve medidas rígidas de isolamento social e uma série de proibições de circulação até o fim do ano passado, na chamada política de “Covid zero”.

Apesar de ter atrasado a disseminação da doença, o tempo prolongado das medidas atingiu também por mais tempo a atividade econômica, que vem passando por dificuldades desde então.

Neste contexto, a falta de confiança do consumidor e a maior fraqueza da economia impactaram diretamente o mercado imobiliário, que observou uma redução expressiva no número de casas vendidas, sejam novas ou não.

Apenas para se ter uma dimensão, um levantamento da China Real Estate Information, divulgado pela Dow Jones Newswires, revelou que, em todo o mês de julho, as 100 maiores incorporadoras do país asiático venderam US$ 49 bilhões em novos imóveis, o menor valor mensal em mais de três anos, quando o mundo enfrentava a pandemia.

Com menos gente comprando casas, os preços começam a cair e as receitas das companhias do setor também despencam, explica Paulo Gitz, estrategista global da XP. E isso aconteceu com a Country Garden, que é uma empresa com trabalhos focados em cidades de renda menor.

A receita no último trimestre da incorporadora, de 226,3 bilhões de Yuans, apesar de alta, é apenas pouco mais da metade do que havia sido registrado no mesmo período do ano passado: 430,4 bilhões de Yuans (US$ 59 bilhões).

Do mesmo modo, com a empresa ganhando menos dinheiro e dívidas muito altas — que são tomadas para financiar os projetos e o crescimento da companhia —, os recursos para pagar as contas com os credores começaram a faltar e, por isso, a Country Garden deixou de quitar parte de seus títulos.

As notícias fizeram com que investidores fugissem das ações da Country Garden e que agências de classificação de risco, como a Moody’s rebaixassem a nota de crédito da empresa, que saiu de B1 para Caa1, com perspectiva negativa. Segundo Gitz, a mudança veio “devido ao risco de liquidez no curto prazo (que é um momento em que o investidor tem dificuldade em vender o ativo) e queda na projeção de vendas”.

Por conta do tamanho da Country Garden, o não pagamento de suas dívidas desencadeia uma série de problemas para diversas instituições financeiras que emprestaram dinheiro para a companhia, que passam a ter, também, uma receita comprometida e maior dificuldade em arcar com seus compromissos financeiros.

 

Como isso impacta a economia e o Brasil?

Paulo Gitz, da XP, pontua que o setor imobiliário tem sido, há muito tempo, um importante impulsionador do crescimento chinês, sendo um dos principais responsáveis pela geração de emprego no país.

Assim, com uma crise nas gigantes imobiliárias e no setor como um todo, não apenas os credores das empresas ficam com problemas financeiros, mas boa parte da população pode ter sua renda impactada, com menos emprego e com dificuldade de acessar crédito, tornando todo o crescimento econômico da China mais lento.

“Porém, uma crise no setor afeta muito mais que empregos e renda na China, repercutindo em todo o mundo”, comenta o estrategista.

Esses impactos são divididos em duas principais frentes:

 

– a cadeia produtiva do setor imobiliário;

– a redução na demanda por produtos em nível global.

1 Por ser um setor muito grande, todas as matérias-primas para a construção de imóveis na China são utilizadas em quantidades enormes — e, por isso, o país tem de importar os materiais, sempre em alto volume. Dessa forma, o setor imobiliário chinês se tornou um dos principais demandantes de minério de ferro do mundo, muito utilizado nas construções.

Com a crise no segmento e a desaceleração da segunda maior economia chinesa, as vendas de casas e número de novas casas estão caindo, e isso impacta na demanda pelo minério e outros itens essenciais da cadeira produtiva.

Assim, o preço do minério de ferro cai no exterior (já que a demanda é menor), fazendo com que todas as empresas exportadoras da commodity tenham suas receitas impactadas. É o caso da Vale, uma das mais importantes companhias brasileiras, e de outras gigantes do setor, como CSN, Gerdau e Usiminas.

O minério de ferro é o terceiro produto mais exportado pelo Brasil, com um registro de US$ 2,39 bilhões negociados apenas em julho, atrás apenas da soja (com US$ 4,87 bilhões) e do petróleo (com US$ 3,74 bilhões).

2 Além das tensões setoriais, com o segmento imobiliário em crise, os empregos e a renda dos chineses são impactados, levando a um menor consumo por parte da população.

Isso pode parecer um problema apenas da China. Mas, se tratando da segunda maior economia do mundo, quando a população chinesa passa a consumir menos, todos os países que exportam matérias-primas ou outros produtos para o país asiático podem sofrer.

Novamente, esse é o caso do Brasil, que tem como maior parceiro comercial a China, de forma disparada. No primeiro semestre deste ano, por exemplo, foram exportados quase US$ 9,5 bilhões para a região, enquanto o segundo colocado, a União Europeia, importou US$ 4,8 bilhões do país.

Se os chineses consomem menos, a demanda por produto brasileiro também cai, reduzindo significativamente os níveis de arrecadação do país e com um potencial de enfraquecer, também, o crescimento econômico.

O Ministério da Fazenda, liderado por Fernando Haddad, conta com uma arrecadação federal forte para conseguir fechar as contas públicas. Assim, os problemas na economia chinesa podem atrapalhar, também, os planos do governo de zerar o déficit público no próximo ano.

Em um cenário de desaceleração severa na China, todas as cadeias produtivas dos itens que são exportados pelo Brasil podem sofrer, do minério de ferro às commodities alimentícias. Com as empresas enfraquecidas, pode haver prejuízo sobre os empregos e a renda dos trabalhadores, afetando a economia brasileira como um todo.

 

O que a China está fazendo para resolver o problema?

Paulo Gitz comenta que o Banco Popular da China (PBoC, o banco central do país) tem reduzido, aos poucos, diversas de suas taxas de juros, como uma forma de tentar estimular a economia.

Com juros mais baixos, fica mais barato para a população tomar crédito e realizar financiamentos, o que facilita a decisão de compra de produtos de alto valor, como os imóveis.

“O mercado, no entanto, não vê o nível atual de estímulos como suficiente, considerando o agravamento das condições de crédito no país”, destaca o especialista.

Desse modo, Gitz considera que novos movimentos desse tipo, com estímulos econômicos e monetários, devem continuar sendo implementados pelo governo chinês, a fim de tentar manter o crescimento econômico do país.

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