Putin vence eleição na Rússia e se manterá no poder até 2030
Putin vence eleição na Rússia e se manterá no poder até 2030
No poder há 24 anos, Putin confirmou favoritismo e terá um quinto mandato como presidente após mudar a Constituição para poder governar até 2036.
Por g1
Vladimir
Putin venceu a eleição russa e se manterá no poder até 2030. A informação foi
confirmada pela TV estatal Russia-24.
De acordo
com a Comissão Eleitoral Central da Rússia, Putin teve cerca de 87% dos votos,
com cerca de 60% dos distritos eleitorais apurados até por volta das 18h15
deste domingo (17). Este cenário já havia sido indicado por resultados de
pesquisas de boca de urna divulgados logo após o encerramento da votação.
O
favoritismo de Putin foi confirmado após três dias da votação que começou na
sexta-feira (15) e terminou neste domingo por volta das 15h (horário de
Brasília). Mais de 8 milhões de pessoas votaram online, segundo o órgão.
O atual
presidente não tinha outros concorrentes com real chance de vitória. Isso
porque os outros três candidatos, todos deputados, são considerados fantoches —
eles votaram a favor da guerra na Ucrânia no Parlamento e já fizeram
declarações públicas de apoio a Putin.
Maior país
do mundo em área territorial e com uma população de 141 milhões de habitantes,
a Rússia adotou a votação em três dias para dar conta de regiões com 11 fusos
horários diferentes. São cerca de 114 milhões de eleitores, incluindo
ucranianos convocados a votar nos territórios ocupados por tropas russas (leia
mais abaixo).
A eleição surge no contexto de uma repressão implacável que sufocou os meios de comunicação independentes e grupos de direitos humanos proeminentes. O mais feroz inimigo de Putin, Alexei Navalny, líder da oposição ao presidente russo, morreu em uma prisão no Ártico em fevereiro, e outros críticos estão na prisão ou no exílio.
Navalny foi
homenageado neste terceiro dia de votação. Na capital russa, pessoas visitaram
o túmulo do líder opositor morto e, sobre ele, colocaram um modelo da ficha de
voto em que se lê o nome dele.
Pelo menos
meia dúzia de casos de vandalismo em locais de votação foram relatados na sexta
(15) e no sábado (16), incluindo um bombardeio incendiário e pessoas derramando
um líquido verde nas urnas. Em 2017, Navalny foi atacado por um agressor que
lhe salpicou desinfetante verde na cara.
Yulia
Navalnaya, a viúva de Alexei Navalny, participou de um protesto contra Putin
neste domingo e votou na embaixada russa em Berlim.
Além dos
protestos, Putin também enfrentou avanços ucranianos sobre a Rússia.
Durante os
três dias de votação, a Ucrânia intensificou os bombardeios contra a Rússia e
promoveu incursões em território russo.
Neste
domingo, a Ucrânia lançou um ataque com drones contra Moscou. Foram 36 drones
de longo alcance direcionados a oito regiões russas. Quatro deles foram tinham
como alvo a capital russa.
Putin está
no poder há 24 anos e é o presidente mais longevo da Rússia desde Josef Stalin,
da época da União Soviética. Caso eleito, o que a imprensa internacional dá
como certo, o atual presidente terá a chance de ultrapassar os quase 30 anos de
Stalin no comando. Em 2020, Putin mudou a Constituição para poder ficar no
cargo até 2036.
O peso desse
longo mandato e a supressão completa das vozes eficazes da oposição interna dão
a Putin uma mão muito forte – e talvez irrestrita.
A maior
parte dos políticos de oposição foi presa, e alguns deles morreram em
circunstâncias obscuras, como Alexei Navalny e Boris Nemtsov. Outros, como
Garry Kasparov, foram classificados como terroristas e deixaram o país.
Na prática,
Putin não permite que opositores reais disputem eleições contra ele — foi o
que aconteceu neste ano. Veículos de imprensa também foram banidos —inclusive o
“Novaya Gazeta”, cujo fundador venceu um Nobel da Paz por causa do jornal.
A Promotoria
do país avisou ainda que qualquer manifestação durante o período de votação é
ilegal e está sujeita a punição. Na manhã da sexta, primeiro dia de votação,
pouco depois da abertura das urnas, uma mulher foi presa após jogar tinta
contra uma urna em um dos locais de votação em Moscou.
Ainda assim,
a esposa de Alexei Navalny, Yulia Navalny, convocou um grande ato de protesto
na capital russa no domingo.
Democracia administrada
As eleições
russas não são para valer: trata-se só de uma “cortina”, e não algo real, e
acontecem porque a Constituição determina que é preciso realizá-las, disse ao
g1 Lenina Pomeranz, professora da USP especializada em economia russa. “Putin controla
as eleições para continuar no poder”, afirma ela.
Nas eleições
atuais, havia outros dois candidatos “de verdade” originalmente:
Boris
Nadezhdin, de centro-direita, e
Yekaterina
Duntsova
“Pelas
normas, eles deveriam apresentar 100 mil candidaturas de apoio para se
candidatarem. Eles conseguiram mais do que 100 mil, mas a comissão eleitoral
afirmou que encontrou defeitos nos formulários da Yekaterina, e ela resolveu
apoiar o Boris Nadezhdin. Só que a Comissão Central Eleitoral invalidou
milhares de assinaturas que ele apresentou”, diz a professora.
Pomeranz
afirma que na Rússia nem mesmo se diz que o regime é uma democracia, mas, sim,
uma “democracia controlada”.
Os
candidatos que permanecem nas cédulas, na prática, são aliados de Putin. São
eles:
– Nikolai
Kharitonov: Deputado de 75 anos e candidato pelo Partido Comunista. As
pesquisas mostram que ele tem cerca de 4% das intenções de voto.
– Leonid
Slutsky: Deputado de um partido nacionalista. Ele tem cerca de 4% das intenções
de voto.
– Vladislav
Davankov: vice-presidente da Câmara de Deputados. Aparece com cerca de 5% das
intenções de votos.
E a guerra na Ucrânia?
A eleição
russa acontece ainda em um momento de avanço de tropas de Moscou na Ucrânia,
que estavam praticamente estagnadas havia mais de um ano.
Atualmente,
o Exército russo ocupa pouco mais de 20% do território da Ucrânia. Urnas de
votação para a eleição presidencial foram inclusive instaladas em algumas
dessas áreas, que Putin reivindicou ter anexado.
Em uma
delas, na região de Kherson, no sul, a Ucrânia bombardeou um dos locais de
votação, segundo a agência de notícias estatal russa Tass.
Mesmo antes
da campanha eleitoral, o presidente russo descrevia a guerra como uma espécie
de batalha contra o Ocidente na qual a própria sobrevivência da Rússia está em
jogo.
Em um
discurso no mês passado, Putin acusou os Estados Unidos e a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (Otan) de tentarem trocar a Rússia por “um
lugar dependente e decadente para que possam fazer o que quiserem”.
Na campanha
eleitoral, ele tem afirmado que vai cumprir seus objetivos na Ucrânia.
Ele
justifica a invasão do país vizinho, a partir de fevereiro de 2022, com os
seguintes argumentos:
Era preciso
invadir para proteger as pessoas de origem russa na região leste da Ucrânia;
O governo da
Ucrânia era uma ameaça para a própria Rússia porque iria se juntar à
Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Putin tem
afirmado também que as forças russas estão em vantagem após o fracasso da
contraofensiva ucraniana no ano passado, e que “mais cedo ou mais
tarde”, tanto a Ucrânia como os países do Ocidente vão aceitar um acordo
nos termos dele.
O presidente
russo também tem elogiado as tropas na Ucrânia e prometeu torná-las a nova
elite da Rússia.
Os russos
comuns sabem pouco sobre os problemas militares, como o alto índice de baixas
— a mídia estatal divulga apenas as conquistas.
Lenina
Pomeranz afirma que os russos não gostam de guerra e que não há apoio
entusiasmado à invasão da Ucrânia, mas que foram poucos os tempos de paz –ou
seja, de certa forma, estão acostumados a situações como essa.
E a economia?
Quando a
Rússia atacou a Ucrânia, países do Ocidente cortaram relações econômicas e
impuseram sanções a quem negociasse com os russos.
No entanto,
as indústrias militares tornaram-se um motor de crescimento. Os pagamentos para
centenas de milhares de pessoas ligados diretamente ou indiretamente com a
guerra ajudaram a impulsionar a demanda do consumidor.
Além disso,
a Rússia tem conseguido vender petróleo para alguns grandes consumidores,
principalmente da Ásia.
A economia
deve crescer 2,6% este ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). A
inflação é prevista em mais de 7%, mas o desemprego está baixo.
Em sua
campanha, Putin prometeu subsídios do governo para famílias jovens, especialmente
com filhos, para comprar casas. Isso acelerou o setor de construção.
Ele também
se comprometeu a investir mais em saúde, educação, ciência, cultura, esportes e
em políticas contra a pobreza.
Algo diferente no ar
Alexei
Navalny era o principal político de oposição na Rússia e a pessoa mais famosa
que criticava Putin publicamente. Ele estava preso, cumprindo uma pena de 19
anos, condenado como terrorista, quando morreu em uma penitenciária na região
ártica.
Outros
líderes da oposição também receberam longas penas, comparáveis às dadas aos
“inimigos do povo” durante o período de Stalin.
Putin tem
tornado a política russa mais fechada desde que se tornou presidente, no ano
2000. Depois da invasão da Ucrânia, no entanto, a situação na Rússia ficou
ainda mais repressiva politicamente.
Poucos dias
após o começo da invasão da Ucrânia, foi aprovada uma lei que tornava um crime
qualquer crítica pública à guerra. A polícia começou a dispersar rapidamente
reuniões não autorizadas. O número de prisões e julgamentos aumentou
drasticamente, e penas de prisão prolongadas são mais comuns.
No entanto,
algo está mudando, afirma a professora da USP Lenina Pomeranz.
“Nunca
no passado um opositor teve uma demonstração de apoio como no velório do Alexei
Navalny. Foram longas filas para ver o caixão. Isso é notável porque mostra que
de certa forma, as coisas estão mudando, as pessoas estão perdendo medo de
fazer manifestação de massa”.
A trajetória de Putin no poder
Putin
assumiu como líder tampão quando Boris Yeltsin renunciou, no dia 31 de dezembro
de 1999. Ele foi eleito pela primeira vez em maio de 2000, e ficou dois
mandatos no poder.
Então, em
2008, Dimitri Medvedev, um aliado, se tornou presidente, mas Putin manteve o
poder no cargo de primeiro-ministro.
Em 2012 ele
voltou a ser eleito presidente, e foi reeleito em 2018 para um mandato até
2024. Pela Constituição, deveria ser o último dele, mas o presidente conseguiu
alterar a Constituição e, agora, ele pode ficar no cargo por mais dois
mandatos, até 2036.
Como
comparação, no período em que Putin esteve no poder, os EUA tiveram cinco
presidentes: Bill Clinton, George W. Bush, Barack Obama, Donald Trump e Joe
Biden.
As urnas em toda a Rússia serão fechadas na noite de domingo (17), e o resultado está previsto para sair já na segunda-feira (18).