Senado vota nesta semana PEC que criminaliza porte de qualquer quantidade de droga

Senado vota nesta semana PEC que criminaliza porte de qualquer quantidade de droga

Texto coloca na Constituição distinção entre traficante e usuário, com penas alternativas à prisão. Proposta avançou no Senado após STF começar julgamento sobre porte de maconha.


Por Kevin Lima, g1 — Brasília

O Senado votará na terça-feira (16) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que torna crime o porte e a posse de drogas, independentemente da quantidade.

O texto também prevê inserir na Constituição que deverá haver distinção entre traficante e usuário, com penas alternativas à prisão para quem consome a substância ilícita. Na prática, a proposta repete o conteúdo já existente na Lei de Drogas, em vigor desde 2006.

De autoria do presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a proposta é uma reação de parlamentares ao avanço do Supremo Tribunal Federal (STF) em um julgamento que pode descriminalizar o porte de maconha, em pequena quantidade, para uso pessoal.

A discussão na Corte, interrompida em março, envolve justamente a Lei de Drogas e já tem 5 votos favoráveis à descriminalização. Há divergências entre os ministros a respeito de critérios objetivos para classificar a droga como uso pessoal e a aplicação de consequências jurídicas para a prática.

 

Pressão ao STF

Dentro do Senado, o entendimento é que a PEC – se aprovada em dois turnos pelos senadores e pelos deputados – vai obrigar o Supremo a rever o objeto central do julgamento que trata do porte de maconha. Isso porque a proposta determinaria, por meio da Constituição, a lei máxima do país, que não deverá haver tratamento diferenciado por tipo ou quantidade de substância.

Também há a avaliação de que inserir a regra na Constituição, criminalizando tanto o consumo quanto o tráfico, acabará com um debate a respeito da flexibilização de penas para usuários.

Em repetidas declarações públicas, Pacheco argumentou que a PEC é necessária para definir que as duas condutas terão, independente de outros critérios, consequências jurídicas. “Cabe ao Parlamento decidir se algo deve ser crime ou não”, disse o senador em março.

Atualmente, a Lei de Drogas estabelece que é crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal, mas não pune a prática com prisão. São estabelecidas penas alternativas, como advertência, prestação de serviços comunitários e comparecimento a cursos educativos.

A lei não define qual a quantidade de substância que separa o traficante do usuário, deixando a definição a cargo de uma avaliação que, na prática, é subjetiva da Justiça. A PEC repete o mesmo teor, sem definir critérios objetivos para diferenciar o consumo e o tráfico.

O julgamento do Supremo se propõe a definir uma quantidade máxima para enquadrar o uso pessoal. Diferentes propostas já foram apresentadas pelos ministros.

No Senado, Pacheco já disse que o sentimento é de que não deve haver uma “definição disso por quantidade”.

Juristas avaliam que, se a PEC for promulgada antes do término do julgamento no Supremo — que ainda não tem data para retornar —, a Corte poderá ter de incluir o teor do texto em sua análise. Por outro lado, há entendimento de que a proposta também pode ser questionada judicialmente no STF.

 

‘Sólida maioria’

Antes de votar a PEC das Drogas, o Senado vai realizar uma sessão de debates sobre a proposta. O evento, marcado para segunda (15), atende a pedido de lideranças partidárias da base do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Entre os convidados, estão o médico Drauzio Varella e a presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Silvia Souza.

O relator da proposta, senador Efraim Filho (União-PB), avaliou que a sessão será “importante” para apresentar argumentos e contra-argumentos ao texto.

 

No dia seguinte, o cenário, para Efraim, será diferente. Ele espera que a PEC conquiste uma “sólida maioria” a favor — a avaliação é a mesma feita pelo presidente da Casa.

Propostas de Emenda à Constituição precisam ser aprovadas em dois turnos de votação, com ao menos 49 votos favoráveis. Inicialmente, a expectativa das lideranças do Senado é que somente o primeiro turno seja discutido nesta terça.

O segundo deverá seguir o mesmo rito adotado no anterior, com a realização de todas as sessões de discussão necessárias (3), com votação ao final.

Efraim, no entanto, disse acreditar que, a depender do número de senadores presentes e do placar de votação, poderá ser possível aprovar a quebra do prazo de discussão, permitindo a análise dos dois turnos no mesmo dia.

“Um tema que é extremamente importante para a sociedade brasileira, para a família brasileira. O tema das drogas tem inserção na saúde pública e na segurança pública. Ele afeta a vida das famílias. O Senado está preocupado com isso, já teve uma votação na CCJ, e dará a palavra final na terça-feira com a votação da PEC. Esperamos um quórum amplo e uma sólida maioria a favor do texto”, declarou o relator.

 

Entidades criticam

O texto da proposta tem sido alvo de críticas de entidades de defesa dos direitos humanos. No último dia 3, 19 representantes dessas organizações se reuniram com Rodrigo Pacheco. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), também esteve presente.

Na ocasião, Pacheco recebeu, em mãos, uma carta enviada pelo ex-presidente da Comissão Arns e ex-ministro da Justiça José Carlos Dias. O documento classifica a PEC como um “retrocesso inacreditável” e inconstitucional.

“Se aprovada, a ‘PEC dos Usuários’, o Senado Federal passará a mensagem de que pessoas que usam drogas não merecem ser tratadas com políticas públicas de saúde, educação e assistência social, mas sim com punição e encarceramento”, diz Dias.

Em dezembro passado, mais de 70 organizações da sociedade civil divulgaram nota pública contra a PEC. Além de argumentar que o texto é inconstitucional, o documento também afirma que a proposta “reforçaria o racismo estrutural”.

“A proposta de emenda à Constituição que busca criminalizar a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins não é a abordagem mais eficaz e democrática para lidar com a questão social do uso de drogas. Políticas baseadas em evidências, que enfatizem a proteção à saúde pública, aos direitos humanos e a redução de riscos e danos, podem oferecer soluções mais sustentáveis e humanitárias para este desafio complexo”, afirmam as entidades.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *