O ‘inquietante’ pacto de proteção mútua entre Rússia e Coreia do Norte
O 'inquietante' pacto de proteção mútua entre Rússia e Coreia do Norte
O líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, disse que o acordo eleva a relação entre seu país e a Rússia a um 'novo nível de aliança' e apoiou 'plenamente' a invasão russa à Ucrânia.
Por BBC
A visita do
presidente da Rússia, Vladimir Putin, à Coreia do Norte tem sido acompanhada
com atenção pelo mundo.
E a
aproximação cada vez mais evidente entre o líder norte-coreano, Kim Jong-un, e
o colega russo tem colocado o Ocidente em alerta.
Agora, a
aliança entre os dois países deu um passo adiante com a assinatura de um acordo
entre Kim e Putin que inclui uma “assistência mútua em caso de agressão
contra uma das partes”, segundo explicou o mandatário russo, citado pelos
meios de comunicação estatais de Moscou.
Os líderes
estiveram reunidos durante duas horas na quarta-feira (19/6), em Pyongyang,
capital norte-coreana.
Kim Jong-un
classificou a Rússia como o “amigo e aliado mais honesto” e se
referiu a Putin como “o amigo mais querido do povo coreano”, de
acordo com um comunicado da agência estatal russa RIA.
Já Putin teria dito, segundo as agências russas, que a Coreia do Norte tem direito a se defender e que ambos os países podem cooperar militarmente, ainda que o acordo seja “de natureza defensiva e pacífica”.
Em
declaração aos jornalistas em Pyongyang, Kim advertiu que seu país responderá
“sem hesitar” aos “incidentes ou guerras” que Coreia do
Norte ou Rússia enfrentarem, após a assinatura do chamado Acordo Integral de
Parceria Estratégica.
“Não
haverá diferenças na interpretação, nem vacilações ou indecisão no cumprimento
do dever de responder em um esforço conjunto a diversos incidentes ou guerras
que já enfrentam nossos países, ou que enfrentarão no futuro”, disse o
líder norte-coreano.
Kim também
declarou que a relação entre a Coreia do Norte e a Rússia agora se eleva a um
“novo nível de aliança” e que o tratado acelerará a criação de um
“mundo multipolar” onde nenhum país dominante possa exercer um poder
hegemônico.
O acordo
levantou questões entre os especialistas.
Muitos se
perguntam o que realmente significa a assinatura e como isso pode influenciar
em questões relevantes como a guerra na Ucrânia.
Um
compromisso vago
Para o
correspondente de diplomacia da BBC, Paul Adams, apesar de os dois líderes
descreverem o acordo em termos “audaciosos”, é “difícil avaliar
o que ele significa na prática, até que um texto formal seja anunciado”.
Kim o chama
de “o tratado mais forte jamais criado”, e Putin de “documento
revolucionário”.
“Para
Putin, tudo está relacionado com a guerra na Ucrânia. Ele precisa conseguir
todos os projéteis de artilharia e foguetes que puder”, analisa Adams.
Segundo
estimativas da Coreia do Sul, a Rússia já recebeu 10 mil contêineres de
munições de Pyongyang.
Já Kim,
escreve Adams, “tem suas próprias necessidades, evidenciadas pelo recente
fracasso de seu país em colocar um satélite espião em órbita. Apesar das
sanções, a Rússia ainda pode reunir o tipo de experiência técnica que o líder
norte-coreano deseja.”
O que ele
realmente conseguirá?
Em suas
declarações, o líder russo disse que “não exclui o desenvolvimento de uma
cooperação técnico-militar com a Coreia do Norte”.
“Isso
soa como um compromisso”, diz o analista. “Os dois países estão
claramente estreitando seus laços, para consternação do mundo ocidental. A
China também pode ter suas preocupações.”
Mas o que os
dois países querem dizer com “assistência mútua em caso de agressão contra uma
das partes deste acordo”?
“Talvez
os dois líderes prefiram que isso continue sendo inquietante e ambíguo”,
avalia Adams.
Na avaliação
Laura Bicker, correspondente da BBC na China, o acordo, apesar de ambíguo, pode
ter reflexo nos países vizinhos à Coreia do Norte.
“A
Coreia do Sul pode mudar de ideia sobre fornecer armas para a Ucrânia. Isso
também pode aproximar os sul-coreanos do Japão. Os dois rivais históricos já
deixaram de lado algumas de suas diferenças nos últimos dois anos para assinar
um acordo trilateral com os EUA, na esperança de combater uma Coreia do Norte
provocativa e a crescente influência da China”, escreve Bicker.
Para Bicker,
é improvável que Pequim demonstre qualquer desaprovação em público, mas a
“China pode querer se distanciar deste acordo”.
Apoio de
Kim Jong-un à invasão russa na Ucrânia
Durante a
visita de Putin à Coreia do Norte – a primeira oficial ao país asiático em 24
anos -, Kim Jong-un assegurou que apoia “plenamente” a invasão russa
à Ucrânia.
Isso é
especialmente relevante para o líder russo, que, desde o início da guerra, se
tornou um pária para o Ocidente e tem buscado aliados em outros lugares.
Na visita,
Putin revelou que a Coreia do Norte tem abrigado filhos de soldados russos
mortos na Ucrânia no acampamento de verão Songdowon, na costa do Pacífico do
país.
Em um
comunicado, a agência de desinformação da Ucrânia disse que “a visita
mostra que Putin está procurando qualquer oportunidade para continuar a guerra,
apesar de afirmar que está pronto para a paz”.
Já o
ministro das Relações Exteriores ucraniano, Dmytro Kuleba, afirmou
anteriormente em uma entrevista à BBC que este encontro é prova de que nem a
Ucrânia nem a Rússia podem travar esta guerra sozinhas.
Estados
Unidos e Coreia do Sul têm acusado a Coreia do Norte de fornecer à Rússia
artilharia e outros equipamentos, provavelmente em troca de alimentos e ajuda
militar.
Ambos os
países negam a existência de um acordo de armas, mas em 2023 prometeram
fortalecer seus vínculos militares.
Quase dois
anos e meio após a invasão da Ucrânia, não há dúvida de que a interdependência
entre a Coreia do Norte e a Rússia continua se fortalecendo, já que fornecem
suprimentos mutuamente.
Recepção
pomposa
Putin foi
recebido na Coreia do Norte com um desfile impressionante.
No
aeroporto, havia tapetes vermelhos, rosas vermelhas e a guarda de honra
posicionada na pista, enquanto os dois líderes sorriam e se abraçavam.
A praça Kim Il-Sung, em Pyongyang, estava repleta de pessoas, balões coloridos, flores e coreografias.
Enormes
cartazes com fotos dos dois líderes enfeitavam os prédios durante a cerimônia
de boas-vindas.
“Esta
luxuosa recepção ocorre em um momento em que a Coreia do Norte, fortemente
sancionada, tem sofrido com a escassez de alimentos, combustível e energia, com
uma economia esgotada que piorou muito devido à pandemia de covid-19”,
observa a jornalista da BBC Shaimaa Khalil, de Seul, na Coreia do Sul.
Apesar da
situação econômica, Pyongyang parece não ter poupado recursos para esta visita,
com a esperança, é claro, de que produza resultados, indica Khalil.
Putin
presenteou Kim com um luxuoso automóvel russo Aurus, uma adaga e um jogo de
chá, informaram os meios de comunicação estatais russos, citando o assistente
presidencial Yuri Ushakov.
Após a
visita à Coreia do Norte, Putin partiu em direção ao Vietnã, país aliado de
longa data da Rússia.