Investigação mostra como militar da Marinha ajudou Comando Vermelho a armar drones com granada no Rio
Investigação mostra como militar da Marinha ajudou Comando Vermelho a armar drones com granada no Rio
Rian Maurício Tavares Mota foi preso nesta semana, dentro do quartel, enquanto trabalhava na sede do Comando da Força de Superfície, em Niterói. Imagens exclusivas mostram bunker que ele mantinha em casa, para se esconder.
Por Fantástico
Na guerra
entre criminosos pelo controle das favelas do Rio de Janeiro, moradores sabem
que os tiros podem vir de todos os lados. Mas, como reagir a explosivos sendo
lançados do céu?
Uma imagem
feita em julho de 2024 mostra um artefato pendurado num drone que sobrevoava
comunidades na Zona Norte da cidade. O explosivo foi usado por traficantes da
Favela do Quitungo para atacar uma facção rival no Complexo de Israel.
Era uma
imitação grosseira da tática que exércitos equipados e treinados adotaram na
Ucrânia.
Uma
investigação da Polícia Federal, no entanto, mostra que os criminosos estão
investindo para aumentar e aperfeiçoar o uso dessa arma de guerra por aqui.
“Nós
precisamos comprar o dispensador, chefe. É um dispositivo que bota no drone,
que ele libera a granada, entendeu? Sendo que vem um cabinho segurando no pino,
né? Bota o pino no drone e a granada nesse dispositivo”, diz um criminoso em
áudio interceptado pela PF. O homem, segundo a investigação, é um militar da
Marinha do Brasil aliado dos traficantes.
“Quando
liberar, vai liberar a granada e o pino vai ficar preso no drone, entendeu? Vai
cair lá. A granadinha pequena. Quando eles tiver de bolinho, eu subo e jogo. Só
que era bom nós testar aqui no mato, pelo menos uma, duas vezes para ver como
que vai ser”, completou.
Rian
Maurício Tavares Mota foi preso nesta semana, dentro do quartel, enquanto
trabalhava na sede do Comando da Força de Superfície, em Niterói.
“Aí, pai.
Esse é o dispositivo que tem que colocar. Aí, esse valor aí, eu liguei para lá,
a gente comprando hoje, chega amanhã ou depois de amanhã no máximo”, diz outro
trecho da conversa.
O
interlocutor do militar é Edgar Alves de Andrade, o Doca, um dos chefes do
Comando Vermelho, uma das principais facções criminosas do Rio de Janeiro.
“Demorou. Só
vê a granada que nós coloca. Já é, vamos fazer o teste”, diz Doca.
A
investigação teve acesso às conversas que revelam como o militar ajudou o
Comando Vermelho a planejar e executar ataques contra milicianos e grupos
rivais de traficantes na disputa por territórios.
Ele usava o
drone para monitorar o deslocamento dos inimigos. E, numa posição de comando,
cobrava o empenho de criminosos da facção.
“Só falta a
ação. Nossos caras têm que tá lá antes dos caras brotar. Não é depois. Os caras
vão tá entocado à noite, os caras também não é bobo, né?”, fala em áudio
interceptado.
Especialização paga pelo Estado
Rian
Maurício Tavares era cabo da Marinha e, segundo a investigação, já tinha
passado por um dos cursos mais rigorosos da corporação para formação de
mergulhadores. Ele também havia se matriculado, recentemente, num curso
particular para a preparação para tiros precisos de longa distância.
“Preocupa
porque a gente tem de um lado um indivíduo muito bem qualificado, com
conhecimento militar, e de outro lado, uma facção criminosa que aparentemente
não tem limites no Rio de Janeiro e tem muito dinheiro, muito capital para
poder adquirir os equipamentos que ela julgar necessário”, fala ao delegado da
PF, Pedro Manoel Duran Filho.
O militar da
Marinha morava no Complexo da Penha, na Zona Norte, numa das áreas dominadas
pelo traficante Doca.
Imagens
exclusivas obtidas pelo Fantástico mostram que a Polícia Federal encontrou um
bunker dentro da casa dele, com uma sala subterrânea preparada como esconderijo
e equipada para que ele pudesse passar vários dias no subsolo.
Procurada, a
Marinha do Brasil afirmou, por meio de nota, que está à disposição para contribuir
com a apuração dos fatos.
Os investigadores dizem que este não é um caso isolado e que outras investigações da PF identificaram que traficantes do Rio, de várias facções, já usam drones capazes de lançar granadas. Dizem ainda que essas informações foram compartilhadas com outras forças de segurança para que fiquem preparadas.
“Agora o
policial tem que se preocupar com a Granada que está caindo do céu, né? Antes
ele se preocupava só com um tiro que está vindo numa direção horizontal e agora
tem que se preocupar, além das lajes, que é um procedimento normal, uma conduta
de patrulha, se preocupar com o artefato explosivo fragmentado, que pode cair
no meio de uma tropa e lesionar um sem-número de agente, além das da população
local”, fala o delegado.
O Fantástico
perguntou à Polícia Civil várias veze durante a semana sobre quantos casos já
tinham sido registrados de granadas lançadas por drones e se há investigação em
andamento, mas não houve resposta.
A Polícia
Federal também encontrou registros de acompanhamento da movimentação policial
no entorno de favelas controladas pelo Comando Vermelho. Rian enviava áudios
para orientar a fuga dos traficantes.
“Visão meus
amigos. Realmente é o caveirão que está na BR, pegou a visão e as barcas da
choque e, nesse exato momento, tá entrando mais barca da choque com os cana em
cima na gaiola, em cima na gaiola. Os cana tá tudo encapuzado, tudo de touca
ninja”, diz em um áudio.
Foi assim
que ele conseguiu impedir que o chefe da facção fosse preso, numa operação
realizada no início do ano. Mas, por ironia, o aparelho que ajudava nas fugas
foi justamente o que colocou Rian na cadeia.
No material
apreendido pelos investigadores há um vídeo que o militar fez do controle
remoto do drone, onde mostra a imagem do rosto dele refletido na tela.
Em outra
conversa interceptada, ele conta ao pai o que deve fazer caso seja preso.
“Então pai,
resumindo: deu alguma coisa, o senhor já pode procurar por ele (advogado),
entendeu? Mas não vai dar não. Se Deus quiser, vou continuar com a minha vida
norma, tá? Valeu”.
O Fantástico não conseguiu contato com o advogado de Rian. O militar da marinha se considerava estratégico na facção.