Assassinos de Marielle, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz são condenados pelo Tribunal do Júri

Assassinos de Marielle, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz são condenados pelo Tribunal do Júri

Autor dos disparos, Lessa foi condenado a 78 anos e 9 meses de prisão; Élcio, que dirigiu o carro, foi condenado a 59 anos e 8 meses de prisão. Condenação provocou muita emoção de parentes e amigos da vereadora e do motorista.


Por Felipe Freire, Márcia Brasil, Marco Antônio Martins, Leslie Leitão, g1 Rio e TV Globo

Exatos 6 anos, 7 meses e 17 dias após o crime, o 4º Tribunal do Júri do Rio condenou nesta quarta-feira (30) os assassinos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O crime chocou o país e – até hoje – gera repercussão em todo o mundo.

O ex-policial militar Ronnie Lessa, o autor dos disparos naquela noite de 14 de março de 2018, recebeu a pena de 78 anos e 9 meses de prisão.

O também ex-PM Élcio Queiroz, que dirigiu o Cobalt usado no atentado, foi condenado a 59 anos e 8 meses de prisão.

Como firmaram acordos de delação premiada, no entanto, os tempos de execução de pena serão reduzidos (entenda neste link ou abaixo na reportagem).

“A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega. A Justiça chega para aqueles que como os acusados acham que jamais serão atingidos pela Justiça”, disse a juíza Lúcia Glioche na leitura da setença (veja a íntegra da sentença).

 

Lágrimas e abraços de parentes

 

Diante do anúncio das sentenças, familiares das vítimas caíram em lágrimas no tribunal.

Os pai (Marinete e Antônio), a irmã (Anielle Franco) e a filha de Marielle (Luyara), e as viúvas dela (Mônica Benício) e de Anderson (Ágatha Reis) se abraçaram e aplaudiram, muito emocionados.

 

Os crimes

Ronnie e Élcio foram enquadrados nos seguintes crimes:

 

duplo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emboscada e recurso que dificultou a defesa da vítima)

tentativa de homicídio contra Fernanda Chaves, assessora de Marielle que sobreviveu ao atentado e prestou depoimento nesta quarta-feira.

receptação do Cobalt prata, clonado, que foi usado no crime

 

Delação

Apesar das penas, Lessa e Élcio devem sair bem antes da cadeia. Os dois assinaram um acordo de delação premiada, que levou ao avanço das investigações – principalmente em relação aos mandantes.

 

No acordo, está previsto, entre outras coisas, que:

Élcio Queiroz ficará preso, no máximo, por 12 anos em regime fechado;

Ronnie Lessa ficará preso por, no máximo, 18 anos em regime fechado – e mais 2 anos em regime semiaberto.

Esses prazos começam a contar na data em que foram presos, em 12 de março de 2019 – um ano após o crime. Ou seja, 5 anos e 7 meses serão descontados das penas máximas.

Assim, Élcio pode deixar a cadeia em 2031, e Lessa iria para o semiaberto em 2037, e fica livre em 2039.

O acordo de cada réu, no entanto, pode ser anulado caso uma das obrigações dos delatores não seja cumprida. Por exemplo, caso fique comprovada alguma mentira na delação premiada.

Ambos ganharam também o benefício de deixar os presídios federais de segurança máxima – já foram transferidos para penitenciárias estaduais.

Lessa conseguiu ainda ter de volta à casa da família na Zona Oeste do Rio que estavam entre os bens bloqueados pela Justiça.

 

O acordo de cada réu, no entanto, pode ser anulado caso fique comprovada alguma mentira na delação premiada e que não leve à elucidação de casos.

 

Relembre o crime

Em 14 de maio de 2018, a vereadora Marielle Franco (PSOL) foi morta a tiros dentro de um carro na Rua Joaquim Palhares, no bairro do Estácio, na Região Central do Rio, por volta das 21h30.

Além da vereadora, que levou quatro tiros na cabeça, o motorista do veículo, Anderson Pedro Gomes, também foi baleado e morreu. Fernanda Chaves estava no banco de trás e foi atingida por estilhaços.

Os bandidos – Lessa e Queiroz – estavam em um Cobalt prata e seguiram Marielle desde a Casa das Pretas, na Lapa, onde ela participara de um evento em uma distância de cerca de 4 quilômetros. A dupla emparelhou ao lado do veículo onde estava a vereadora e disparou, fugindo sem levar nada.

Marielle foi atingida por quatro tiros, sendo três na cabeça e um no pescoço, enquanto, Anderson levou três tiros nas costas. Fernanda Chaves sobreviveu, sendo atingida apenas por estilhaços.

Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram presos dois dias antes de o crime completar 1 ano, em 12 de março de 2019. Policiais da Divisão de Homicídios da Polícia Civil e promotores do Ministério Público participaram da força-tarefa que levou à Operação Lume.

Os dois estavam saindo de suas casas quando foram presos. Eles não resistiram à prisão e nada disseram aos policiais.

 

Julgamento dos mandantes no STF

O processo contra Lessa e Queiroz corre no TJ do Rio, estado onde ocorreram os crimes. O inquérito que gerou a ação foi aberto logo após o crime.

Quando a Polícia Federal abriu o inquérito para investigar a morte de Marielle, o processo, inicialmente, foi aberto no Tribunal de Justiça, mas quando Lessa cita, em delação, os nomes dos supostos mandantes – os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão –, a investigação passou para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas logo depois, o ministro Raul Araújo questionou o Supremo Tribunal Federal (STF) quem teria competência para atuar no caso. O STF informou que a competência seria dele porque Chiquinho é deputado federal e tem foro na corte superior.

Em junho desse ano, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou a denúncia para tornar réus os acusados de serem os mandantes dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

Com a decisão, os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, o ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro Rivaldo Barbosa, e outros dois investigados se tornaram réus e vão responder a uma ação penal pelos crimes. O relator do caso no STF é o ministro Alexandre de Moraes.

 

 

O julgamento

1º dia:

O primeiro dia do julgamento dos ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, assassinos confessos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, teve início às 10h30 de quarta-feira (30).

A irmã de Marielle, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, assistiu à sessão na primeira fileira do plenário entre a filha de Marielle, Luiara, e o pai, Antônio. Durante quase toda a manhã, manteve a cabeça no ombro da sobrinha. Os réus assistiram por videoconferência da cadeia onde estão presos.

 

Depuseram na quarta:

Fernanda Chaves, assessora de Marielle e sobrevivente do atentado;

Marinete Silva, mãe de Marielle;

Mônica Benício, viúva de Marielle e vereadora reeleita no Rio;

Ágatha Arnaus, viúva de Anderson;

Carlos Alberto Paúra Júnior, policial civil que fazia parte do núcleo que investigou o carro usado no crime;

Luismar Cortelettili, agente da Polícia Civil do Rio.

Carolina Rodrigues Linhares, perita criminal

Guilhermo Catramby, delegado da Polícia Federal e primeira testemunha de defesa

Marcelo Pasqualetti, policial federal

Ronnie Lessa, réu e assassino confesso

Élcio Queiroz, réu que dirigiu o Cobalt usado no atentado.

 

Entre todos os relatos sobre o crime, o depoimento de Ronnie Lessa, o assassino confesso de Marielle e Anderson, abalou parentes das vítimas por conta da frieza ao narrar os fatos.

Luyara Franco, filha de Marielle, deixou a audiência assim que Ronnie começou seu depoimento. Ela chegou a passar mal e voltou posteriormente, após 1h. Ágatha Arnaus, viúva de Anderson, começou a chorar quando Ronnie afirmou que não pretendia matar o motorista.

Muitos parentes e amigos preferiram ficar no corredor do 9º andar do Tribunal de Justiça, no Centro do Rio. A ministra Anielle Franco, irmã de Marielle, passou boa parte do tempo caminhando pelo corredor.

Em seu depoimento, Lessa deu detalhes sobre como cometeu os crimes e disse que Marielle se tornou “pedra no caminho” dos mandantes do assassinato. Ronnie também deu detalhes sobre como o crime foi cometido, como o momento do emparelhamento do carro dirigido por Élcio Queiroz no momento em que ele fez os disparos. Posteriormente, também pediu desculpas às famílias das vítimas.

O segundo réu, ex-PM Élcio Queiroz, que dirigiu o Cobalt usado no atentado, contou que não conhecia Marielle Franco antes do assassinato e que só ficou sabendo do plano para matar a vereadora no dia do crime. Élcio também disse que não sabia que participaria de um homicídio até chegar no local do evento onde estava a vereadora, na Lapa. Segundo ele, Lessa o chamou para um “trabalho” e disse que ele precisaria dirigir, mas sem dar detalhes.

A unica sobrevivente do atentado, Fernanda Chaves, falou em seu depoimento sobre o que viu quando o carro onde ela estava junto com Marielle foi fuzilado.

“Houve a rajada, eu percebi que o Anderson esboçou dor, falou ‘ai’, mas não foi alto, foi um suspiro. (…) Marielle estava imovel. Eu senti o barço dela em cima de mim, o peso do corpo dela em cima de mim. (…) A minha vida mudou completamente. Embora sejam sete anos quase desse atentado, não há normalidade”, contou Fernanda por vídeo conferência.

Por volta da meia-noite, a juíza Lúcia Glioche, do 4º Tribunal do Júri da Justiça do RJ, optou por suspender os trabalhos e convocou júri e as partes para retomar o julgamento na manhã de quinta-feira (31).

Durante o 1° dia, foram quase 14 horas de depoimentos e interrogatórios. Foram ouvidas oito testemunhas, seis de acusação e duas de defesa, e os dois réus. Uma testemunha de acusação, que seria a sétima, não compareceu. A acusação então exibiu aos jurados um trecho do antigo depoimento da perita criminal que participou da reconstituição.

 

2° dia:

A sessão desta quinta começou por volta das 9h30 e abriu com a manifestação da acusação, pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Os promotores entregaram aos jurados um caderno com 207 páginas do processo e um envelope com imagens do local do crime.

“O objetivo é levar ao conhecimento dos jurados as provas existentes no processo e mostrar que a condenação não é só com base na confissão”, disse o promotor de Justiça Eduardo Morais, que optou por não exibir em plenário as imagens dos corpos. “Não estamos aqui para expor ainda mais as vítimas”, destacou.

O promotor Eduardo pediu que os jurados condenem a dupla em todos os quesitos e afirmou que ambos só delataram porque sabiam que seriam descobertos e porque queriam algo em troca. Ele também criticou a postura de Lessa, que na quarta-feira pediu perdão à família de Marielle.

“Que arrependimento é esse com algo em troca? Vocês já pediram arrependimento a alguém e disseram: ‘quero seu perdão se me der alguma coisa em troca’? Porque foi isso que eles fizeram”, disse o promotor.

“Eles são réus colaboradores. Eles não vieram e se arrependeram. Eles vieram ao Ministério Público e pediram algo em troca para falar o que falaram”, completou.

Ainda de acordo com a acusação, até a delação premiada os réus negavam completamente o crime.

“Até ontem, até outro dia, os dois estavam aqui negando todas as imputações. Negando. [Disseram] ‘Eu não estava no carro’, ‘não era eu’, ‘não fui eu’, ‘eu não tenho motivo para matar’, ‘eu não conheço essas pessoas’, ‘eu nunca ouvi falar de Marielle’, ‘nunca ouvi falar de Anderson’. Então, que arrependimento é esse?”, questionou o promotor.

O promotor de Justiça Fábio Vieira, segundo a falar nesta quinta, disse que sua impressão é que o arrependimento apresentado nas falas de Lessa e Élcio é “uma farsa”. Definindo a dupla que está no banco dos réus como “sociopatas”, Vieira disse que os assassinos “não têm emoção em relação aos outros”, muito menos sentimentos ou empatia.

 

O MP ainda exibiu slides sobre a investigação:

 

o histórico de busca no Google de Ronnie, como acessórios para uma submetralhadora MP5 e “morte de Marcelo Freixo”;

o rastreamento de Marielle, com base nas agendas públicas e nas consultas a um banco de dados pago;

o uso do Jammer, equipamento que dificulta a localização de celulares;

 

Após as 2 horas e 30 minutos de fala dos advogados de acusação, a defesa dos réus também teria o mesmo tempo para expor seus argumentos. Contudo, os advogados de Lessa e Queiroz só utilizaram 48 minutos para suas argumentações.

Durante a sustentação oral no julgamento, advogado Saulo Carvalho, responsável pela defesa de Ronnie, disse que concorda que o assassino confesso seja condenado, mas disse que a delação do réu foi fundamental para conclusão do caso e que, por isso, pede uma pena justa.

O advogado discordou que o crime tenha tido motivação torpe porque, segundo ele, não houve crime político mas um interesse financeiro.

“Ronnie foi denunciado pelo homicídio, por motivo torpe, e esse motivo torpe eu ouso discordar da acusação porque não há nos autos que foi um crime político, por ela ser de esquerda, e sim visando terras. Ele atirou com uma metralhadora no modo rajada e disse que tentou mirar somente na vereadora Marielle. Ele não voltou para checar quem tinha sido atingido”, sustentou.

 

Condenação

A sessão teve um intervalo para almoço e retornou no período da tarde para a réplica do Ministério Público e a tréplica dos advogados de defesa.

Por volta das 16h50, após o fim das argumentações, a juíza Lúcia Glioche, do 4º Tribunal do Júri da Justiça do RJ, convocou os jurados e os reuniu na Sala Secreta.

O júri popular que vai decidir sobre o destino dos réus foi formado por 7 homens brancos.

Das 21 pessoas comuns selecionadas pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sendo 12 mulheres, foram sorteados 5 homens e 2 mulheres.

A defesa de Ronnie Lessa, no entanto, se valeu da prerrogativa de dispensar até 3 membros do júri sem critério objetivo para pedir a troca das únicas 2 mulheres. Um novo sorteio para preencher as vagas foi feito, chegando a uma composição 100% masculina e branca. 

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