Apresentação de minuta do golpe, ataque ao sistema eleitoral, plano de fuga: PF vê Bolsonaro no centro da trama golpista
Apresentação de minuta do golpe, ataque ao sistema eleitoral, plano de fuga: PF vê Bolsonaro no centro da trama golpista
Investigação da PF coloca Bolsonaro como planejador, dirigente e executor dos atos que levariam ao golpe de Estado. Texto também afirma que ele tinha domínio dos atos executados.
Por g1 — Brasília
O relatório
da Polícia Federal divulgado nesta terça-feira (26) apresenta a ação de
diversos políticos e militares na trama golpista que ameaçou a democracia entre
o fim de 2022 e o início de 2023, após a vitória do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva nas urnas. Um dos políticos com papel central na trama, segundo a PF,
é o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que seria beneficiado com o golpe de
Estado.
O nome de
Jair Bolsonaro é citado 643 vezes no documento. Veja abaixo o que pesa contra
ele no relatório da PF a partir dos seguintes tópicos:
‘Planejador’
A
investigação da PF coloca Bolsonaro como planejador, dirigente e executor dos
atos que levariam ao golpe de Estado. Um dos trechos do relatório afirma:
Bolsonaro “tinha plena consciência e participação ativa” nas ações do
grupo.
A PF também
diz que Bolsonaro tinha “domínio” dos atos executados.
“Os
elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram, de forma
inequívoca, que o então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro,
planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios
realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um
golpe de Estado e a abolição do Estado Democrático de Direito. O fato, contudo,
não se consumou em razão de circunstâncias alheias à sua vontade”,
escreveu a polícia.
O grupo
investigado atuou de maneira coordenada desde 2019, a partir de falsas
narrativas como, por exemplo, a de que o sistema eletrônico de votação no
Brasil seria vulnerável a fraudes.
Desde então,
oficiais, militares e assessores se reuniam para discutir estratégias para o
golpe de Estado a mando de Bolsonaro. E, embora o ex-presidente não apareça
como integrante de nenhum dos seis núcleos desenhados pela PF, é apontado pelos
investigadores como beneficiário das ações do grupo, já que a finalidade seria
mantê-lo no poder.
“A
investigação identificou um plano, adaptado da doutrina militar, para evasão e
fuga do então presidente da República Jair Bolsonaro do país, caso seu ataque
ao poder Judiciário e ao regime democrático sofresse algum revés que colocasse
sua liberdade em risco”, diz um trecho do documento.
O relatório
também aponta que “em diversos momentos” o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro,
o tenente-coronel Mauro Cid “figura como elemento de blindagem” de Bolsonaro.
Cid também está entre os 37 indiciados.
“Em diversos
momentos se identifica a implementação de ações que jamais seriam feitas sem o
conhecimento do presidente, bem como a expectativa dos demais integrantes da
Orcrim [organização criminosa] que as informações passadas a Mauro ou
repassadas por ele seriam de conhecimento lógico por parte do presidente”,
afirma outro trecho da investigação.
Carta do
golpe
Os
investigadores apontaram também que Bolsonaro sabia e concordava com a chamada
“Carta ao comandante do Exército de oficiais superiores da ativa do
Exército brasileiro”, “estratégia para incitar militares a pressionar
o comando do Exército a aderir à ruptura institucional”.
Segundo o
relatório, a divulgação da carta com teor golpista ocorreu no dia 29 de
novembro de 2022. E uma mensagem que o tenente-coronel Sérgio Cavaliere enviou
para Cid ratifica que Bolsonaro tinha conhecimento da situação.
Na mensagem,
ele diz: “Cara, ele mesmo sabe o que é isso, né. Ele tomou vinte dias de cadeia
quando era capitão, porque escreveu carta à Veja. Foi pra Conselho de
Justificação porque botaram na conta dele aquela, aquela operação pra, pra
explodir Guandu [adutora no Rio de Janeiro], né.”
Em 1986,
Bolsonaro, então capitão do Exército, foi preso sob a acusação de elaborar um
plano para fragilizar o alto comando do Exército.
Apresentação
da minuta golpista
O relatório
tem detalhes sobre uma reunião realizada no dia 7 de dezembro de 2022, no
Palácio do Alvorada, em que Jair Bolsonaro teria apresentado uma minuta de
decreto com conteúdo golpista.
O encontro
contou com a participação do então comandante do Exército, general Marco
Antônio Freire Gomes, que, em depoimento, afirmou que o documento previa a
decretação de Estado de Defesa, Estado de Sítio e a Garantia da Lei e da Ordem
(GLO) para reverter o resultado das eleições presidenciais.
Freire Gomes
relatou que participou de reuniões no Palácio da Alvorada após o segundo turno
das eleições presidenciais. Nessas ocasiões, segundo o general, Bolsonaro
apresentou hipóteses de utilização desses institutos jurídicos.
“Sempre
deixei evidenciado ao então presidente da República Jair Bolsonaro que o
Exército não participaria na implementação desses institutos jurídicos visando
reverter o processo eleitoral”, afirmou Freire Gomes.
De acordo
com o depoimento, a reunião do dia 7 de dezembro foi convocada pelo então
ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, sob ordens de Bolsonaro.
Também estiveram presentes o comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, e
o assessor para assuntos internacionais, Filipe Martins.
Durante o
encontro, Martins leu os “considerandos” que justificariam
juridicamente a decretação de medidas autoritárias.
Ataque ao
sistema eleitoral
A
investigação revelou que Bolsonaro trabalhou ativamente para manter viva a
narrativa de fraude eleitoral, mesmo após a inexistência de irregularidades no
sistema eletrônico de votação.
Entre as
ações atribuídas ao ex-presidente, está a tentativa de adiar a divulgação de um
relatório do Ministério da Defesa que não encontrou qualquer indício de falhas
nas urnas eletrônicas.
Essa
estratégia foi central para sustentar sua base de apoio e justificar medidas
autoritárias. O relatório conclui que Bolsonaro atuou de forma deliberada para
criar um ambiente de desconfiança em relação ao processo eleitoral, com o
objetivo de se manter no poder.
A narrativa
de fraude foi utilizada para fomentar tensões políticas e justificar a
elaboração de planos golpistas, que incluíam ações como a anulação das eleições
de 2022 e a prorrogação de mandatos, caso Bolsonaro tivesse obtido o apoio
necessário das Forças Armadas.
De acordo
com os investigadores, essa insistência em uma narrativa desprovida de provas
demonstra a intenção clara de subverter o Estado Democrático de Direito. “Os
dados corroboram que Jair Bolsonaro efetivamente planejou, dirigiu e executou
atos concretos que objetivavam a abolição do Estado Democrático de Direito”,
afirma o relatório.
Plano de
fuga
Outro ponto
relevante do relatório é o plano de fuga elaborado para retirar Bolsonaro do
país caso houvesse um revés judicial. Inspirado na doutrina militar, o plano
previa que, em caso de ameaça à liberdade do ex-presidente, ele seria retirado
do Brasil com suporte logístico de aliados.
De acordo
com a PF, o plano incluía estratégias como proteção armada nos palácios do
Planalto e da Alvorada e a ocupação de infraestruturas críticas para impedir
ações do Judiciário. O documento também menciona a criação de uma rede de
suporte para viabilizar sua evasão.
Esse planejamento avançado reflete o nível de comprometimento dos aliados de Bolsonaro com a tentativa de subverter a ordem democrática e evitar a responsabilização do ex-presidente. “A investigação identificou medidas clandestinas com o objetivo de assegurar a fuga de Bolsonaro e frustrar quaisquer ações judiciais contra ele”, aponta o relatório. O plano, contudo, foi abandonado devido à falta de adesão do Alto Comando das Forças Armadas, que se recusou a apoiar ações golpistas. Essa resistência foi fundamental para evitar o avanço do golpe.