Condenada por corrupção, Cristina Kirchner diz que não será candidata ‘a nada’ nas próximas eleições
Condenada por corrupção, Cristina Kirchner diz que não será candidata 'a nada' nas próximas eleições
Apesar de incluir a inelegibilidade perpétua, Kirchner pode ser candidata a cargos públicos até a sentença ficar definitiva, um processo que leva tempo.
Por RFI 07/12/2022 07h36 Atualizado há 2 horas
A condenação anunciada pela Justiça
argentina na terça-feira (6) abala a vice-presidente, mas pode levar anos para
ser executada. Apesar de incluir a inelegibilidade perpétua, Kirchner pode ser
candidata a cargos públicos até a sentença ficar definitiva, um processo que
leva tempo. Só então, para não ser presa, Kirchner estará obrigada a ser eleita
para se blindar com a imunidade do cargo.
Pela primeira vez na história
argentina, um julgamento teve como réu um líder no exercício do poder. A
vice-presidente foi condenada a seis anos de prisão por administração
fraudulenta, um crime de corrupção que inclui a inelegibilidade para cargos
públicos. Kirchner foi absolvida da acusação de liderar uma organização
criminosa, uma figura jurídica difícil de ser comprovada.
“A condenação não são seis anos
de prisão. A condenação real é a inelegibilidade perpétua a exercer cargos
eletivos”, interpretou Kirchner, repetindo que “tal como disse há
três anos, esta condenação já estava escrita”, acusou.
A vice-presidente usou as redes
sociais para transmitir a sua visão sobre o processo. Depois de uma hora,
durante a qual oscilou entre a indignação e a emoção, Kirchner anunciou que
“não será candidata a nada” em 2023, um ano eleitoral.
“Não serei candidata a nada. Nem
a presidente nem a senadora. Não estarei em nenhuma chapa. Voltarei para a
minha casa”, afirmou com a voz embargada.
Cristina nunca
ficará atrás das grades
A deputada opositora Mariana Zuvic,
uma das autoras da denúncia penal contra a vice-presidente, acredita que o
anúncio de Kirchner sobre não concorrer nas próximas eleições não passa de uma
vitimização calculada.
“É uma renúncia a ser candidata
para não demonstrar a humilhação de não poder ser candidata do Peronismo. Qual
peronista pode querer que ela seja candidata agora que foi condenada por
corrupção?”, questiona Zuvic.
“Ela está fazendo contas com
relação a quando essa sentença será definitiva depois do veredito da Corte
Suprema. Quando esta sentença for definitiva, e ela tiver de cumprir a condenação,
poderá conseguir imunidade por meio das legislativas que acontecem a cada dois
anos. Será quando ela precisará ter imunidade parlamentar para não ser
presa”, indica a deputada.
A partir de 9 de março, Kirchner
poderá apelar à segunda instância. O mesmo vale para o promotor, que pretende
insistir na figura da organização criminosa para aumentar a pena. A sentença só
terá de ser cumprida depois da decisão do Supremo Tribunal, uma tramitação que
poderá demorar vários anos. Enquanto isso, como na Argentina não existe a Lei
da Ficha Limpa, Kirchner poderá ser candidata nas eleições.
Porém, mesmo que seja condenada nesta
última instância, a legislação argentina prevê que pessoas com mais de 70 anos
de idade têm direito a prisão domiciliar. Cristina Kirchner completa 70 anos no
próximo dia 19 de fevereiro.
A construção do
esquema
Cristina Kirchner ao deixar seu
apartamento pela primeira vez desde a tentativa de assassinato, em 2 de
setembro de 2022 — Foto: Luis Robayo/ AFP
O processo pelo qual a ex-presidenta e
atual vice-presidente foi julgada abrange apenas as estradas na província de
Santa Cruz, berço político dos Kirchner, no extremo sul do país. A fraude ao
Estado teria sido de US$ 1 bilhão que, corrigidos a valores atuais, passaria de
US$ 2,5 bilhões.
Entre 2003 e 2015, o ex-presidente
falecido Néstor Kirchner (2003-2007) e a então presidenta Cristina Kirchner
(2007-2015) mantiveram uma matriz de corrupção nunca vista no país.
Poucos dias antes de assumir como
presidente, em 25 de maio de 2003, Néstor Kirchner criou a sua própria
empreiteira para ficar com o negócio da maioria das obras públicas em Santa
Cruz.
Como testa de ferro, colocou um amigo
sem nenhuma experiência. Lázaro Báez deixou de trabalhar como caixa em um banco
para se tornar um dos maiores empresários do país, em poucos meses. Os
processos de licitação eram fraudulentos, dirigidos sempre para Lázaro Báez.
Dos outros 12 acusados no caso, oito
também foram condenados, incluindo Lázaro Báez, sentenciado anteriormente a 12
anos de prisão em outro processo, e o ex-secretário de Obras Públicas, José
López, também condenado anteriormente a seis anos em outro caso.
A manobra ilegal
Em 50 das 51 obras analisadas, houve
superfaturamento de até 102%. Quase metade (24 obras) foram abandonadas ou não
foram terminadas, mas foram pagas integralmente por ordem direta de Cristina
Kirchner.
O dinheiro retornava ao casal
presidencial por meio de dois hotéis construídos pelos Kirchner, cujas diárias
eram forjadas numa manobra de lavagem de dinheiro. Lázaro Báez alugava os
quartos para supostos empregados da construtora que nunca apareciam nos hotéis.
Neste processo de lavagem de dinheiro, denominado “Hotesur e Los
Sauces”, Cristina Kirchner também é ré. Neste caso, o delito precedente é
a sentença que a Justiça acaba de proferir contra a vice-presidente.
O terceiro processo por corrupção ao
qual Kirchner responde – “Cadernos da corrupção” – abrange as obras
públicas em todo o país.
Kirchner se diz uma vítima do
“lawfare”, termo usado pela esquerda latino-americana para definir
uma guerra judiciária, criada pela direita, com o objetivo de intervir na
política e destruir adversários.
“Estou diante de um pelotão de
fuzilamento midiático-judicial”, repete.
Essa definição apareceu nesta
terça-feira (6) em cartazes pela capital argentina. Movimentos sociais,
financiados pelo governo, pretendem fazer manifestações em defesa da condenada,
aumentando a tensão política no país.
“Isto é um Estado paralelo e uma
máfia judicial”, disparou Kirchner contra os três juízes que a condenaram.
“Houve uma extraordinária manobra
fraudulenta que prejudicou os interesses da administração pública. Houve um
interesse manifesto sobre o plano criminoso por parte da então presidente da
República, Cristina Fernández de Kirchner”, concluíram os juízes.