Acordo entre EUA e China: entenda os efeitos da trégua na economia, no comércio e no mercado
Acordo entre EUA e China: entenda os efeitos da trégua na economia, no comércio e no mercado
Países reduziram temporariamente as chamadas 'tarifas recíprocas' durante 90 dias. Segundo especialistas, a pausa é apenas temporária e o acordo pode mudar muito até o final do prazo.
Por Isabela Bolzani, g1
O anúncio de uma trégua na guerra de tarifas entre Estados
Unidos e China foi bem recebido por economistas e analistas do mercado
financeiro, mas deve ter efeitos limitados e ainda incertos para destravar
investimentos corporativos e o comércio internacional.
Segundo especialistas ouvidos pelo g1, apesar do alívio das
tensões entre as duas maiores economias do mundo, a trégua não é uma medida
definitiva e pode mudar ao final do prazo de 90 dias.
“É um prazo relativamente curto”, diz Welber
Barral, ex-secretário do comércio exterior e sócio-fundador da BMJ Consultores
Associados.
“São três meses para que os dois países tentem fazer um
acordo maior, envolvendo o acesso a mercados e a outros temas, além de uma
eventual redução de tarifa. Por enquanto, não teremos grandes efeitos nos
mercados ou nos negócios”, completa.
O acordo, anunciado na madrugada desta segunda-feira (12),
prevê que os dois países reduzam temporariamente as chamadas “tarifas
recíprocas” por três meses.
Trump chegou a afirmar que as taxas voltariam a subir sem um
acordo, mas destacou que as tarifas sobre produtos chineses não devem retornar
para o patamar de 145% após o fim da pausa.
Na economia
Desde a campanha, Trump tinha como uma das principais medidas
econômicas o aumento de tarifas para produtos importados. A agenda
protecionista do republicano visa favorecer e priorizar a economia doméstica
dos EUA, limitando a concorrência estrangeira.
Mas altas taxas de importação podem acabar alterando a
dinâmica do comércio entre economias importantes do mundo, além de encarecer os
produtos e insumos de bens e serviços nos EUA.
Se a inflação local para o consumidor aumentar, o Federal
Reserve (Fed, o banco central dos EUA) pode precisar iniciar um novo ciclo de
alta de juros. A situação pode resultar em uma redução do consumo e uma
desaceleração econômica, causando até uma recessão econômica no país.
Além disso, há preocupações sobre o impacto desse ambiente de
pressão inflacionária e juros elevados em outros países, potencialmente levando
a uma desaceleração global.
Mas Trump teve dois recuos importantes desde abril, quando
anunciou o tarifaço. O primeiro foi a pausa de tarifas para os mais de 180
países afetados pelas tarifas recíprocas. Depois, a conciliação com a China.
Segundo Leonardo Monoli, diretor de investimentos da Azimut
Brasil Wealth Management, essa trégua acaba sendo um “teste decisivo”
para o futuro das relações comerciais entre as duas maiores potências globais,
e o mercado deve avaliar os impactos na economia do restante do mundo.
“Parece que evitaram o pior cenário, de fracasso das
negociações. Com isso, abrem um caminho para tentar algo positivo”,
afirma.
“O presidente do Fed tem discurso nesta semana e, diante
da nova conjuntura, será importante verificar como poderá validar uma mudança
de cenário.”
No mercado financeiro
Como sempre, quem reage primeiro é o mercado financeiro. O
dólar voltou a ganhar força assim que investidores passaram a avaliar que os
riscos da economia dos EUA se reduziram.
Os títulos públicos norte-americanos (as Treasuries) subiram,
houve um maior otimismo nas bolsas de valores do mundo todo, e até uma
valorização das commodities.
“É um acordo ainda recheado de detalhes a serem
explicados, mas já é um avanço considerável e os mercados se mostram bastante
aliviados desde o anúncio”, diz o economista sênior do Inter, André
Valério.
Em geral, a trégua é vista como benigna, uma vez que diminui
a incerteza sobre o crescimento da economia global, em especial a dos Estados
Unidos.
Os riscos de uma recessão e de uma estagflação (quando há
inflação alta e crescimento econômico baixo) ficaram bem menores, e esse era um
dos temores do Fed em sua última decisão de juros.
“O movimento pode ser visto como uma correção do
mercado, ajustando os excessos após reagir a uma desaceleração mais pronunciada
do dólar, especialmente após o anúncio de tarifas”, afirma Bruna Sene,
analista de renda variável da Rico.
Para os especialistas, ainda há bastante incerteza sobre qual
será o acordo definitivo entre EUA e China após o “cessar-fogo
tributário”. Um retorno das desavenças pode trazer desconforto para o
mercado ao longo dos próximos três meses, aumentando a volatilidade dos
investimentos.
“Os desafios estruturais permanecem. O mercado, embora
animado, continuará demandando clareza e avanços concretos nas próximas semanas
para sustentar o atual apetite por risco”, explica Monoli, da Azimut.
“O dólar apresenta recuperação inicial, mas ainda não
deve significar uma retomada estrutural, refletindo a cautela dos investidores
diante da complexidade das negociações.”
Para Sene, da Rico, o acordo não garante estabilidade a longo
prazo, algo muito caro para investidores. Assim, a postura será mais analítica.
“O acordo foi um passo importante, mas o tema ainda deve continuar gerando
instabilidade, e isso exigirá um portfólio de investimentos mais
equilibrado”, diz a analista.
Nas empresas e no comércio exterior
Se o mercado financeiro promete parcimônia, as empresas e o
comércio internacional serão ainda mais cuidadosos. Os especialistas avaliam
que o acordo tende a gerar um otimismo apenas para o curtíssimo prazo.
“Não veremos um grande efeito sobre as exportações e
tudo vai depender do que os dois países acertarem nesses 90 dias”, explica
Barral, da BMJ. “Por enquanto, todo mundo vai esperar para ver”.
Parte do argumento de Trump para a imposição das tarifas
sobre as importações de seus parceiros comerciais é a maior atração de negócios
para os EUA.
Para os especialistas, no entanto, a conta não fecha, uma vez
que qualquer investimento nessa magnitude levaria anos — e milhares (ou
milhões) de dólares para ser concluído.
De acordo com o economista e professor da Fipecafi, Hudson
Bessa, o anúncio de acordo entre os dois países melhorou o humor dos
empresários e do mercado neste primeiro momento, já que uma conversa mais
amigável entre os dois líderes “não é desprezível” no atual cenário.
Para ele, porém, isso não significa um aumento dos
investimentos ou das compras internacionais com contratos de longo prazo.
“Esses 90 dias vieram como uma janela de oportunidade,
em que os empresários tentarão evitar custos. Então, o que pode acontecer é que
isso se traduza em um lampejo de melhora”, afirma Bessa.
“Assim, se virmos um aumento das compras internacionais ou investimentos nesse trimestre, por exemplo, o mercado precisará entender qual leitura fazer: se avaliarão pelo lado de que a economia dos EUA está melhorando ou se irão ver como uma compra por oportunidade, para evitar as tarifas”, completa.