Após atentado contra Cristina, dezenas de milhares lotam ruas na Argentina em repúdio à violência

Manifestação na Argentina contra o atentado a vida de Cristina Kirchner - Foto - Redes Sociais

Após atentado contra Cristina, dezenas de milhares lotam ruas na Argentina em repúdio à violência

Por O Globo e La Nación — Buenos Aires

A Argentina segue em convulsão após a tentativa de magnicídio contra a vice-presidente Cristina Kirchner na noite de quinta-feira. Com o lema “Com a bandeira para defender a democracia”, dezenas de milhares de pessoas foram nesta tarde à Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, no centro de Buenos, para uma mobilização convocada pela Frente de Todos (FdT), a coalizão que governa o país. O presidente Alberto Fernández decretou feriado nacional.

Com a exceção notável do líder populista de direita Javier Milei, que se mantém em silêncio, o episódio motivou repúdio unânime das diferentes forças argentinas, e suas consequências políticas são inevitáveis, porém ainda incertas. Após discurso em rede nacional na própria noite de quinta-feira, Fernández ainda não fez uma manifestação oficial nesta sexta-feira. No início da tarde, ele se reuniu com Cristina por cerca de 45 minutos na casa da vice-presidente. Em seguida, fez uma reunião na Casa Rosada com representantes de sindicados, empresas e direitos humanos, além de religiosos, para “constituir um amplo consenso contra os discursos de ódio e violência”.

Na Praça de Maio se reuniram representantes das principais centrais sindicais e movimentos estudantis que apoiam o governo. Os manifestantes gritavam palavras de ordem como “Sempre com Cristina”, “Nunca Mais”, “Eles são os responsáveis pelo ódio que geram”, “A democracia é nossa e se defende” e “Aqui não desistimos”.

Apenas uma pessoa discursos, a atriz Alejandra Darín, que leu um texto cercada por políticos, sindicalistas e defensores dos direitos humanos. Além de defender a democracia e criticar a violência, o texto critica a imprensa argentina e a oposição, a quem acusa de promover um “discurso de ódio”.

— Há vários anos, um ínfimo setor da liderança política e da mídia partidária vem repetindo um discurso de ódio, de negação do outro, de estigmatização, de criminalização de qualquer líder popular ou ligado ao peronismo, e até mesmo de qualquer simpatizante — afirmou.

As bandeiras argentinas eram muito comuns entre os manifestantes. Algumas levavam estampado o nome do grupo que as portava, e outras traziam o nome “Cristina” grafado em letras grandes. Os carrinhos de comida e bebida começaram a aparecer por volta das 13h, abrindo caminho entre a multidão.

O estudante Santino, de 16 anos, foi até a manifestação acompanhado por seu tio Hernán.

— Somos netos de uma geração que perdeu 30 mil pessoas por querer viver em uma sociedade melhor e acho que temos que repudiar qualquer ato contra a democracia para mostrar que não é algo que negligenciamos. Se não sairmos às ruas para repudiar qualquer ato de violência, talvez se repita — disse

Já Florencia foi ao ato acompanhada por seu companheiro Roberto e suas filhas Paloma, de 10 anos, e Ana, de oito.

— É preciso se manifestar pacificamente em um momento em que a democracia está sendo maltratada por atos de violência — afirmou.

O governador da província de Buenos Aires, Axel Kiillof, vinculou o ataque ao julgamento de corrupção do vice-presidente, acusada por promotores de fraude e de liderar uma associação ilícita contra o Estado. Kicillof esteve ontem à noite com Cristina.

— Não posso deixar de associar [o ataque] ao que ouvimos de um expoente do Judiciário que também busca expulsá-la da vida política proibindo-a de participar como candidata — afirmou Kicillof, que também participou de uma marcha de seu gabinete até a Praça de Maio.

No Legislativo de Buenos Aires, a Frente de Todos apresentou um pedido de uma sessão especial no para repudiar o atentado. O pedido foi dirigido ao primeiro vice-presidente da Assembleia Legislativa e deputado da frente de direita Juntos pela Mudança (JxC), Emmanuel Ferrario, que precisa oficializar a convocação. Ele é obrigado a fazê-lo quando há assinatura de no mínimo um terço de deputados (20 entre 60), e o quórum foi alcançado.

Formado pelos governadores que apoiam o governo, o movimento autodenominado “Liga dos Governadores” divulgou um comunicado no qual, além do repúdio ao ataque, convoca uma reunião de todos os líderes de províncias para as 17h de segunda-feira. “Os governadores da República Argentina expressam nossa profunda preocupação e repúdio à tentativa de assassinato da vice-presidente da nação, dra. Cristina Kirchner”, começa o comunicado.

“A proliferação de campanhas sistemáticas de ódio e violência, a convergência inusitada de insultos, queixas e acusações infundadas promovem um clima favorável para executores dispersos ou programados, mas que respondem a grupos sociais, políticos e ideológicos”, acrescenta.

Praticamente a totalidade das lideranças da classe política argentina, incluindo o líder opositor Mauricio Macri, declararam solidariedade a Cristina e repúdio à violência. O silêncio incômodo é o do líder populista de direita Javier Milei, que ainda não se manifestou publicamente sobre o ocorrido, apesar de, desde então, ter publicado no Twitter, onde costuma fazer declarações públicas.

Segudo o La Nación, assessores de Milei debatem que atitude deve tomar o legislador, que reiteradamente se manifesta a favor do livre porte de armas. Em 6 de setembro de 2018, quando o então candidato Jair Bolsonaro sofreu o ataque com uma facada, Milei reagiu de imediato, acusando a esquerda: “Meu total e absoluto apoio ao presidente do Brasil Jair Bolsonaro diante de um novo ataque da esquerda, cujo elemento comum em todos os momentos e lugares é a intolerância total para com quem pensa diferente. São os violentos, e acusam os demais de o serem”, escreveu na época.

Em paralelo às reações da classe política, mensagens inflamadas, discursos extremistas e teorias conspiratórias proliferam nas redes sociais. Da esquerda, abundam mensagens que acusam a “direita gorila” de promover o assassinato de Cristina Kirchner. Da direita, por sua vez, há mensagens que sustentam que tudo foi “armado” por parte do próprio partido no poder, com o objetivo de vitimizar a líder e livrá-la de suas atuais investigações na Justiça.

Entre as frases lançadas pelo kirchnerismo havia “todos sabemos quem são” ou “o ódio da direita não tem limites”. Entre os opositores de Cristina, por sua vez, popularizou-se a expressão “não acredito em nada”.

 

 

 

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