Cacique do Candeal: Carlinhos Brown completa 60 anos como símbolo da força de um povo que se reinventa

Cacique do Candeal: Carlinhos Brown completa 60 anos como símbolo da força de um povo que se reinventa

Mais do que grande nome da música brasileira, Brown é o baluarte de um povo e representação máxima do Candeal.

Por Eric Luis Carvalho, g1 BA e TV Bahia 23/11/2022 06h00  Atualizado há 2 horas

Há 60 anos nascia Antônio Carlos Santos de Freitas para o mundo, Carlinhos Brown. A mente pulsante e genial cresceu dispota a ritmicamente mudar o mundo e assim faz. O aniversariante desta quarta (23) simboliza uma Bahia, uma música e um povo que se reiventa.

“Celebrar 60 anos é algo monumental. Eu não penso como uma pessoa de 60 anos, penso como um menino. A base vem da ancestralidade”, disse o Cacique.

Brown se tornou referência saindo da comunidade do Candeal Pequeno, uma das mais antigas de Salvador e localizada no Candeal, bairro próximo ao Itaigara, Brotas e Pituba. O bairro também é composto pelo Alto Candeal, parte com prédios de classe média. Mesmo após a fama, o artista nunca deixou a comunidade de onde veio e investiu em projetos sociais na região.

É nesse mesmo Candeal, que o Guetho Square faz de Brown o cacique maior. O mesmo lugar criado no século 18, onde de acordo com historiadores ficava uma senzala, que foi comprado pela escrava alforriada Josefa Santana que voltou da África para libertar seus parentes. No local, ela deu início a uma plantação de cana-de-açúcar. É um Candeal de inúmeras histórias e das quais seus filho ilustre está sempre pronto a contar.

“O Candeal é essencial para contar várias histórias. Quem é o Candeal? Ele está dentro de Salvador, primeira cidade da latina das Américas, mas onde está o Candeal nessa especialidade? Ele tem o primeiro assentamento de Elegba (quem é um orixá) para a América Latina. Por isso, ele foi chamado de Terreiro dos Terreiros”, contou em entrevista à TV Bahia.

Antes de Brown, o local era uma comunidade sem estrututura sanitária e com muitos problemas de urbanização. Mas o jovem Brown que recebeu do Candeal aquilo que lhe formou, devolveu em forma de poesia e em forma de estrutura.

No bairro, onde o Cacique iniciou a sua vida na música, ele desenvolveu projetos sociais que mudaram a história do lugar, e se tornou inspiração, mantendo em sua obra os ensinamentos dos mais velhos, e as sonoridades e oralidades do Candomblé.

No Candeal, ele criou o “Tá Rebocado”, programa de urbanização e saneamento, que em 2002, recebeu o Certificado de Melhores Práticas do Programa de Assentamentos Humanos das Nações Unidas.

Em 1994, Brown criou a Associação Pracatum Ação Social, que até hoje beneficia milhares de jovens da Bahia através da música. O instituto ainda oferece cursos de idiomas, moda, reciclagem, oficinas e escolas.

Em 2018, a Candyall Educativo foi criada para um envolvimento maior nos temas relativos à educação. Mais de 15 mil alunos passaram direta ou indiretamente pelas mãos de Brown.

“Isso é um modelo positivo de inclusão social”, conta.

Ao longo da carreira, Brown recebe o Prêmio Goya, 2 Grammy’s Latinos e diversas indicações, além do troféu entregue em reconhecimento à sua atuação como arte-educador pela Sociedade Internacional de Educação Musical. Em 2018, foi o primeiro músico nomeado Embaixador Ibero-Americano para a Cultura.

O Candeal de hoje inspirado no começo de tudo com Josefa Santana, um Candeal que respira talento sob a mão visionária, religiosa e generosa de Antônio Carlos Santos de Freitas, o Cacique Brown.

 

O caminho para o reinado

A carreira musicial de Brown começou em 1979, quando começou a acompanhar o Mestre Pintado do Bongô, líder de percussão dos Sambões soteropolitanos. O talento precoce fez com que Brown, aos 17 anos, já tocasse com artistas de destaque na cena baiana, como Batatinha, Mirian Batucada, Firmino de Itapoan, Claudete Macêdo e com a Banda Torna Sol.

Nos anos 80, ele passou a fazer parte da bateria dos Apaxes do Tororó, um dos maiores blocos de inspiração indígena do Carnaval de Salvador. No mesmo período, também foi compositor e percussionista do bloco-afro Zimbabwe e em 1981 integrou a banda de pop-rock baiano Mar Revolto.

E foi no Carnaval do mesmo 1981, que, pela primeira vez, Brown levou para a folia baiana timbales de lata, o bongô, atabaques e outros instrumentos que até então nunca tinha utilizados por músicos de trios elétricos. Nascia a grande era da cena percussiva dos trios do carnaval de Salvador.

Nos celebres estúdios WR, onde “nasceu” o Axé Music, Brown aprendeu técnicas de gravação e produção com Wesley Rangel, um dos mais importantes produtores musicais da Bahia. No WR compôs clássico do Axé Music, como “Cadê meu coco”, sucesso de Sarajane, e “Yayá Maravilha”, gravada por Virgílio.

Ao longo da carreira, acompanhou nomes como Paulinho Boca de Cantor, Lui Muritiba e Chico Evangelista, sempre seguindo com seus estudos rítmicos com letras e melodias inovadoras. Integrou a banda de Caetano Veloso. E na voz do mesmo Caetano, Brown teve um dos primeiros grandes sucessos de sua projeção nacional com “Meia Lua Inteira”. Desde então, a lista de duetos e parceria parece sem fim.

Brown criou movimentos revolucionários da música, como a Timbalada, em 1991, e, ao lado de Marisa Monte e Arnaldo Antunes, os Tribalistas, em 2002. Como bom filho do Candeal, tratou de se reinventar sempre. É ele, o primeiro músico brasileiro a fazer parte da Academia do Oscar.

Em 2011, ele co-assinou a trilha sonora da animação infantil “Rio”, da Fox Filmes, em parceria com Sérgio Mendes, Mikael Mutti, John Powell e Siedah Garrett, e foi indicado ao Oscar de Melhor Canção Original com a canção “Real in Rio”. Em 2014, ele gravou com Shakira, a música “La La La – Brazil 2014”, para a Copa do Mundo de 2014. O baiano tem uma carreira consolidada no exterior, especialmente na Europa.

Referência no carnaval da Bahia, onde participou ativamente dos mais significativos processos de mudança, Brown chega aos 60 anos, com 40 de carreira, sendo um dos mais prestigiados artistas brasileiros em todo o mundo, mas ainda com corpo e espírito de menino do Candeal. 

Brown nasceu e se criou no Candeal Pequeno — Foto: Acervo pessoal
Carlinhos Brown completa 60 anos como símbolo de um lugar que se reinventa — Foto: Mateus Ross

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