Câmara aprova texto da reforma tributária em 2º turno

Câmara aprova texto da reforma tributária em 2º turno

Proposta unifica tributos, prevê imposto seletivo e cria cesta básica nacional.



Por Ana Paula Castro, Elisa Clavery e Luiz Felipe Barbiéri, TV Globo e g1 — Brasília - 07/07/2023 01h39 - Atualizado há 33 minutos

Em votação histórica, a Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta sexta-feira (7) o texto-base da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária. A discussão sobre um novo sistema tributário brasileiro se arrasta há quase 30 anos no Brasil.

A sessão foi encerrada antes da conclusão da votação em segundo turno, à 1h53. Os deputados ainda precisam analisar destaques (mudanças) ao texto. A análise será retomada nesta sexta às 10h.

A votação na Câmara ocorre em dois turnos. As discussões tiveram início às 11h desta quinta. Em segundo turno, foram 375 votos a 113 a favor da PEC e três abstenções. Em primeiro turno, foram 382 votos a favor e 118 votos contra. Eram necessários 308 votos para a aprovação da proposta. Finalizada essa etapa, o texto vai à análise do Senado.

Dessa vez, foi possível destravar a reforma após um esforço que uniu diferentes correntes políticas e econômicas, com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), atuando diretamente nas negociações, além do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e governadores, prefeitos e líderes partidários.

Ainda que haja divergências sobre o texto, o entendimento é que a simplificação do sistema tributário é fundamental para atrair investimentos e desenvolvimento para o país, além de impulsionar o crescimento do produto interno bruto (PIB).

 

O que é a reforma proposta

Em linhas gerais, a proposta da reforma tributária prevê a unificação de cinco tributos. A última versão também prevê zerar imposto sobre a cesta básica e criar o “imposto do pecado”, a ser cobrado sobre itens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como cigarros e bebidas alcoólicas.

 

Os impostos que serão unificados são:

 

IPI, PIS e Cofins, que são federais;

ICMS, que é estadual, e o ISS, que é municipal.

Esses tributos deixariam de existir e seriam criados dois impostos sobre valor agregado, os IVAs: um seria gerenciado pela União e outro teria gestão compartilhada por estados e municípios.

 

Fase de transição

Segundo a proposta, o período de transição para unificar os tributos vai durar sete anos, entre 2026 e 2032. A partir de 2033, impostos atuais serão extintos. Aguinaldo Ribeiro propõe o início da transição em 2026. Nessa etapa chamada de teste:

 

– IVA federal terá alíquota de 0,9%

– e o IVA estadual e municipal, de 0,1%

 

Na primeira versão do parecer, o relator estabelecia que a migração teria início em 2026, com somente os impostos federais (PIS, Cofins e IPI). Três anos depois, começaria a transição para ICMS e ISS.

A inclusão dos estados e municípios já na fase de teste da alíquota foi realizada para “atender demanda dos estados”, segundo Ribeiro.

“O objetivo dessa etapa é conhecer a base tributável, permitindo que se calculem as alíquotas da CBS e do IBS necessárias para substituir a arrecadação atual”, argumentou.

Em 2027, PIS e Cofins serão extintos, e a alíquota do IPI será reduzida a zero, com exceção de produtos que não tenham industrialização na Zona Franca de Manaus (ZFM):

A próxima etapa prevista na transição começa em 2029, com uma redução escalonada da cobrança dos tributos estadual e municipal:

 

– a cada ano, a alíquota em vigor do ICMS e do ISS será reduzida em 1/10

– o término da transição está previsto para 2032

– enquanto isso, as alíquotas do IVA estadual e municipal serão elevadas gradualmente para equiparar a arrecadação original dos tributos que serão extintos

– também ocorrerá uma redução proporcional dos benefícios fiscais concedidos pelos estados e municípios

– em 2033, os impostos estadual e municipal estarão extintos

 

Alíquota do IVA

▶Com exceção da alíquota de teste, o texto da reforma tributária não estabelece os valores de cobrança dos IVAs. O parecer estabelece a criação de cobranças reduzidas e isenções para uma série de bens e serviços (entenda mais abaixo).

A proposta prevê, no entanto, a criação de alíquotas de referência para orientar as cobranças federal, estadual e municipal. Caberá ao Senado a responsabilidade de fixar essas referências durante o período de transição.

Os patamares estabelecidos pelos senadores ficarão em vigor até que leis federal, estadual ou municipal definam as alíquotas dos IVAs sob sua responsabilidade.

Segundo o parecer, as alíquotas de referência do IBS e da CBS deverão ser reajustadas para “incorporar a perda de arrecadação dos tributos extintos”. O objetivo é manter a carga tributária em cada esfera federativa inalterada.

No caso do IVA federal, a arrecadação do chamado imposto do “pecado” deverá ser computada para a redução da alíquota federal da CBS. “De modo a proporcionar impacto nulo sobre a arrecadação federal durante esse período”, escreveu Ribeiro.

De forma geral, o texto estabelece que as alíquotas dos dois novos impostos serão as “necessárias para replicar a carga tributária hoje existente”.

O secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, já estimou que a alíquota do futuro IVA, necessária para manter a carga tributária, seria de 25%.

 

Conselho Federativo

O Conselho Federativo será responsável por centralizar a arrecadação do futuro IVA estadual e municipal, que vai substituir o ICMS e o ISS. A composição e o peso de decisão de cada estado no órgão era alvo de críticas dos governadores.

Na quarta (5), ao iniciar a discussão do texto, Ribeiro não apresentou detalhes sobre o conselho e disse que o acordo seria fechado até a hora da votação. Com a nova versão do parecer, o relator atendeu a pleito dos governadores e definiu a composição da estrutura:

 

– 27 representantes de cada um dos estados e o Distrito Federal

– 14 representantes que serão eleitos, com voto em peso igual, pelos municípios;

13 representantes que serão eleitos, com peso do voto ponderado pelo número de habitantes, pelos municípios

 

Segundo o texto, as deliberações do conselho serão tomadas se alcançarem cumulativamente os votos:

– nos estados: da maioria absoluta de seus representantes e de representantes que correspondam a mais de 60% da população do país

– nos municípios: da maioria absoluta de seus representantes.

O formato apresentado atende aos pedidos de governadores de estados populosos, que temiam perder autonomia na gestão de recursos arrecadados e queriam um mecanismo que garantia paridade na deliberações.

 

Fundo de Desenvolvimento Regional

A proposta prevê a criação do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), que terá o objetivo de reduzir as desigualdades regionais. A forma como os recursos serão distribuídos entre os estados era um dos pontos em aberto.

Duração: começa em 2029, sem prazo estipulado para o fim.

Valor total do fundo: No primeiro ano, serão R$ 8 bilhões, aumentando progressivamente até 2032. A partir de 2033, o governo federal vai destinar ao FDR R$ 40 bilhões por ano.

 

Cesta básica nacional

Após críticas, o relator da reforma tributária incluiu na proposta a criação de uma cesta básica nacional de alimentos com isenção de tributos. As alíquotas previstas para os IVAs federal e estadual e municipal serão reduzidas a zero para esses produtos.

Segundo o texto, caberá a uma lei complementar definir quais serão os “produtos destinados à alimentação humana” que farão parte da cesta.

 

‘Cashback’

Atualmente, a Constituição prevê a desoneração de bens considerados essenciais. Na prática, o regime diferenciado de cobrança para esses produtos alcança itens consumidos pela população de baixa renda.

Na reforma aprovada, é estabelecido um novo conceito: o “cashback”. O mecanismo prevê a devolução de impostos para um público determinado, como a população de baixa renda.

Apesar de propor o formato, o parecer estabelece que o tema só será regulamentado depois, por meio de lei complementar.

“Por essas razões, o nosso substitutivo prevê a adoção de mecanismo de devolução a famílias de baixa renda, cujo desenho constará de legislação infraconstitucional, a qual determinará o público elegível beneficiado e o montante e a forma de devolução”, defendeu Aguinaldo Ribeiro.

 

Alíquotas reduzidas

O novo parecer de Aguinaldo Ribeiro trouxe atualizações nos dispositivos que tratam da redução das alíquotas dos dois IVAs para determinados bens e serviços. Ele acrescentou mais três setores no rol.

Também houve alteração no percentual de redução da alíquota dos tributos. Originalmente, Ribeiro havia proposto uma redução de 50%.

A PEC agora estabelece corte de 60%. Com isso, a alíquota incidente será equivalente a 40% do IBS (IVA estadual e municipal) e do CBS (IVA federal).

O relator havia proposto inicialmente a possibilidade de cortar a tributação da seguinte lista:

 

– serviços de transporte público coletivo urbano, semiurbano ou metropolitano

– medicamentos e dispositivos médicos e serviços de saúde

– serviços de educação

– produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura

– insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal

e atividades artísticas e culturais nacionais

 

A essa lista de produtos e serviços Ribeiro incluiu, além das produções jornalísticas, audiovisuais e desportivas:

 

– dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência

– bens e serviços relacionados a segurança e soberania nacional, segurança da informação e segurança cibernética

e medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual

O deputado também modificou o trecho que trata dos serviços de transporte passíveis de redução da alíquota.

Na versão apresentada há duas semanas, Ribeiro estabeleceu a possibilidade para os serviços de transporte público coletivo urbano, semiurbano ou metropolitano.

Ele propõe a ampliação para “transporte coletivo rodoviário, ferroviário e hidroviário, de caráter urbano, semiurbano, metropolitano, intermunicipal e interestadual”.

 

Imposto do ‘pecado’

A proposta prevê a criação de um Imposto Seletivo, de competência federal, sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente (como cigarros e bebidas alcoólicas).

O imposto poderá incidir em uma ou mais fases da cadeia produtiva – por exemplo, produção e comercialização – e será cobrado nas importações, não incidindo sobre exportações.

Os detalhes da cobrança e dos produtos que serão desestimulados pelo imposto serão definidos posteriormente.

Embora o imposto seja federal, a arrecadação será dividida com estados e municípios, seguindo a atual distribuição do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

No relatório desta quinta, Ribeiro propôs ainda que o imposto seletivo seja aplicado ao bens que terão alíquotas reduzidas.

 

Isenções

O parecer estabelece a possibilidade de isentar a cobrança dos IVAs sobre uma série de bens e tributos. As decisões serão tomadas em lei complementar.

Poderão ficar isentos da cobrança do futuro IVA:

 

– alguns medicamentos específicos, como os utilizados para o tratamento contra o câncer

– produtos de cuidados básicos à saúde menstrual

– dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência

– produtos hortícolas, frutas e ovos

– redução de 100% da alíquota do IVA federal (chamado de CBS) incidente sobre serviços de educação de ensino superior (Prouni)

– possibilidade de um produtor rural pessoa física ou jurídica com receita anual de até R$ 3,6 milhões ficarem “livres” de recolher o futuro IVA

– possibilidade de zerar os IVAs sobre atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística

Na primeira versão do texto, somente os produtores pessoas físicas com faturamento anual de até R$ 2 milhões não seriam contribuintes.

 

Tributação da renda e do patrimônio

O relator incluiu no parecer mudanças na cobrança de impostos sobre renda e patrimônio.

 

▶ IPVA para jatinhos, iates e lanchas

 

Pelo sistema atual, esses veículos não pagam o tributo. O texto permite a cobrança do imposto nos estados e prevê a possibilidade de o imposto ser progressivo em razão do impacto ambiental do veículo.

“De fato, a intenção da proposta é trazer mais isonomia à tributação do patrimônio, permitindo que bens de alto valor e utilizados para fins recreativos sejam onerados da mesma forma que os carros utilizados pelas famílias para seu deslocamento diário”, argumentou Aguinaldo Ribeiro.

O relator afirmou que a medida não tem objetivo de onerar aeronaves e barcos de transporte de passageiros ou barcos voltados à pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência. Não será cobrado também sobre plataformas de petróleo.

“Esse imposto não terá o viés de onerar a atividade produtiva, seu objetivo é alcançar bens utilizados por pessoas com alto poder aquisitivo de elevado valor, que hoje não são tributados, em um claro descompasso com o imposto aplicado sobre veículos automotores de uso popular.”

 

▶ Tributação progressiva sobre heranças

Ribeiro propõe a cobrança do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) de forma progressiva em razão do valor da herança ou da doação.

O texto prevê que a cobrança será feita no domicílio da pessoa falecida. A medida tem o objetivo de impedir que os herdeiros busquem locais com tributações menores para processar o inventário.

A proposta também cria regra que permite cobrança sobre heranças no exterior.

O relator incluiu isenção do ITCMD sobre doações para instituições sem fins lucrativos “com finalidade de relevância pública e social, inclusive as organizações assistenciais e beneficentes de entidades religiosas e institutos científicos e tecnológicos”.

 

▶ Atualizações no IPTU

A pedido da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Aguinaldo Ribeiro estabeleceu no parecer dispositivo que autoriza as prefeituras a atualizar a base de cálculo do IPTU por meio de decreto, partindo de critérios definidos em lei municipal.

“Facilitando que as administrações municipais alcancem o potencial arrecadatório de imóveis com alta valorização”, disse.

O texto prevê ainda que, em até 180 dias após a promulgação da proposta, o governo deve enviar ao Congresso Nacional a reforma da tributação da renda.

 

Tratamentos diferenciados

O deputado Aguinaldo Ribeiro incluiu as cooperativas no regime de tratamento diferenciado de tributação.

Pela proposta, alguns tipos de produtos e serviços poderão receber tratamento específico por terem peculiaridades e não se adequarem ao regime geral de incidência do IVA.

Agora, o texto prevê os seguintes casos:

 

– Combustíveis e lubrificantes: alíquotas uniformes cobradas em uma única fase da cadeia e possibilidade de concessão de créditos para os contribuintes

– Serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos (como as loterias): alterações nas alíquotas, nas regras de creditamento e na base de cálculo, além da possibilidade de tributação com base na receita ou no faturamento;

– Compras governamentais: não incidência do IVA dual (IBS e CBS), desde que haja manutenção dos créditos relativos às operações anteriores da cadeia

– Sociedades cooperativas: o imposto não será cobrado sobre as operações realizadas entre a sociedade cooperativa e seus cooperados, e os créditos do imposto serão transferidos entre os cooperados e a sociedade cooperativa.

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