Chacina de Paraisópolis: parentes e movimentos sociais fazem protesto
Chacina de Paraisópolis: parentes e movimentos sociais fazem protesto
Ato aconteceu em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo.
Publicado Por Letycia Bond - Repórter da Agências Brasil - São Paulo
Familiares e
amigos dos nove jovens que morreram no episódio conhecido como Massacre de
Paraisópolis, de 2019, e movimentos sociais, como a Rede de Proteção e
Resistência contra o Genocídio, realizaram hoje (25), uma manifestação para
homenagear as vítimas e cobrar resposta do poder público. O ato aconteceu em
frente ao Fórum Criminal da Barra Funda, onde começa, nas primeiras horas da
tarde, a primeira audiência de instrução do processo que pode condenar por
homicídio 12 policiais militares que atuaram na operação. O que se decide agora
é se irão a júri popular ou não.
Para esta
terça-feira, está previsto o início da série de depoimentos de testemunhas de
acusação, que totalizam, segundo a defensora pública Fernanda Balera, que
acompanha o caso, 24. No total, 52 testemunhas foram arroladas.
A defensora
pública classifica o caso como “emblemático” e comenta que há solidez
de provas contra os policiais. “A gente tem muitas evidências. Vídeo,
análise das trocas de conversas entre os policiais, os testemunhos. E todo esse
conjunto de provas não deixa nenhuma dúvida de que os nove jovens morreram por
uma ação intencional da polícia, que atuou de forma violenta, criando um cerco
de terror, jogando bombas, usando morteiro, gás, spray, que gerou todo um caos
intencional e acabou ocasionando a morte dos jovens”, diz, adicionando que
não houve nenhum movimento de resistência das vítimas diante dos policiais.
Cerca de 250 pessoas participaram do protesto, vestindo roupas pretas, em um sinal de luto pelos jovens que perderam a vida durante a operação da Polícia Militar (PM) feita no baile funk DZ7, na favela de Paraisópolis, em 1º de dezembro de 2019. Vigiados por duas viaturas da PM estacionadas e uma terceira, da equipe de força tática, que transitava lenta e silenciosamente. Em certo momento, um helicóptero sobrevoou o fórum.
O grupo
também fez um minuto de silêncio em gesto de respeito e memória às vítimas e
ergueu cartazes de protesto, pedindo o fim da perseguição da polícia contra
negros e da PM racista. Outro dizia: “Disque 190 para matar pobres”.
Por volta de meio-dia, os manifestantes leram o manifesto que pede a punição
dos agentes de segurança.
Ao chegar ao
fórum, a reportagem da Agência Brasil apurou que as famílias não puderam, por
ordem da administração do local, pendurar faixas nas grades. Uma delas, de
fundo preto e letras em branco, trazia os dizeres “Massacre de
Paraisópolis – Hora da justiça”. Em outras, era possível ver fotos dos
rostos das vítimas, com mensagens de saudade.
Em
complemento a falas feitas anteriormente ao microfone, André Delfino da Silva,
militante dos movimentos de favelas, afirmou que é preciso se repensar a
preparação dos policiais e que eles “se transformaram em assassinos em
favor do capital”. “No processo de formação, a gente é construída
como o inimigo”, declarou.
Um jovem que
se identificou como amigo de uma das vítimas também se posicionou com firmeza,
criticando a atuação dos policiais na operação. “Não foi acidente, não foi
falta de treinamento, foi uma chacina. Esses erros operacionais ocorrem todos
os dias na mão da polícia. Isso não acontece em bairro nobre. Aquilo foi
tortura, assassinato. O que está acontecendo é o genocídio de jovens”,
disse.
Ivanir
Aparecida da Silva, mãe de Eduardo da Silva, disse à Agência Brasil que a
sensação de desamparo diminuiu com o atendimento prestado pela Defensoria
Pública do Estado de São Paulo e que, embora o governo tenha oferecido
indenizações às famílias, a vida de seu filho “não tem preço”. Para
ela, essa forma de reparação, inclusive, em sua avaliação, serviu como forma de
tentar calar o protesto dos familiares.
Ivanir
contou que Eduardo morava em Carapicuíba e deixou um filho de dois anos de
idade. O jovem, disse ela, não dava ouvidos a seus conselhos para evitar ir ao
baile funk, também chamado de pancadão, e para tomar cuidado com a truculência
da polícia, que poderia ser ainda pior, no seu caso, já que ele era negro. Para
Eduardo, não havia nada de errado em querer se divertir.
“No dia
em que ele morreu, eu o esperei em casa e ele não chegou”, desabafa.
“Ele
falou para o filho dele, vou ali e volto já. E, quando voltou, voltou em um
caixão, sabe Deus como, porque ele estava irreconhecível”, acrescenta a
irmã do jovem, Janaína da Silva, que ressalta que as autoridades impediram a
família de ver o rosto do jovem, no Instituto Médico Legal (IML), e que uma
vizinha teve que se mudar após a intimidação de policiais. “Meu sobrinho é
uma criança que não pode ver polícia, com medo de a polícia fazer o que fizeram
com o pai dele. Pra gente, é muito doloroso.”
Outro
elemento que gerou a suspeita de que houve abusos por parte dos policiais foi a
forma como a família deixou de ser comunicada sobre os detalhes do ocorrido.
Segundo Ivanir, ela chegou a ser informada, por telefone, de que ele estaria
internado em um hospital de Campo Limpo.
Câmera como aliadas
Conforme
noticiou a Agência Brasil, a letalidade policial aumentou 29% em fevereiro
deste ano. Uma das formas que têm inibido arbitrariedades cometidas pelos
agentes de segurança é o uso de câmeras acopladas ao uniforme que utilizam.
Contudo, não
necessariamente precisam ser desse tipo. Como diz Ivanir, até mesmo a
vigilância que moradores de favelas exercem sobre os agentes pode ajudar a
combater os abusos. “Se ninguém tivesse tirado foto, feito vídeos, nada,
eles [os policiais] iam sair daqui com a cabeça erguida”, afirma ela.
Outro lado
A Agência
Brasil solicitou posicionamento da Secretaria da Segurança Pública sobre as
críticas ao comportamento dos policiais. Em resposta, a pasta encaminhou nota,
em que diz que “os inquéritos civil e militar sobre o respectivo caso
foram concluídos e remetidos ao Poder Judiciário.”
“Um dos
indiciados não mais integra os quadros da Polícia Militar e os outros 12 seguem
afastados das atividades operacionais de policiamento até a conclusão do
trabalho judicial”, completa.
Edição:
Valéria Aguiar