Comissão do Senado aprova projeto que estabelece marco temporal da demarcação de terras indígenas

Comissão do Senado aprova projeto que estabelece marco temporal da demarcação de terras indígenas

Projeto tem gerado polêmica porque define que indígenas só podem reivindicar posse de terras que ocupavam na data de promulgação da Constituição de 1988. Texto ainda terá de passar por novas votações no Senado. STF também discute o tema.



Por Filipe Matoso e Sara Resende, g1 e TV Globo — Brasília

A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado aprovou nesta quarta-feira (23) o projeto que estabelece o chamado marco temporal da demarcação de terras indígenas.

O texto prevê que povos indígenas só poderão reivindicar a posse de áreas que ocupavam, de forma “permanente”, na data da promulgação da Constituição de 1988.

Portanto, na prática, se as comunidades não comprovarem que estavam nas terras em 5 de outubro de 1988, podem não ter o direito à terra garantido.

O projeto seguirá para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e também terá de passar pelo plenário principal do Senado.

A discussão sobre o tema tem gerado polêmica. Em abril deste ano, por exemplo, indígenas fizeram uma marcha em Brasília com o projeto do marco temporal, à época em tramitação na Câmara dos Deputados. Depois, em maio, houve uma nova manifestação de indígenas contra a proposta.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), por exemplo, diz que o projeto é “danoso” e deveria ter sido discutido de forma mais “adequada” com os indígenas. A Apib também tem argumentado que o projeto é inconstitucional.

Paralelamente à discussão no Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal também analisa uma ação que envolve a demarcação de uma terra indígena em Santa Catarina – mas a eventual decisão do STF terá repercussão em todos os processos sobre o mesmo assunto.

 

Parecer da relatora

No parecer sobre o tema, a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), escreveu que é “adequado” utilizar a data da promulgação da Constituição de 1988 para o marco temporal.

Afirmou, ainda, que a aprovação do projeto se mostra a “solução mais adequada” para viabilizar a resolução de questões legais e constitucionais.

“Acreditamos que a aprovação do PL [..] corresponderá, por uma parte, à solução mais adequada para viabilizar a resolução das questões legais e constitucionais envolvendo demarcação de terras indígenas no Brasil, e, por outra, à melhor forma para garantir previsibilidade, segurança jurídica e desenvolvimento ao país”, argumentou a relatora.

 

Agricultores defendem indenização

O presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul (Farmasul), Marcelo Bertoni, argumentou que agricultores ocupam partes das terras do estado desde 1854, após a Guerra do Paraguai.

Bertoni disse que “não é justo” que os descendentes dessas pessoas sejam “considerados invasores”. “Não podemos resolver uma injustiça criando outra.” O presidente da associação defendeu ainda indenização para os fazendeiros retirados das terras reivindicadas pelos indígenas.

“Também quero a segurança jurídica, desde que os meus produtores que estão lá desde essa época sejam indenizados. Indenizados justamente na questão legal, tanto da terra nua quanto das benfeitorias, que hoje não é. Ele é expropriado nesse sentido”, alegou.

 

Projeto é ‘cheio de vícios’

Presente à sessão da comissão do Senado, a presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Joenia Wapichana, afirmou que o projeto é “cheio de vícios” porque, na opinião dela, altera a Constituição e, por isso, não poderia ser um Projeto de Lei a estabelecer o marco temporal, mas, sim, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

Projetos de lei exigem quórum mais baixo para sua aprovação. Isso porque, para ser aprovado, o PL precisa do apoio da maioria dos parlamentares presentes à sessão, desde que haja maioria no plenário (por exemplo, 41 dos 81 senadores, ou 257 dos 513 deputados).

“[O projeto] flexibiliza, altera a concepção de direitos fundamentais dos povos indígenas, dá nova roupagem em relação às indenizações de boa-fé e impõe o marco temporal a partir de 5 de outubro de 1988. Então, altera a Constituição. Não deveria ser tratado em lei ordinária, que requer quórum mais simples, mas sim em PEC”, afirmou.

 

Falta de produção é ‘falácia’

Para o representante da Apib na sessão, Kleber Karipuna, há um “estigma” de que os povos indígenas não produzem em seus territórios. Ele afirmou que o projeto deveria prever, por exemplo, como ajudar os povos indígenas a produzir mais.

“O PL traz que os povos indígenas não produzem em seu território. Isto é uma falácia”, afirmou Karipuna aos parlamentares.

Karipuna afirmou ainda que, além do marco temporal, o projeto estabelece “outras coisas danosas” para os povos indígenas.

 

Assunto ‘muito delicado’

Também presente à sessão da comissão do Senado, o indígena Arnaldo Zunizakae disse que o tema do marco temporal representa um assunto “muito delicado”.

“Ainda há no Brasil muitas etnias que precisam concluir seus processos de demarcação. Agora, o processo precisa ser feito com responsabilidade. Quando falamos das terras serem retomadas é que essas terras tinham donos anteriormente, e os donos éramos nós, indígenas”, declarou.

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