Copom: entenda os recados do Banco Central sobre o futuro da taxa de juros
Copom: entenda os recados do Banco Central sobre o futuro da taxa de juros
Comitê de Política Monetária decidiu nesta quarta-feira (22) manter a Selic em 13,75% ao ano. Para especialistas ouvidos pelo g1, tom do BC foi mais duro do que o esperado.
Por André Catto e Isabela Bolzani, g1 23/03/2023 00h01 - Atualizado há 15 horas
O comunicado
do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil, divulgado
nesta quarta-feira (22), fez um alerta sobre a inflação e sinalizou que a taxa
básica de juros (Selic) deve ser mantida em patamares elevados por algum tempo.
A decisão de
manter a Selic em 13,75% ao ano já era esperada pelos agentes do mercado. A
grande expectativa, no entanto, estava em torno do tom adotado pela autoridade
monetária ao justificar a decisão — que, segundo economistas consultados pelo
g1, acabou sendo mais duro do que o esperado.
Em
declaração pouco depois da decisão do Copom, o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad (PT), disse considerar “preocupante” o comunicado do Comitê.
“Eu
considerei o comunicado preocupante, muito preocupante, porque hoje divulgamos
relatório bimestral mostrando que nossas projeções de janeiro estão se
confirmando sobre as contas públicas”, afirmou Haddad.
Segundo os
economistas consultados pelo g1, o comunicado trouxe alguns recados importantes
a serem considerados pelo mercado para a trajetória da Selic. Entre eles:
– Incertezas
fiscais ainda pairam sobre o país;
– Houve
aumento das expectativas de inflação para 2023 e 2024;
– Não há
perspectiva de corte de juros;
– A
conjuntura internacional é monitorada.
Entenda
abaixo como cada ponto influenciou na decisão de manutenção da Selic por parte
do Copom:
Incertezas
fiscais ainda pairam sobre o Brasil
Uma das
principais mensagens do Copom, segundo especialistas, foi que o governo ainda
precisa caminhar com o quadro fiscal do país. No comunicado, o Comitê ressalta,
por exemplo, que a recente reoneração dos combustíveis reduziu a incerteza dos
resultados fiscais de curto prazo, mas ainda aponta preocupação com “horizontes
mais longos”.
Para o
ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do BC Henrique Meirelles, o trecho chama
atenção para as contas públicas. “Situação fiscal colabora para a inflação.
Nesse caso, a reoneração diminui um pouco o déficit”, disse.
Na prática,
a leitura é que, apesar de trazer um aumento de receita para o governo, a volta
dos tributos ainda não é suficiente para zerar as incertezas fiscais do país.
“As
regras fiscais que estão por vir são muito mais importantes nesse sentido,
porque são elas que vão trazer mais clareza para as perspectivas de longo
prazo”, afirmou o economista-chefe do Banco Original, Marco Caruso.
Expectativas
de inflação para 2023 e 2024 aumentaram
O colegiado
também citou um aumento das expectativas de inflação para este e para o próximo
ano. Segundo o comunicado, além da alta nas previsões apuradas pela pesquisa
Focus desde a última reunião do Copom, também houve uma elevação das projeções
de inflação do próprio Comitê.
Para
Meirelles, a mensagem é curta e direta. “As projeções nos modelos do BC e do
mercado indicam uma inflação acima da meta para este ano e para o ano que vem.
Isso aponta que tem que manter a taxa [em 13,75% ao ano]. As projeções de
inflação não indicam possibilidade de corte no momento”, comentou.
Segundo a
economista especialista em mercado de capitais Ariane Benedito, outro ponto que
precisa ser considerado é que esse aumento das expectativas de inflação já
chega até em 2026, segundo o relatório Focus.
“Esse
não é um movimento normal do que a gente costuma ver no documento, e significa
que o mercado já precifica uma piora, com uma maior deterioração da inflação no
longo prazo. Mesmo com o Banco Central não citando esses períodos, é importante
fazer a observação de que ambos os documentos [tanto o Focus quanto o
comunicado do Copom] levam esse cenário em consideração”, afirmou.
Não há
perspectiva de corte de juros
Com o
aumento das expectativas para a inflação e em meio às incertezas fiscais que
continuam a pesar na política monetária, a leitura dos economistas é de que
ainda não há espaço para um eventual corte de juros por parte do Banco Central.
De acordo
com o economista da XP Investimentos, Rodolfo Margato, algumas partes do
comunicado enfatizam esse posicionamento mais duro da autoridade monetária. A
principal é quando o colegiado afirma que segue “vigilante” e
avaliando se a manutenção da Selic por um período maior será capaz de assegurar
a convergência da inflação.
No
comunicado, o Comitê reforçou que irá perseverar até que se consolide não
apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em
torno de suas metas.
Além disso,
o Copom também enfatizou que os próximos passos da política monetária poderão
ser ajustados, destacando que não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o
processo de desinflação não aconteça como o esperado.
“Há uma
deterioração adicional das expectativas de inflação, especialmente em prazos
mais longos, além da avaliação de desancoragem das expectativas de longo prazo,
que elevam o custo da desinflação, necessária para que as metas sejam atingidas”,
disse Margato.
“Há uma
série de elementos mais hawkish [duros] no comunicado e isso também deve ter
uma repercussão entre atores políticos, de mercado e da sociedade como um
todo”, acrescenta o economista.
Conjuntura
internacional é monitorada
Por fim, o
comunicado também menciona os recentes acontecimentos envolvendo os bancos nos
Estados Unidos e na Europa, afirmando que esses episódios também corroboraram
para elevar as incertezas e a volatilidade dos mercados, e que devem ser
monitorados de perto pelo colegiado.
Além disso,
outra ressalva que o BC faz é em relação ao cenário internacional, reiterando
que a persistência inflacionária e os níveis de atividade e emprego seguem
elevados, pressionando a trajetória da inflação global.
“Isso
tem impedido que o Banco Central desconsidere qualquer coisa relacionada ao
ciclo inflacionário que se segue nas economias globais e que também acabam
pressionando a nossa atividade por aqui”, explicou a economista Ariane
Benedito.
A manutenção
da taxa básica e o tom ainda duro do Banco Central vêm mesmo em meio a críticas
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o atual patamar de juros.
A primeira manifestação do Copom após as Eleições de 2022 já tinha sido alvo de desaprovações por parte do presidente e seus aliados — caso que desencadeou uma crescente tensão entre Lula e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
No mesmo dia
6 de fevereiro, após a primeira decisão do Copom — e na esteira do tom adotado
por Lula —, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também reclamou do tom
adotado pelo colegiado, avaliando que o comitê poderia ter sido “um pouco
mais generoso” com o governo diante das medidas anunciadas em janeiro para
melhorar as contas públicas.
Após a
divulgação da ata da reunião do Copom (documento publicado na semana seguinte à
decisão da taxa de juros), Haddad chamou o texto de “analítico” e
“amigável”. “Veio melhor que o comunicado [divulgado na semana
anterior]”, opinou.
Em
entrevista ao programa Roda Viva, em fevereiro, Campos Neto ainda voltou a
indicar a importância da agenda fiscal para a condução da política monetária,
citando a reoneração dos combustíveis como um fator positivo para a inflação e
para os juros.
No fim do
mesmo mês, Haddad anunciou a volta dos impostos federais sobre a gasolina e o
etanol. No Congresso Nacional, avançam as propostas do governo para a reforma
tributária.
Outra
sinalização de controle das contas públicas veio com a elaboração do novo arcabouço
fiscal, que deve ser divulgado em abril, após viagem de Lula à China. O
cenário, no entanto, não foi suficiente para amenizar o tom do Copom.