Corte de gastos: entenda como as propostas do governo vão tramitar no Congresso até virar lei
Corte de gastos: entenda como as propostas do governo vão tramitar no Congresso até virar lei
Planalto deve enviar projeto de lei e PEC; Câmara e Senado vão debater os textos e podem propor mudanças. Algumas das regras só devem entrar em vigor em 2026.
Por Kevin Lima, Mateus Rodrigues, Alexandro Martello, Lais Carregosa, Thiago Resende, Mariana Laboissière, g1 e TV Globo — Brasília
Anunciadas
nesta quinta-feira (28) pela equipe econômica do governo Luiz Inácio Lula da
Silva, as medidas para controlar o gasto público e garantir o respeito ao
arcabouço fiscal nos próximos anos não terão efeito imediato.
Pelo que o
próprio governo anunciou, todas as mudanças dependem do aval do Congresso.
Parte do pacote exige mudanças na Constituição Federal – o que, em geral,
significa uma tramitação mais demorada e uma exigência de mais votos para a
aprovação.
Segundo o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, os projetos já estavam prontos na manhã
desta quinta. Apesar disso, os textos ainda não foram divulgados e nem enviados
ao Congresso.
Os
presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), já indicaram em entrevistas que o parlamento deve apoiar o pacote e
agilizar a tramitação.
No entanto,
ainda não há um calendário ou um cronograma muito certo para a votação.
O governo gostaria de ver pelo menos parte do pacote aprovado ainda este ano – o que significa protocolar, analisar mudanças, negociar com a oposição, votar nos plenários da Câmara e do Senado e sancionar (ou promulgar) o texto em pouco mais de um mês.
Entenda,
abaixo, o que já se sabe sobre os projetos e como eles devem tramitar no
Congresso:
Emenda à
Constituição: o texto mais complicado
Para
conseguir cortar gastos, o governo vai ter que fazer mudanças na Constituição.
Isso significa enviar os temas ao Congresso dentro de uma PEC – um texto que
exige um número alto de votos para ser aprovado.
Serão
incluídas na PEC, por exemplo:
– mudanças
no valor do abono salarial, pago hoje a quem recebe dois salários mínimos ou
menos por mês;
– a
prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) até 2032;
– mudanças
no Fundo Constitucional do Distrito Federal.
– A
tramitação normal de uma PEC prevê as seguintes etapas:
Na Câmara
A primeira
análise é feita pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que
verifica a admissibilidade da PEC – ou seja, se o texto ofende algum princípio
constitucional inviolável, as chamadas “cláusulas pétreas”.
Se for
admitida pela CCJ, a PEC passa às mãos de uma comissão especial na Câmara – que
será criada especificamente para analisar esse texto. Os membros são indicados
pelos partidos e têm um prazo para apresentar emendas (sugestões de mudança), e
um prazo maior para votar.
Aprovada
pela comissão especial, a PEC vai ao plenário da Câmara. Lá, precisa de votos
favoráveis de 308 deputados (3/5 do plenário) – é a chamada maioria
qualificada. É preciso atingir esse placar em dois turnos de votação.
No Senado
Uma vez
concluída a votação na Câmara, o texto chega ao Senado. E lá, também passa pela
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que faz uma nova análise de
admissibilidade.
Passada a
CCJ, no entanto, não há nova comissão especial. O texto vai direto ao plenário
do Senado, onde precisa de 49 votos (de novo, a maioria qualificada de 3/5) em
dois turnos.
Promulgação
Diferentemente
dos outros projetos de lei, a emenda à Constituição é promulgada pelo próprio
Congresso. Ou seja, não passa pela sanção presidencial.
Isso só pode
acontecer, no entanto, se os plenários da Câmara e do Senado aprovarem o mesmo
texto.
Uma PEC pode
ficar indo e voltando entre Câmara e Senado quantas vezes forem necessárias,
até que se chegue a um acordo. Nem deputados, nem senadores têm a “palavra
final”.
Quando forem
promulgadas, as novas regras passam a ser constitucionais. Com o mesmo status,
aliás, das regras que estão em vigor desde 1988 – sem hierarquia.
Possível
atalho
Para
encurtar esse longo caminho, deputados têm avaliado a possibilidade de anexar a
proposta do governo a uma PEC que já exista na Câmara e que já esteja mais
avançada, possibilitando levar a proposta ao plenário mais rapidamente.
O ministro
das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que lideranças da Casa se
comprometeram a fazer o “necessário” para votar o texto ainda em dezembro.
“Eventualmente
aproveitar uma PEC que já passou por comissão especial. O compromisso da
Câmara, não esperava outra coisa do presidente Lira, de terminar o ano com o
marco fiscal ainda mais consolidado”, disse nesta quinta-feira (28).
Projeto
de lei complementar: as mudanças ‘mais simples’
Além da PEC,
o governo vai enviar ao Congresso um projeto de lei complementar. Serão
incluídas nesse texto:
– a nova
regra de reajustes do salário mínimo;
– mudanças
na verificação dos cadastros do Bolsa Família e do Benefício de Prestação
Continuada (BPC);
-alterações
no regime de previdência dos militares.
– A
tramitação é mais parecida com a de um projeto de lei “convencional”,
mas há algumas particularidades. Entenda abaixo:
Na Câmara
Projetos de
lei complementar enviados pelo Planalto começam a tramitar sempre pela Câmara.
Os deputados também têm a palavra final, caso o texto sofra mudanças ao passar
pelo Senado.
A
admissibilidade e a adequação financeira do projeto deverão ser analisadas,
respectivamente pelas comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Finanças e
Tributação.
A Mesa
Diretora pode definir, ainda, que o texto passe por outras comissões temáticas
– como a de Trabalho ou a de Assistência Social, por exemplo.
Se forem
necessárias mais de três comissões temáticas, ou “de mérito”, o
projeto é enviado para uma comissão especial – que é criada especificamente
para isso e substitui todas as outras, inclusive a CCJ.
Toda essa
fase de comissões pode ser “pulada” se o plenário aprovar um
requerimento de urgência para o texto.
Passada a
fase das comissões, o texto vai a plenário. Aqui, são exigidos 257 votos a
favor – é a maioria absoluta, ou seja, mais da metade do total de deputados.
No Senado
Ao receber o
projeto aprovado pela Câmara, o Senado pode submeter o texto à CCJ da Casa ou
enviá-lo direto ao plenário.
Uma vez em
plenário, também é necessária a maioria absoluta – ou seja, voto favorável de
41 senadores.
Se o Senado
fizer mudanças no texto, a proposta volta à Câmara para uma nova análise em
plenário. Se não fizer, o texto segue direto para a sanção presidencial.
Sanção
Quando for
aprovado em definitivo pelo Congresso, o projeto de lei complementar seguirá
para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Como o texto
foi proposto pelo próprio governo, caberá a Lula examinar, principalmente,
mudanças feitas pelos senadores.
O presidente
pode vetar trechos da proposta. Neste caso, a lei é sancionada e passa a valer
sem esses trechos.
Os vetos
são, então, enviados à análise do Congresso. Em sessão conjunta, deputados e
senadores decidem se cedem à decisão do presidente ou se
“ressuscitam” os trechos, que são promulgados e reintegrados à lei.
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de gastos
Reforma
do Imposto de Renda: um tema à parte
O governo
também anunciou nesta quinta-feira (28), como um “contraponto” à
impopularidade do corte de gastos, a esperada reforma da tabela do Imposto de
Renda.
A reforma
anunciada tem dois “polos”:
– de um
lado, a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil mensais (R$ 60 mil anuais);
– do outro,
o aumento da taxação para rendimentos acima de R$ 50 mil mensais (R$ 600 mil
anuais).
Tudo isso,
segundo o ministro Fernando Haddad, será enviado ao Congresso em um projeto de
lei ordinária.
Se
confirmado, o texto tem tramitação bem mais simples que os anteriores. Entenda:
A proposta
começa a tramitar pela Câmara, onde passará pela CCJ e pelas comissões
temáticas – ou pela comissão especial, se estiverem previstas três ou mais
comissões de mérito.
Quando for
concluída a fase de comissões – ou aprovado um regime de urgência –, o texto
vai para plenário. Lá, a regra é da maioria simples: se houver pelo menos 257
deputados em plenário, basta o voto “sim” da maioria dos presentes.
O texto
segue então para o Senado, que pode avaliar a medida em comissões ou enviar o
texto direto para plenário. Por lá, também vale a maioria simples: se houver
pelo menos 41 senadores no plenário, qualquer placar favorável ao voto sim é
suficiente.
Mudanças
feitas pelo Senado voltam à análise da Câmara. Após essa nova votação, o texto
segue para sanção ou veto presidencial.
Embora a
tramitação em si seja simples, a mudança nas regras do Imposto de Renda esbarra
em um outro obstáculo: o princípio da anualidade tributária.
Ele define,
em linhas gerais, que uma mudança nesse imposto só pode surtir efeitos no ano
seguinte à edição da lei. Ou seja: na prática, o governo vai tentar aprovar a
reforma em 2025 para que os efeitos comecem a valer em 2026, como reconheceu
Haddad em entrevista.
Se isso
acontecer, lembrou o ministro, o novo formato de Imposto de Renda vai coincidir
com o começo da fase de transição da reforma tributária.