Decisão do STF permite cobrança de impostos retroativos e pode aumentar dívidas de empresas; entenda
Decisão do STF permite cobrança de impostos retroativos e pode aumentar dívidas de empresas; entenda
Ministros aprovaram a possibilidade de anular decisões finais que sejam diferentes de um novo entendimento sobre questões tributárias por parte da corte, o que pode gerar cobranças não mapeadas pelas companhias.
Por Raphael Martins, g1 15/02/2023 07h00 - Atualizado há 2 horas
Uma
determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) coloca em xeque uma série de
decisões judiciais já concluídas sobre questões tributárias. Em resumo, os
ministros aprovaram a possibilidade de que decisões anteriores — mesmo finais —
sejam anuladas, se forem diferentes de um novo entendimento da corte sobre o
assunto.
Na prática,
significa que ações que tratem do pagamento de impostos podem ser revistas —
mesmo que o contribuinte tenha saído vitorioso em todas as instâncias do
judiciário.
O principal
efeito imediato é uma revisão completa de dívidas tributárias de empresas
brasileiras que, no passado, ganharam na Justiça o direito de não pagar algum
imposto. Com a decisão revertida, a empresa pode até passar a ter uma dívida em
aberto com a Receita Federal, que pode ser referente inclusive aos anos em que
os impostos deixaram de ser pagos.
Juristas
ouvidos pelo g1 dizem que a medida tira previsibilidade das finanças de
empresas brasileiras e cria um precedente de reversão de decisões definitivas
da própria corte.
Abaixo, veja
perguntas e respostas sobre os principais pontos.
O que
aconteceu?
O Supremo
Tribunal Federal (STF) definiu na quarta-feira (8) que novos entendimentos
sobre assuntos tributários serão adotados automaticamente pela Justiça. Isto é:
decisões anteriores serão invalidadas quando o Supremo adotar um novo
entendimento sobre impostos.
Isso
significa que, nesta hipótese, empresas que conseguiram medidas favoráveis para
deixar de recolher impostos podem passar a ter dívida aberta com a Receita
Federal. Ainda que divididos, os ministros definiram que estarão inclusos o
valor dos tributos devidos desde a interrupção dos pagamentos, com juros e
multa.
“Pela
primeira vez, o STF definiu que uma decisão judicial definitiva pode
automaticamente deixar de ter efeitos a partir de um julgamento deles
próprios”, diz Priscila Faricelli, sócia do escritório Demarest.
“Algo que
normalmente precisaria de uma ação específica, da noite para o dia, passa a ter
uma decorrência automática.”
O que
muda, na prática, para as empresas?
Empresas que
tiveram ganhos tributários na Justiça podem ter as decisões revertidas e passar
a dever à Receita Federal.
Segundo
Guilherme Staingel, advogado tributarista do escritório Peixoto & Cury
Advogados, o fisco poderá fazer uma cobrança retroativa dos últimos cinco anos
para os casos em que não há procedimento fiscal em aberto. Para os
procedimentos abertos, com autos de infração lavrados, a decisão do STF valida
a cobrança mesmo para prazos anteriores a 2018.
“Na prática,
teremos uma enxurrada de autos de infração sendo lavrados. Temos notícia de
empresas que, juntas, têm cerca de R$ 6 bilhões que podem ser alvo”, afirma
Staingel.
O advogado
lembra que as empresas estariam sujeitas, por exemplo, a uma nova dívida que
somaria o valor principal, uma multa de mora, juros e correção monetária.
Já Priscila
Faricelli, sócia do Demarest, destaca que a decisão é complexa porque as
empresas adotam ações e estratégias com base nas decisões tributárias finais,
que podem agora ser revertidas.
“A empresa
pode adotar condutas específicas desde 2007, de não pagar um imposto, e, de
repente, pode ter esse valor devido desde então”, diz ela. “Existe hoje uma
porta aberta para que o fisco cobre dívidas de empresas que não tinham nada em
aberto. É um potencial de gerar novas dívidas que não estavam previstas”.
Quem se
beneficia? Quem são os mais prejudicados?
Para os especialistas, a medida beneficia a Receita Federal e prejudica principalmente as empresas que terão débitos retroativos não planejados. Há uma quantidade menor de empresas que será beneficiada com dívidas canceladas.
Para
Faricelli, do Demarest, os efeitos serão conhecidos nos próximos anos: “Nada
será imediato, pois muitas ações serão retomadas, muitas dívidas serão
canceladas e muitas serão confirmadas. O principal é entender o contingente de
dívidas não mapeadas”.
A advogada,
contudo, estima que apareçam mais dívidas do que desapareçam. “É difícil
levantar tudo que está parado por conta dessa discussão. São dívidas federais,
estaduais e municipais. Hoje, embora muita gente esteja ansiosa com isso, não
há um levantamento do tamanho do impacto desta decisão”.
A decisão
tem o potencial de gerar falências?
Staingel, do
Peixoto & Cury, diz que sim. “Dependendo da empresa, isso aniquila o balanço
logo no começo do exercício de 2023”, diz.
Para ele, o
Supremo se ateve a aspectos jurídicos da matéria, mas há um impacto claro do
ponto de vista econômico, que obriga os escritórios de advocacia a procurar
alternativas de estratégia tributária para compensar os danos.