Delegado da PF diz que Vale mentiu em simulação na mina em Brumadinho
Delegado da PF diz que Vale mentiu em simulação na mina em Brumadinho
Tragédia completa cinco anos nesta quinta-feira.
Publicado por Léo Rodrigues - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro
O delegado
da Polícia Federal (PF), Cristiano Campidelli, diz que a a mineradora Vale
mentiu para os trabalhadores em simulações que foram realizadas antes do
rompimento da barragem ocorrida na Mina Córrego do Feijão, no município de
Brumadinho (MG), em janeiro de 2019. Campidelli afirma que a empresa repassou
informações erradas.
“Em uma
simulação, ela conseguiu reunir 99% do seu corpo interno e 83% do corpo
externo. Essas pessoas foram orientadas. Foi dito que se a sirene tocasse, elas
poderiam caminhar calmamente até o ponto de encontro, por 8, 10, 15 minutos.
Mas a Vale sabia que a sirene não funcionava e sabia que essas pessoas teriam
menos de um minuto para se autossalvar. Então essas pessoas morreram porque
elas foram enganadas. A Vale cometeu homicídios e tornou impossível a defesa
das vítimas”, disse.
O delegado
mencionou ainda outras ações da mineradoras que contribuíram para a tragédia.
“A verdade é que a Vale fez muito esforço para matar essas pessoas em
Brumadinho”, disse.
Campidelli
foi convidado por familiares das vítimas para compartilhar informações da
investigação da PF, cujo relatório final encontra-se em sigilo até hoje. Ele
falou em um seminário ocorrido nesta segunda-feira (22) na Câmara Municipal de
Brumadinho. O evento é parte da agenda organizada para lembrar mais um aniversário
do rompimento da barragem. A tragédia completará exatos 5 anos nesta
quinta-feira (25).
Ex-trabalhadoras da Vale confirmaram que participaram de uma simulação em 2018, onde foi apresentada uma rota de fuga que demandaria de 10 a 15 minutos de deslocamento. Segundo a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem em Brumadinho (Avabrum), havia plena confiança nos protocolos de segurança da mineradora.
O rompimento
da barragem liberou uma avalanche de rejeitos que soterrou 270 pessoas. A
maioria delas, trabalhadores da própria Vale ou de empresas terceirizadas que
prestavam serviço na mina. Como a tragédia ocorreu às 12h28, um número grande
de pessoas se encontrava no refeitório da mina, que foi soterrado. A Avabrum
contabiliza 272 vidas perdidas, incluindo na conta os bebês de duas mulheres
que estavam grávidas.
Processo
Há um
processo criminal em curso que tramita a partir de uma denúncia do Ministério
Público de Minas Gerais (MPMG), apresentada em 2020 com base em investigações
da Polícia Civil de Minas Gerais. São 16 réus, sendo 11 nomes ligados à Vale e
outros cinco vinculados à Tüv Süd, empresa alemã que assinou a declaração de
estabilidade da barragem. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF)
encerrou uma longa controvérsia e determinou a federalização do processo. Mas o
Ministério Público Federal (MPF) reiterou a denúncia do MPMG.
As
investigações da PF foram as últimas a serem concluídas. O inquérito foi
encerrado em novembro de 2021, quando se anunciou o indiciamento de 19 pessoas.
Mas a íntegra do relatório final e os nomes permanecem em segredo. Segundo
Campidelli, são os mesmos 16 listados na denúncia do MPMG, acrescidos de mais
três.
“Quanto
mais tempo debruçado, você acaba encontrando mais informações. E foi isso que
fez com que o número de indiciados do nosso inquérito tenha sido maior”,
relata Campidelli. Ele diz, no entanto, que a apuração da PF reforça conclusões
da Polícia Civil de Minas Gerais e do MPMG.
Estabilidade
A denúncia
apresentada pelo MPMG aponta que um conluio entre a Vale e a Tüv Süd resultou
na emissão de declarações de condição de estabilidade falsas. O objetivo era
esconder a real situação da barragem e permitir que as atividades da mineradora
pudessem ser levadas adiante. A declaração de estabilidade de cada barragem
precisa ser entregue duas vezes ao ano aos agentes fiscalizadores e, sem ela,
as operações da estrutura precisam ser paralisadas.
De acordo
com Campidelli, documentos apreendidos e compartilhados nas duas investigações
mostraram que a barragem que se rompeu estava numa lista da Vale classificada
como “zona de atenção”. Além disso, sua situação foi discutida em um
painel internacional com a presença da alta cúpula da mineradora.
Uma empresa
contratada pela Vale para analisar a estabilidade da barragem chegou a calcular
que o fator de segurança da estrutura era de 1,09, bem inferior ao mínimo
geralmente exigido de 1,3. Ela se negou a assinar o laudo. Assim a Vale
recorreu à Tüv Süd.
“O
fator mínimo de segurança tem que ser 1,3 porque a barragem tem que suportar a
carga dela de 100% e 30% a mais. É uma margem que dá segurança, exemplo, se
vier uma chuva muito forte, se der um sismo, se passar máquinas pesadas fora de
estrada. Quando o fator é de 1,09, significa que ela só aguenta 9% a mais.
Qualquer interferência externa é um risco para aquela estrutura”, explicou
Campidelli.
Segundo o
delegado, com o fator de segurança de 1,09, a barragem tinha 20 vezes mais
chance de se romper do que o máximo tolerável. Ainda assim, a Tüv Süd assinou a
declaração de estabilidade.
A PF também
apurou que, em junho de 2018, durante a execução de perfurações geotécnicas na
estrutura, a barragem balançou. Era uma situação que deveria ter sido
comunicada aos agentes fiscalizadores, pois era uma emergência nível 10.
“A Vale inicialmente classificou como nível 6 e depois classificou como
nível 3”, ressaltou Campidelli. Segundo o delegado, há fartura de provas
comprovando todas as ações e omissões da Vale e descrevendo as ações de cada um
dos indiciados.
Campidelli
também critica a forma como a barragem foi auditada. “Vou dar um exemplo
rápido. Quem tem carteira de habilitação e vai renovar, paga uma taxa e recebe
o endereço de uma clínica para fazer o exame. Você não escolhe a clínica que
você vai. É órgão de trânsito que determina. Com a mineração precisa ser assim.
As empresas pagam uma taxa e a Agência Nacional de Mineração escolhe a empresa
que vai auditar. Da forma que foi feito, havia meio que uma prostituição do
mercado”, acrescentou.
O relatório
final do inquérito da PF foi encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF), a
quem cabe analisar e decidir se leva à Justiça uma denúncia com base nele, o
que ainda não foi feito. De acordo com procurador da República, Bruno Nominato
de Oliveira, o MPF chegou a pedir o arquivamento do inquérito da PF em favor do
trâmite estadual, que já estava mais adiantado. “O pedido de arquivamento
ainda não havia sido apreciado quando o processo foi federalizado. Agora nós
recebemos novos documentos do governo dos Estados Unidos que têm relação com o
caso. Ainda vamos analisar esses documentos e decidir se vamos denunciar esses
outros três”.
Bruno diz
que há uma avaliação que a inclusão de novos denunciados na ação judicial em
curso pode atrasar ainda mais o julgamento. “Se formos denunciá-los, vamos
fazer em outro processo, para não tumultuar o andamento do processo que já está
em tramitando”.
Federalização
No fim de
2022, após o STF determinar a federalização do caso e o processo ser remetido à
Justiça Federal, o MPMG foi retirado de cena e coube ao MPF assumir o papel de
instituição acusadora. O MPF poderia inclusive apresentar uma denúncia
diferente, mas optou por reiterar a denúncia do MPMG. Ela foi aceita pela
Justiça Federal em janeiro do ano passado.
O promotor
do MPMG, Francisco Generoso, avalia que a denúncia é bem completa e inclusive
foi elaborada buscando antecipar argumentos que a defesa dos réus poderia
apresentar. “A Tüv Süd, além de ser auditora da barragem, inadequadamente
possuía outros contratos com a Vale. Na medida em que a empresa auditora tem
outros contratos com o auditado e interesse na assinatura de futuros contratos,
essas auditorias ficam sob suspeita”, defende.
Generoso integrou a força-tarefa do MPMG que investigou a tragédia e foi um dos signatários da denúncia. Ele lembra que uma das provas anexadas foi documento apreendido em cima da mesa de um dos réus, onde estava escrito: “Fazer um bom planejamento para barragem B1. Tomar cuidado”. Outro material apreendido continha uma matriz de danos onde eram estimados os custos em caso de uma ruptura da barragem.
Também foi
incluída uma lista com dados de vultosos contratos celebrados entre a Vale e a
Tüv Süd. Outro anexo era um e-mail em que funcionários da empresa alemã falam
entre si sobre possíveis chantagens da mineradora para que a declaração de
estabilidade fosse assinada.
“Basicamente
funcionava assim: você quer ter novos contratos, então eu preciso da declaração
de condições de estabilidade. Isso ficou muito claro no decorrer das
investigações. Outras empresas que haviam se recusado a dar declarações de
condição de estabilidade foram simplesmente afastadas de outros trabalhos e a
Tüv Süd foi quem absorveu uma fatia desses serviços”.
De acordo
com o procurador do MPF, Bruno Nominato, a denúncia foi reapresentada na
Justiça Federal incluindo todos os anexos. Ele também esclarece que serão
aproveitadas as conclusões presentes no inquérito da PF. “Todas as provas
que foram produzidas serão utilizadas. Mesmo quando pediu o arquivamento do
inquérito, o MPF ressalvou que iria querer compartilhar as provas que já haviam
sido levantadas”.
Em nota, a
Vale afirma que, desde o início das investigações, sempre colaborou com as
autoridades e continuará colaborando. A mineradora também avalia que, após a
federalização do caso, o processo segue o curso regular. “A Vale reafirma
seu respeito às famílias impactadas pelo rompimento da barragem e segue
comprometida com a reparação dos danos”, acrescenta o texto.
Perfuração
No curso das
investigações da PF, peritos chegaram a produzir um laudo de engenharia citando
uma terceira empresa. Assinado por peritos da PF, o documento apontou que uma
perfuração realizada pela multinacional holandesa Fugro teria funcionado como o
gatilho para o rompimento da barragem, que já estava em condição crítica.
Os
apontamentos coincidem com conclusões de engenheiros da Universidade
Politécnica da Catalunha que realizaram um trabalho de modelagem e simulação
por computador a pedido do MPF. As análises mostraram que o fundo do furo
B1-SM-13 reunia as condições propícias para gerar o episódio devido à
sobrepressão de água. Campidelli esclarece, no entanto, que as investigações inocentaram
a empresa holandesa.
“O
fiscal da Vale que cuidava da perfuração intermediava todos os contatos entre
auditora Tüv Süd e a empresa Fugro. Então a Fugro não foi informada, em momento
algum, sobre os riscos da estrutura. Ela foi mantida em erro pela própria Vale
e pela empresa Tüv Süd. A Fugro foi chamada a fazer uma perfuração em uma
estrutura que ela não sabia que estava em péssima condição. A Vale deu
informações básicas, mas omitiu os dados da gestão de riscos geotécnicos”,
explicou.
A gestão de
riscos geotécnicos era um programa interno da Vale. Conforme mostrou o
inquérito, os dados sobre os fatores de segurança e sobre o risco de rompimento
eram informações internas. Mas eles não foram apresentados à Agência Nacional
de Mineração (ANM). Mesmo que a Fugro buscasse informações dessa barragem junto
aos fiscais da ANM, ela receberia a informação de que a declaração de
estabilidade atestava que a estrutura estava segura.
Em nota, a
Fugro lamentou a tragédia e lembrou que perdeu quatro empregados. A empresa
holandesa disse cooperar com as investigações. “As autoridades concluíram
que a Fugro não teve responsabilidade no rompimento da barragem. Tanto é assim
que, nem a Fugro nem quaisquer de seus empregados são réus em ações civis ou
criminais decorrentes de tais investigações”, registra o texto.
Edição:
Aline Leal