Desenrola Brasil poderá reduzir em até 40% inadimplência no país
Desenrola Brasil poderá reduzir em até 40% inadimplência no país
Congresso Nacional tem 90 dias para apreciar matéria.
Publicado em 08/06/2023 - 06:40 Por Vitor Abdala e Alex Rodrigues - Repórteres da Agência Brasil - Rio de Janeiro e Brasília
Márcia
Ribeiro não vê a hora de conseguir limpar seu nome. A auxiliar de serviços
gerais de 55 anos tem dívidas com cartão de crédito e com crediários em lojas
há vários anos e, com o nome negativado em cadastros de inadimplência, não consegue
comprar vários itens necessários para a sua casa.
“É muito
ruim a pessoa querer comprar uma coisa e não poder porque está com um débito
atrasado. Queria comprar umas coisas para a minha casa, que fazem falta e eu
não posso comprar por causa dessas dívidas: um armário, um fogão. Agora, eu fiz
uma dívida com uma televisão e um guarda-roupas, mas foi no cartão do meu
irmão. Se eu tivesse pago minhas contas, eu teria comprado no meu cartão”,
revela.
Márcia
espera poder participar do Desenrola Brasil, o Programa Emergencial de
Renegociação de Dívidas de Pessoas Físicas Inadimplentes, lançado nessa
terça-feira (6) pelo governo federal, em Brasília. “Vai ser um adianto pra mim,
porque eu vou liquidar minhas dívidas e vou poder comprar minhas coisas que
estou querendo comprar pra minha casa”, conta.
A Medida
Provisória (MP) 1.176/2023, que institui o programa, foi publicada no Diário
Oficial de terça-feira (6) e tem efeitos imediatos. Mas, para se tornar lei,
precisará ser votada e aprovada pelo Congresso Nacional em até 90 dias.
O Desenrola
Brasil pretende juntar devedores e credores a fim de que a dívida possa ser
renegociada e a situação de inadimplência encerrada. Serão duas faixas. Na
primeira, pessoas que ganham até dois salários mínimos ou quem esteja inscrito
no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal – e que foram negativas até 31
de dezembro de 2022 – poderão saldar suas dívidas de até R$ 5 mil.
Prazo
O pagamento
poderá ser à vista ou parcelado em até 60 meses, com desconto e juros mais
baixos. O dinheiro para pagar as dívidas pode ser obtido através de empréstimo
com uma instituição financeira, o qual poderá ser garantido pelo Fundo de
Garantia de Operações (FGO), do governo federal.
A segunda
faixa, segundo o Ministério da Fazenda, é destinada somente a pessoas com
dívidas no banco, que poderá oferecer a seus clientes a possibilidade de
renegociação de forma direta. Essas operações não terão a garantia do Fundo
FGO.
Segundo o
Ministério da Fazenda, o programa funcionará através de um leilão reverso entre
credores, organizado por categoria de crédito, onde quem oferecer mais desconto
será contemplado no programa, apresentará a dívida com desconto para renegociar
com as pessoas físicas e contará com a garantia de que sua dívida será
saldada.
Já aqueles
que oferecerem menos desconto ficarão de fora do programa. Por isso, é possível
que o devedor não encontre todas suas dívidas para renegociar no
Desenrola.
Especialistas
O diretor de
Diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Defesa do
Consumidor (Proteste), Henrique Lian, considera o programa “de extrema
relevância no atual contexto de superendividamento de expressiva parcela da
população brasileira”.
Para a economista
Carla Beni, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a medida é importante para que as
pessoas com renda mais baixa possam “voltar a respirar e até poder voltar a
consumir”. “A inadimplência dificulta muito a vida da pessoa,
inclusive afeta até a saúde mental”, afirma.
Ela acredita
que o programa poderá reduzir em até 40% a inadimplência no país, que hoje
atinge 66,08 milhões de pessoas, ou 40,6% dos brasileiros adultos, segundo
dados divulgados em maio pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas
(CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil). Carla destaca, no
entanto, que será importante pensar em campanhas para garantir a adesão dos
devedores ao programa.
“Vai
precisar de orientação e muita campanha de divulgação, porque você precisará de
um celular e tudo vai ser feito online. É preciso aguardar os próximos passos
para ver como vai ser feita a utilização do aplicativo, como isso vai ser
inserido na plataforma e como vai ser a facilidade da adesão. Como temos uma
experiência com o Pix e o Brasil teve uma adesão espetacular, acredito que a
gente tenha não só uma condição técnica e tecnológica, como a adesão da própria
população [ao novo programa]. Ela já está acostumada a usar o celular”,
salienta.
Consumo
Izis Ferreira, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), acredita que o programa poderá dar um impulso no consumo das famílias brasileiras.
“O crédito
funciona hoje como importante condicionante do consumo, não só de produtos que
precisam de prazo para pagamento, de maior valor agregado, mas até produtos do
dia a dia e serviços que são consumidos de forma imediata. Então, o crédito
hoje é um suporte para o consumo de produtos de primeira necessidade e de maior
valor agregado”, destaca.
Por meio de
nota, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) informou que o programa está
em linha com as tratativas feitas nos últimos meses entre a instituição e o
governo federal.
“Quando
entrar em operação, os bancos darão sua contribuição para que o Desenrola
reduza o número de consumidores negativados e ajude milhões de cidadãos a
diminuírem suas dívidas”, diz nota da Febraban.
Na avaliação
de Ione Amorim, coordenadora de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor (Idec), a urgência com que o Desenrola Brasil foi lançado
é importante, mas faltou um pouco mais de diálogo com a sociedade civil. E, por
isso, há algumas dúvidas sobre o programa.
Ela
questiona, por exemplo, como o consumidor que recorrer ao Desenrola Brasil será
tratado pela instituição financeira no futuro. “Hoje, quando a gente tem um
desconto muito grande [num banco], esse consumidor fica com uma restrição lá
dentro daquela instituição, se ele vai tentar de novo um crédito”, opina.
Movimentação
do comércio nas lojas da SAARA (Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da
Alfândega), centro da cidade.
Redução da
inadimplência deverá aumentar o movimento no comércio – Tânia Rêgo/Agência
Brasil
Além disso,
Ione chama a atenção para as dívidas que já estão prescritas e que nem deveriam
mais ser cobradas, mas que poderão entrar no Desenrola. “Quem fará essa
análise?”, questiona.
Descontos
Outro ponto
destacado por ela é sobre o valor dos descontos. “Essa população de baixa renda
é extremamente assediada por empresas que oferecem crédito extremamente
predatórios [com taxas de juros muito altas]. Então, qual o valor desses
contratos que serão objeto desse acordo? O valor integral já incluindo as taxas
de juros abusivas? Quando você fala do desconto, e não tem parâmetro, qual é o
referencial?”, pergunta.
Para além do
programa, uma causa de preocupação para Ione refere-se a futuras dívidas que
podem voltar a envolver o consumidor depois que o programa for encerrado, em
dezembro deste ano.
“Esse
consumidor, sem nenhum preparo, que foi assediado [para contrair o crédito],
continua refém dos mesmos tipos de abordagem. É muito provável que parte desse
público, até chegar dezembro, que é o limite desse programa, ele estará de novo
com uma série de dívidas. Uma parcela muito grande desse segmento, que ganha
até dois salários mínimos, é de aposentados e pensionistas, que são muito
expostos à questão do crédito consignado”, alerta Ione.
Ione disse
esperar que a regulamentação a ser feita pelo Ministério da Fazenda e a apreciação
da matéria pelo Congresso Nacional abram espaço para mais diálogo com as
entidades de defesa do consumidor.
Henrique
Lian, da Proteste, disse acreditar que o programa poderá ser, futuramente,
complementado “com ações de natureza regulatória e educativa com vistas à
prevenção da insolvência recorrente.”
A
preocupação é a mesma de Izis Ferreira. Para ela, caso não haja um programa de
educação financeira para as famílias, há o risco de a inadimplência continuar
sendo um problema cíclico no país, com períodos de melhora e outros de
piora.
Segundo a
CNC, em maio deste ano, a quantidade de pessoas com dívidas há mais de 90 dias
representou 45,7% dos inadimplentes. Essa é a maior taxa para um mês em três
anos e vem crescendo desde dezembro de 2022 (43,9%).
“O crédito
ganhou relevância no pós-pandemia como condicionante do consumo. As pessoas
estão concentrando muito gasto no cartão de crédito. Diante desse contexto, a
preocupação que a gente tem que ter é: a gente vai resgatar esse consumidor da inadimplência,
mas depois será que ele vai entender que precisa ter um pouco mais de cautela,
programação e planejamento ao usar o crédito? Ao mesmo tempo que o credor faz a
renegociação, ele tem que, forma intensiva, estimular a conscientização
financeira desse consumidor. Senão, a gente vai continuar vendo esse ciclo de
inadimplência”, afirma a economista.
Antes da
edição da MP do Desenrola Brasil, a CNC estimava que o percentual de famílias
com dívida há mais de 90 dias só cairia no final do dia, fechando 2023 em
44,5%. Com o lançamento do programa, no entanto, a confederação fará uma nova
previsão.
Inadimplência
Segundo Izis
Ferreira, apesar de o programa ser focado mais no público de renda mais baixa,
a inadimplência tem crescido também na classe média. Por isso, para ela seria
importante estimular a renegociação de dívidas também para essa faixa de renda.
Para aqueles
que têm dificuldade em manter o orçamento sob controle, a economista Carla Beni
tem duas dicas: a primeira é conversar com todos os membros da família para que
se entenda até quanto pode ser gasto sem comprometer a renda. A segunda é
anotar – numa planilha de computador ou mesmo numa folha de papel – todas as
contas que precisam ser pagas.
“As pessoas deveriam conversar mais dentro das famílias sobre suas contas a pagar e suas dívidas”, explica Carla. “E também fazer uma lista das contas a pagar. Um simples papel com caneta ajuda muito a colocar – nos meses futuros – todas as contas que aquela família tem para pagar que já estão comprometidas. Isso pode até ser colocado na porta da geladeira. Isso ajuda com que a família toda caminhe no mesmo sentido, porque a redução das dívidas traz um alívio, um conforto e uma qualidade de vida para todos da casa”.
O ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou, na terça-feira (6), que o Desenrola terá
um segmento de educação financeira. Na segunda-feira (5), Haddad havia dito que
o programa deverá entrar em vigor em julho.
Edição:
Kleber Sampaio