Dólar engata sequência de quedas e bolsa sobe com a volta do investidor local; entenda o cenário
Dólar engata sequência de quedas e bolsa sobe com a volta do investidor local; entenda o cenário
Ibovespa, principal índice acionário do país, subiu quase 10% nas duas últimas semanas, enquanto o dólar caiu mais de 5% e está cotado no menor patamar em um ano. Analistas, porém, ainda estão cautelosos para cravar que o Brasil é 'a bola da vez' nos mercados.
Por Bruna Miato, g1 20/06/2023 04h01 - Atualizado há 5 horas
A notícia de que a agência de
classificação de risco S&P Global Ratings elevou a nota de crédito do
Brasil de estável para positiva deu ainda mais fôlego para um mercado que já
vinha animado.
Neste mês, com base no fechamento do
dia 19, o Ibovespa, principal índice de ações da bolsa de valores brasileira
(B3), já subiu quase 10%, e está muito próximo dos 120 mil pontos.
O dólar, por sua vez, acumula queda de
mais de 5%, menor patamar em um ano e abaixo dos R$ 4,80. Na última sexta (16),
inclusive, o banco Goldman Sachs reduziu suas projeções para a moeda americana
em 2023, considerando que deve fechar o ano a R$ 4,40.
Segundo especialistas ouvidos pelo g1,
o sentimento positivo com o mercado brasileiro nas últimas semanas pode ser
explicado, sobretudo, pelos seguintes motivos:
a volta do investidor local aos ativos de
risco, principalmente o institucional;
a permanência dos investidores estrangeiros
no mercado doméstico;
a desaceleração da inflação acima do
esperado;
uma maior clareza sobre os rumos da política
fiscal no país;
a perspectiva de que a Selic, taxa básica de
juros, deve começar a cair em breve;
a perspectiva de que a trajetória dos juros nos Estados Unidos também deve desacelerar.
A volta do investidor local combinada
à permanência do estrangeiro no mercado doméstico tem sido o principal
impulsionador para o bom desempenho observado nos últimos dias. E a renovação
desse interesse, por sua vez, se deve às perspectivas envolvendo a inflação, os
juros e a política fiscal no Brasil, além dos rumos da política monetária nos
Estados Unidos.
Com a inflação mais controlada, a
expectativa é que o Banco Central do Brasil (BC) comece a reduzir a taxa Selic.
Se os juros ficam menores, a renda fixa passa a entregar uma rentabilidade
também menor e isso favorece a migração de recursos para ativos que podem
compensar essa redução. Entre eles, o mercado de ações.
A definição de um novo arcabouço
fiscal ainda contribui com essas projeções, pois traz a perspectiva de que os
gastos do governo estarão mais controlados — ponto positivo para a expectativa
de inflação e, consequentemente, para os juros.
Por fim, o Federal Reserve (Fed, o
banco central norte-americano) interrompeu seu ciclo de alta nas taxas de juros
em sua última reunião e, apesar de alertar que pode voltar a subi-las se a
inflação se mostrar mais persistente, aumentou o apetite por ativos de riscos
por parte dos investidores.
Isso porque, se os juros sobem por lá,
a renda fixa no país também fica mais atrativa. Porém, como os títulos públicos
americanos são considerados os mais seguros do mundo, uma alta nas taxas dos
Estados Unidos leva a uma saída dos investidores de mercados emergentes, como o
Brasil.
Neste sentido, o otimismo com a bolsa
e a moeda brasileira voltou a levantar um questionamento entre os investidores:
o mercado nacional é a bola da vez, quando comparado ao exterior? Veja mais detalhes
a seguir.
Quem está
investindo no Brasil hoje?
Carla Argenta, economista-chefe da CM
Capital, destaca que, no começo do ano, quem sustentou o mercado nacional foi
estrangeiro, com as expectativas que tinham quanto ao novo governo de Luiz
Inácio Lula da Silva (PT).
Em contrapartida, o que se vê agora é
um retorno do investidor local, que voltou a investir no país com a percepção
de que os rumos da economia podem ser mais positivos do que o esperado.
Os principais investidores do Brasil atualmente são os estrangeiros, com cerca de 53,9% do mercado. Os investidores institucionais locais (que são os bancos, empresas ou pessoas com grandes fortunas), têm 27,7% de participação, e os investidores pessoa física, 13,9%. Os dados são de um levantamento da XP.
Isso mostra que os estrangeiros são os
grandes “donos” do Ibovespa, mas não significa que o investidor
internacional investe muito no Brasil, explica o analista CNPI Vitor Miziara.
Na verdade, o montante destinado ao país ainda representa uma pequena fração
dos investimentos globais e esse valor pode oscilar muito com base em uma série
de fatores, inclusive externos.
Isso aconteceu no mês de maio, por
exemplo: apesar do bom desempenho do Ibovespa, o fluxo de capital estrangeiro
foi negativo, com uma saída de cerca de R$ 4,2 bilhões dos ativos domésticos.
Segundo Lucas Serra, analista da Toro, esse movimento foi puxado, sobretudo,
pelos riscos envolvendo a renegociação do teto da dívida americana, que deixou
os investidores receosos.
Guerras, crises políticas, pandemias e
a própria movimentação dos juros nos países desenvolvidos, principalmente os
Estados Unidos, são motivos externos que podem impactar a entrada de dinheiro
estrangeiro no Brasil. Momentos de instabilidade fazem com que o mercado dê
preferência para ativos seguros, minimizando as perdas.
Em contrapartida, no acumulado de 2023
até o mês passado, o fluxo internacional continua positivo em R$ 9,5 bilhões,
enquanto as projeções para junho já indicam um retorno do estrangeiro.
Já os investidores institucionais
voltaram a alocar seus recursos no Brasil e o país registrou uma entrada de R$
2 bilhões, com a melhora na perspectiva para a política fiscal e as projeções
de quedas nos juros (leia mais abaixo).
Conforme explica Jennie Li,
estrategista de ações da XP, o que isso mostra na prática é que o bom
desempenho do Ibovespa nas últimas semanas pode ser explicado como uma
combinação entre tudo o que os investidores estrangeiros já aplicaram neste
ano, apesar da queda em maio, e a volta do investidor nacional à bolsa de
valores.
Inflação, juros e
arcabouço fiscal
A inflação já começa a dar sinais
melhores para o país. Na última divulgação do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou
0,23% em maio, muito abaixo das expectativas de mercado e com uma forte
desaceleração em relação aos meses anteriores.
A principal consequência disso é o
aumento das expectativas de que o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC comece
um ciclo de corte de juros já nos próximos meses. Hoje, a taxa Selic está em
13,75% ao ano.
Miziara comenta que as projeções para
a taxa de juros já em 2024 apontam para 11% ao ano e essa perspectiva de queda
foi uma das principais responsáveis por trazer de volta os investidores
institucionais para a bolsa brasileira.
“Com a queda de juros, o
investidor brasileiro vai procurar formas de trazer mais rentabilidade à
carteira. A bolsa é uma saída para aproveitar a queda de juros, e também pelo
desempenho das ações. Com juros menores, há um menor custo financeiro em
dívidas, o que pode gerar mais lucros para as empresas”, explica o
analista.
O outro ponto importante tanto para a
volta dos investidores internos como para a maior atração dos estrangeiros é o
arcabouço fiscal.
Jennie Li, da XP, destaca que a
proposta apresentada pelo governo não é a ideal do ponto de vista dos
economistas e outros especialistas do mercado, mas que já traz uma maior
visibilidade para a questão da importância do controle dos gastos públicos.
Isso já anima os investidores, que entendem que o controle dos gastos traz uma
tendência de inflação também controlada.
Daniel Moura, especialista em mercado
de capitais, compartilha da mesma visão e complementa: “Ao que tudo
indica, a nova regra é mais permissiva, porém permite uma continuidade da
melhora fiscal que tivemos nos últimos anos. Em resumo, se o Brasil seguir com
boas reformas, principalmente onde se trata do fiscal, tem tudo para se tornar
a bola da vez”.
O Brasil é a
‘bola da vez’?
Segundo Moura, “dos países
emergentes, sem dúvidas, o Brasil continua como um bom investimento tanto para
o investidor do mercado interno quanto externo”.
Isso acontece porque boa parte dos
países semelhantes ao Brasil está passando por algum tipo de instabilidade.
Rússia e Ucrânia, por exemplo, continuam em guerra. Argentina e Turquia vivem
um momento de forte inflação e outros problemas econômicos graves.
No entanto, a economista Carla
Argenta, da CM, destaca que, em relação a outros países emergentes que vivem
uma situação melhor, o mercado brasileiro ainda não desponta como protagonista.
A maior concorrência atualmente vem do México.
No que diz respeito às moedas, por
exemplo, o real é a quinta com a maior valorização frente o dólar em um ano,
segundo levantamento realizado por Henrique Castro, professor de finanças da
FGV. Já no acumulado de 2023 até aqui, a moeda brasileira só fica atrás do peso
mexicano.
Confira, na tabela abaixo, as
variações das principais moedas em relação ao dólar.
Já no que diz respeito ao mercado de
ações, o principal índice acionário do México, o Mexbol, também ganha vantagem
frente o Ibovespa. Em 2023, até o último dia 15, o índice mexicano subiu cerca
de 12,15%, enquanto o brasileiro teve alta um pouco menos expressiva, de 8,51%.
Carla Argenta explica que esses
números refletem que o investidor estrangeiro tem apetite por ativos de risco
em países emergentes, mas os que se destacam são aqueles que oferecem mais
segurança.
Nesse sentido, um consenso entre os
especialistas ouvidos pela reportagem é que, para que o Brasil continue
recebendo investimentos e se consolide como a escolha preferida, é necessário
acertar os rumos da política fiscal, inflação e juros.
“A visão do mercado está mais
otimista com o Brasil. Já temos um arcabouço fiscal que não permitirá
descontrole nos gastos, a inflação está arrefecendo, tornando os ativos de
riscos mais atrativos e com um início de corte de juros na Selic
iminente”, pontua André Fernandes, líder de renda variável da A7 Capital.
“Além disso, o PIB está surpreendendo, as empresas ainda estão entregando
bons resultados e muitas delas ainda estão negociando a múltiplos atrativos.”
O que esperar
adiante?
Segundo os especialistas, apesar do
momento mais positivo e de boas perspectivas para os próximos meses, ainda há
uma série de incertezas no radar.
A principal delas é em relação ao
andamento das reformas econômicas pretendidas pelo governo, sendo o destaque o
novo arcabouço fiscal, que deve ser votado nesta semana pelo Senado. Por
enquanto, não há expectativas de que ocorra alguma grande mudança no texto. Mas
alguma surpresa que pudesse reduzir o potencial de controle das contas públicas
tende a impactar negativamente o mercado.
Frederico Nobre, líder da área de
análise da Warren, comenta que outro ponto de atenção é a reforma tributária,
“que caso não for bem orquestrada, pode reduzir as expectativas de lucro
das empresas (da bolsa brasileira)”, tornando-as menos atrativas.
A última questão que pode ajudar ou
prejudicar na valorização do Ibovespa e do real é a política monetária dos
Estados Unidos.
Lucas Serra, da Toro, destaca que em
sua última reunião, o Fed manteve seus juros inalterados — em um patamar entre
5% e 5,25% o ano — e teve um discurso alinhado ao que era esperado, afirmando
que novas altas podem acontecer caso a inflação volte a subir com muita força
no país.
“Com isso, o mercado pode ter uma
maior percepção de que os Estados Unidos chegaram ou estão bem próximos da sua
taxa de juros terminal. Isso, por sua vez, tende a destravar valor para
investimentos em renda variável de uma forma geral, incluindo para a bolsa
brasileira”, explica.
Os outros especialistas concordam e é
unânime a visão de que, com um maior controle das altas nos juros na maior
economia do mundo, o mercado brasileiro tende a se beneficiar — e vice-versa.
Assim, outro consenso é que a bolsa brasileira continua barata — ou seja, que analisando a sua relação entre risco e retorno, as ações têm um bom potencial para valer mais — e que as chances de que o Brasil continue recebendo investimentos, locais ou estrangeiros, é grande, a depender do andamento das questões apresentadas até aqui.