Entenda como acordos de Israel podem ter influenciado ataque do Hamas
Entenda como acordos de Israel podem ter influenciado ataque do Hamas
Especialistas analisam contexto da ação do grupo palestino.
Publicado por Lucas Pordeus León - Repórter da Agência Brasil – Brasília
O ataque
surpresa do Hamas tem sido interpretado como uma tentativa de frustrar os acordos
que Israel costurou com o mundo árabe nos últimos anos. Esta é a avaliação de
três especialistas entrevistados pela Agência Brasil e que acompanham a
história do conflito entre Israel e Palestina.
Desde 2020,
Israel firmou os chamados Acordos de Abraão com Emirados Árabes Unidos,
Bahrein, Marrocos e Sudão e caminhava para fechar acordos com a Arábia Saudita,
sob a mediação dos Estados Unidos. Com isso, Israel esperava estabilizar as
relações com os países árabes e isolar o seu maior rival: o Irã, aliado
histórico do Hamas.
O cientista
político e professor de Relações Internacionais Maurício Santoro, que é
colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha, analisa que
a tentativa de frustrar esses acordos explica o ataque do Hamas. Além disso, o
especialista acrescentou que a ofensiva serviu para enviar mensagem ao povo
israelense, repetindo o ataque surpresa de 50 anos atrás, quando eclodiu a
Guerra de Yom Kippur.
“Para os
israelenses, isso é uma mensagem política muito poderosa de que eles foram
surpreendidos uma vez há 50 anos e agora foram surpreendidos de novo, que eles
nunca vão estar seguros, que eles sempre vão correr o risco de um novo ataque
desse tipo”, afirmou Santoro. O ataque do Hamas foi no dia seguinte ao
aniversário de 50 anos da Guerra de Yom Kippur.
Para além da mensagem política, os acordos de Israel com os árabes que buscam normalizar as relações diplomáticas no Oriente Médio também teriam motivado o ataque.
“Conseguir
firmar esses acordos muda os cenários estratégicos da região. Israel passaria a
ter uma base mais sólida entre países árabes para confrontar seu adversário
mais ferrenho, que é o Irã. Então, um cenário que representasse Israel fazendo
acordo com os países árabes e isolando o Irã seria péssimo para o Hamas”,
argumentou.
A assessora
do Instituto Brasil-Israel Karina Stange Caladrin, que também é pesquisadora do
Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP),
lembrou que o Hamas tem como objetivo último o fim do Estado de Israel e que,
por isso, tem atacado os acordos árabe-israelenses dos últimos anos.
“O Hamas via
nisso (Acordos de Abraão) um enfraquecimento da causa palestina e uma perda de
aliados. O Hamas condenou os acordos. Então, o ataque serve para clamar pelo
apoio dos árabes à questão palestina”, destacou.
Karina
Caladrin acrescentou que o Hamas ataca sabendo que Israel vai revidar,
esperando usar as imagens para sensibilizar a comunidade internacional e, em
especial, o mundo árabe. “Quanto mais palestinos morrem mais o Hamas ganha na
sua batalha porque a imagem que vai correr no cenário internacional são os
palestinos sofrendo. Para os estados árabes não vai ser bem-visto eles
assinarem esses acordos com Israel.”
O Estado Palestino
O doutor em
Estudos Estratégicos Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS) Robson Valdez acrescentou que, assim como os Acordos de Abraão, os
acordos da China no Oriente Médio por meio dos investimentos da chamada Rota da
Seda pressionam para uma maior estabilidade política na região, o que o ataque do
Hamas acaba por desestabilizar. A Rota da Seda é um projeto do governo chinês
de integração econômica com o mundo.
“O conflito
desestabiliza todos esses planos de acomodação, e o que a gente vê agora é
realmente o contrário. É uma tentativa desses atores (China, Arábia Saudita) de
reafirmar que é essencial que a Palestina tenha um Estado soberano que viva
harmonicamente com o Estado israelense. A gente percebe que há uma tentativa de
reforçar esse consenso que é um consenso da comunidade internacional,”
explicou.
Valdez
lembrou que os palestinos tentam construir um Estado a partir do direito
internacional com apoio de outros países, “mas que Israel, dada uma assimetria
militar, avança sistematicamente sobre todos os territórios palestinos
contrariando uma série de medidas e resoluções.”
O
especialista acredita que essa situação fortalece a posição do Hamas.
“Muitos acreditam que só o Hamas, através desse movimento de resistência,
seria capaz de criar um Estado porque as vias da negociação já se esgotaram,”
concluiu.
Para o pesquisador Maurício Santoro, o Hamas deve ter imaginado que os acordos dos israelenses com os árabes poderiam consolidar a ocupação de Israel em territórios reivindicados pelos palestinos.
“Provavelmente
esses acordos acabariam levando a um isolamento do Hamas, sendo deixados de
lado por esses governos ansiosos em fazer bons negócios e estabelecer relações
cordiais com os israelenses,” acrescentou.
Assentamentos israelenses
Ao mesmo
tempo que Israel avançava nas negociações com os estados árabes, a relação com
os palestinos se deteriorava. “O que a gente viu nos últimos anos foi uma
deterioração das relações de Israel com a Autoridade Palestina motivada, entre
outras coisas, pela expansão dos assentamentos, tanto na Jordânia quanto em
Jerusalém oriental, e sobretudo agora no governo Netanyahu essas relações foram
para o fundo do poço,” destacou Maurício Santoro.
A assessora
do Instituto Brasil-Israel Karina Caladrin concorda que a construção dos
assentamentos de Israel alimenta o conflito atual, mas acrescenta que a
comunidade internacional, incluindo os países árabes, tem responsabilidade no
conflito.
“Há uma
responsabilidade, obviamente, imediata de Israel pela perpetuação do conflito,
pelo tratamento dos palestinos, pelos assentamentos, mas também há uma completa
inação das potências internacionais e dos países árabes,” explicou.
Para ela,
apesar da criação do Estado palestino ser a saída para a crise, esta solução
parece cada vez mais distante, ainda que entrasse um novo governo em Israel
mais favorável aos palestinos. “Enquanto houver o Hamas como um grupo
militarizado financiado pelo Irã, não tem como criar um cenário de paz porque
eles também não vão aceitar dois estados.”
Edição:
Valéria Aguiar