Feminicídios batem recorde no 1º semestre de 2022 no Brasil quando repasse ao combate à violência contra a mulher foi o mais baixo
Feminicídios batem recorde no 1º semestre de 2022 no Brasil quando repasse ao combate à violência contra a mulher foi o mais baixo
699 mulheres foram vítimas, média de 4 por dia, de acordo com Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 'O Brasil reduziu significativamente os homicídios de 2019 para cá, mas a violência baseada em gênero, a violência que atinge mulheres está crescendo', diz diretora.
Por Cíntia Acayaba e Léo Arcoverde, g1 SP e GloboNews — São Paulo 07/12/2022 06h00 Atualizado há 3 horas
No primeiro semestre de 2022, 699
mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, média de quatro mulheres por
dia, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública obtidos com
exclusividade pelo g1, GloboNews e TV Globo. O número é o maior já registrado
em um semestre e ocorre no momento em que o país teve o menor valor destinado
às políticas de enfrentamento à violência contra a mulher.
Se comparado com 2019, o crescimento
foi de 10,8%, “apontando para a necessária e urgente priorização de
políticas públicas de prevenção e enfrentamento à violência de gênero”,
diz o Fórum. O aumento foi de 3,2% em relação ao primeiro semestre de 2021,
quando 677 mulheres foram assassinadas.
Desde 9 de março de 2015, a legislação
prevê penalidades mais graves para homicídios que se encaixam na definição de
feminicídio – ou seja, que envolvam “violência doméstica e familiar e/ou
menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Os casos mais comuns
desses assassinatos ocorrem por motivos como a separação.
Samira Bueno, diretora-executiva do
Fórum, diz que os dados mais consistentes começaram a ser obtidos em 2019.
“O primeiro ano completo que nós
temos de estatísticas no Brasil é 2016. Mas em 2016 e em 2017, ainda temos um
movimento nos estados de adaptação a essa nova legislação. Dados mensais nós
dispomos a partir de janeiro de 2019 para todo o mês. Mas o que os números
indicam? Olhando os dados de janeiro a junho de 2022, se mantida essa
tendência, nós teremos um novo recorde de feminicídios, inclusive quando fechar
o ano de 2022. Infelizmente, tudo aponta para um crescimento da violência letal
contra meninas e mulheres em decorrência do seu sexo, da sua condição de
gênero.”
Dentre as regiões, a Norte foi a que
apresentou maior crescimento no primeiro semestre dos últimos quatro anos, com
aumento de 75%. A região Centro-Oeste também teve crescimento significativo,
com 29,9% de alta entre 2019 e 2022.
Já dentre as unidades da federação,
Rondônia teve o maior aumento, 225%, seguido por Tocantins, 233,3% e Amapá,
200%, todos na região Norte.
Na contramão, o número de homicídios
no Brasil teve queda no primeiro semestre deste ano, como mostrou o Monitor da
Violência.
Foram 20,1 mil assassinatos nos
primeiros seis meses deste ano, o que representa uma queda de 5% em relação ao
mesmo período do ano passado.
Recursos
Apesar do crescimento ininterrupto da violência letal contra a mulher no período, os recursos investidos pelo governo federal para o enfrentamento à violência reduziram drasticamente.
Como o g1 mostrou, o governo do
presidente Jair Bolsonaro, nos quatro anos de gestão, propôs no Orçamento da
União 94% menos recursos para políticas específicas de combate à violência
contra a mulher do que nos quatro anos imediatamente anteriores.
Os números fazem parte de um
levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), uma organização
não governamental sem fins lucrativos. Os valores foram corrigidos pela inflação
no período.
Entre 2020 e 2023, anos que englobam
os projetos de Orçamento enviados ao Congresso pela atual gestão, foram
indicados R$ 22,96 milhões para políticas específicas (recursos carimbados) de
combate à violência contra a mulher.
Nos quatro anos anteriores, ou seja,
nos Orçamentos de 2016 a 2019 (que não foram enviados por Bolsonaro) esses
recursos eram de R$ 366,58 milhões. A queda foi de 94%.
Após serem propostos, os valores podem
ser ajustados pelo Congresso nas discussões da lei orçamentária anual. Os
números mostram que os parlamentares geralmente elevam as dotações propostas
pelo Executivo. Ao governo, porém, cabem as últimas etapas: autorização para
empenho (reserva dos valores) e gastos propriamente ditos.
No Orçamento para 2022, por exemplo, o
governo propôs R$, 6,3 milhões para políticas específicas de combate à
violência contra a mulher. O Congresso elevou o valor para R$ 44, 3 milhões.
Até setembro, foram efetivamente gastos R$ 32,3 milhões, o menor valor desde
2014.
Carmela Zigoni, assessora política do
Inesc, explicou ao g1 que esses recursos de enfrentamento à violência contra
mulheres – agora reduzidos no Orçamento – são usados para fomentar a rede de
proteção, que vai desde convênios para organizações locais, prefeituras, assim
como para serviços públicos de modo geral.
O governo federal alegou na ocasião da publicação da matéria que está prevendo mais recursos para a área por meio dos “planos de Orçamento”.
Para o Fórum, o atual governo
“priorizou uma visão familista ao criar o Ministério da Família e dos
Direitos Humanos e o esvaziamento total da compreensão de gênero como eixo
orientador das políticas públicas. Neste sentido, um dos principais desafios ao
novo governo eleito parece ser restabelecer o entendimento da desigualdade de
gênero e poder como elementos centrais para compreensão das violências sofridas
por meninas e mulheres, cis, trans e travestis.”.
“Por um lado, não chega a ser
surpreendente esse crescimento nos feminicídios no primeiro semestre de 2022. O
que nos causa espanto é que, quando a gente analise esse período de quatro
anos, e compara o primerio semestre deste ano e o primeiro semestre de 2019,
esse crescimento quase bate 11%. Então é um número é muito elevado, em um
momento em que o Brasil está fazendo cair a violência letal. O Brasil reduziu
significativamente os homicídios de 2019 para cá, mas a violência baseada em
gênero, a violência que atinge mulheres está crescendo. Então, isso me parece
muito claro que é um descaso do Estado com políticas públicas de acolhimento,
prevenção e enfrentamento à violência”, completou Samira.
Raio-x do
feminicídio
Com base nos dados do Anuário
Brasileiro de Segurança Pública referentes a 2021:
68,7% das vítimas de feminicídio
tinham entre 18 e 44 anos
16% delas tinham entre 18 e 24 anos
12,3% entre 25 e 29 anos
14,4% entre 30 e 34 anos
15,2% entre 35 e 39 anos
10,8% entre 40 e 44 anos.
62% eram negras
37,5% brancas 0,3% amarelas
0,2% indígenas
81,7% das vítimas foram mortas pelo
parceiro ou ex-parceiro íntimo
Desconhecidos apareceram como autores
apenas em 3,8% dos casos.