Governo federal prepara reforma administrativa
Governo federal prepara reforma administrativa
Uma das propostas é mudar lei criada há 57 anos.
Gilberto Costa - Repórter da Agência Brasil
O governo
federal pretende fazer uma ampla reforma administrativa, com a construção de
uma nova legislação que venha substituir o Decreto-Lei nº 200/1967. O decreto
foi instituído durante a ditadura cívico-militar (1964-1985) e que ainda hoje
“dispõe sobre a organização da administração federal.”
O propósito,
segundo o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), é tornar
a legislação compatível com a Constituição Federal.
Para isso, o
MGI e a Advocacia Geral da União (AGU) criaram uma comissão formada por mais de
uma dezena de especialistas, entre juristas, servidores públicos, pesquisadores
e acadêmicos.
O grupo tem
até abril de 2025, doze meses após a instalação da comissão, para elaborar a
proposta de revisão do decreto-lei.
Além da
encomenda na alteração do decreto, já com 57 anos, o MGI editou em agosto uma
portaria fixando diretrizes das carreiras do serviço público (Portaria MGI nº
5.127). A norma estabelece princípios e orientações gerais que os órgãos
públicos deverão seguir para apresentar as suas propostas de reestruturação de
cargos, carreiras e planos.
“Ela é o
primeiro instrumento normativo desde a Lei 8.112 de 1990”, enfatiza José Celso
Cardoso Jr., secretário de Gestão de Pessoas do MGI, em referência ao Estatuto
do Servidor.
Em entrevista à Agência Brasil, Cardoso Jr. confirma que “o governo federal já está fazendo uma reforma administrativa na prática.” Segundo ele, a reforma está “em ação” desde 2023 e ocorre “por meio de uma série de medidas de natureza infraconstitucional e incremental que já vem sendo adotadas, para melhorar a estrutura e as formas de funcionamento da administração pública.”
Para o
secretário, iniciativas somadas como o concurso público nacional unificado e a
realização do dimensionamento da força de trabalho, para quantificar e definir
os perfis mais adequados de servidores, e as novas normas para aperfeiçoamento
da política nacional de desenvolvimento de pessoas “configuram uma reforma
administrativa já em andamento.”
PEC 32
A realização
da reforma administrativa foi anunciada pela equipe de transição do atual
governo em dezembro de 2022. Na avaliação de especialistas, a reforma em
andamento é mais abrangente do que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº
32, apresentada em setembro de 2020 ao Congresso Nacional, e chegou a ser aprovada
em comissão especial da Câmara dos Deputados, mas que não foi levada à votação no
Plenário por falta de apoio.
“Politicamente,
era uma coisa que não fazia sentido ali”, opina o cientista político Leonardo
Barreto que acompanha o dia a dia do Parlamento há mais de duas décadas.
A professora
e pesquisadora no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília
(UnB), Michelle Fernandez, assinala que a PEC 32 “nasceu obsoleta” e “tem um
objetivo estritamente fiscal, de diminuição de gastos. Portanto, não olha para
a atuação do Estado. A existência do servidor público é para atender a
sociedade e colocar de pé políticas públicas.”
“A PEC 32
trata dos funcionários públicos. Olha para uma pequena fatia do funcionamento
do Estado”, opina Sheila Tolentino, pós-doutora em Ciência Política,
pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e integrante da
comissão de especialistas que discute a legislação para substituir o
Decreto-Lei nº 200. Segundo ela, o país precisa fazer a reforma administrativa
“olhando para o serviço que é entregue à população.”
Representantes
dos servidores públicos ouvidos pela Comissão de Administração e Serviço
Público da Câmara dos Deputados no final do ano passado alertaram aos
parlamentares que a PEC 32 poderia afetar a impessoalidade das contratações na
administração pública, terceirizar carreiras permanentes em áreas como saúde,
educação e assistência social, e dificultar as investigações de casos de
corrupção que hoje são apurados por servidores com estabilidade.
Contas públicas
Entidades
empresarias, como a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo (CNC), defendem que a PEC 32 poderia gerar economia e impactar na
diminuição da dívida pública.
Para o
sociólogo Félix Garcia Lopes Jr., pesquisador do Ipea, visões fiscalistas de
setores empresariais partem de premissas erradas, como, por exemplo, a de que
ocorre aumento de gasto público com servidores.
“A trajetória ao longo do tempo mostra que nunca tivemos crescimento excessivo do número de servidores ou inchaço da máquina pública. Isso está documentado”, diz o pesquisador, citando dados do Atlas do Estado Brasileiro (Ipea), estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e análise recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Os dados
nesses estudos mostram que há no Brasil cerca de 11 milhões de servidores
públicos, menos de 13% do número de trabalhadores do país. Proporção menor do
que dos países mais desenvolvidos que formam a OCDE (20,8%).
Seis de cada
dez servidores brasileiros trabalham para as prefeituras (6,5 milhões de
funcionários públicos). Três de cada dez servidores têm vínculo com os governos
estaduais (3,4 milhões de funcionários).
O maior
contingente de servidores municipais e estaduais é formado por professores,
profissionais da saúde e o pessoal da segurança pública, três categorias que
fazem atendimento direto à população.
O restante
de servidores públicos, 1,2 milhão de pessoas, é ligado à União, desses 570 mil
estão na ativa. No nível federal, o maior contingente é de professores
universitários. Os maiores salários estão concentrados no Poder Judiciário e no
Poder Legislativo. Nos últimos cinco anos, diminuiu o número de servidores
federais civis.
Visões concorrentes
Félix Garcia
aponta para “um certo paradoxo” nas percepções coletivas da sociedade
brasileira. Há visões concorrentes como a de que “o Estado pode estar muito
grande, inchado, e que a burocracia é excessiva” e ao mesmo tempo que os
cidadãos “querem mais serviços públicos, mais médicos, mais professores, querem
mais políticas de bem-estar.”
“Nesses
episódios de crise, como vimos na pandemia, fica evidente quão central é a
burocracia pública para atacar problemas coletivos”, acrescenta Michelle
Fernandez, do Instituto de Ciência Política da UnB. Ela lembra que as empresas
privadas também demandam uma administração pública bem estruturada.
“A
burocracia nasce associada à necessidade de racionalidade econômica do setor
privado, porque ela permite previsibilidade.”
De acordo
com Sheila Tolentino, pesquisadora do Ipea, por trás das medidas em discussão
no governo não está “uma simples redução de gasto”.
“O
corte, em si, não traz os ganhos necessários para o futuro. O que precisamos
construir para o futuro? Capacidade. Isso é o que precisamos construir”,
resume.
Na próxima
quinta-feira (24), em Brasília, a comissão de especialistas que discute a
legislação para substituir o Decreto-Lei nº 200 se reúne para discutir inovação
e controle na administração pública. O evento poderá ser acompanhado em tempo
real.