Governo vê arrecadação recorde e superávit em janeiro, mas terá dificuldade para zerar o rombo em 2024; entenda
Governo vê arrecadação recorde e superávit em janeiro, mas terá dificuldade para zerar o rombo em 2024; entenda
Arrecadação total teria de crescer R$ 350 bilhões em 2024 para atingir o objetivo que está no Orçamento.
Por Alexandro Martello, g1 — Brasília
Em um
cenário de desaceleração da economia, o governo federal terá dificuldades em
promover um forte aumento da arrecadação federal para atingir o valor proposto
no orçamento de 2024.
A análise,
feita por economistas ouvidos pelo g1, já considera o bom comportamento das
receitas em janeiro deste ano, que bateram recorde ao somar R$ 280 bilhões –
valor nunca antes observado. Com isso, as contas do governo tiveram superávit
de R$ 79,3 bilhões no primeiro mês do ano.
A alta de
arrecadação projetada no orçamento para 2024 tem por objetivo zerar o déficit
das contas do governo, meta que consta na Lei de Diretrizes Orçamentárias,
aprovada pelo Legislativo. O objetivo é considerado ousado pelo mercado
financeiro.
No orçamento
de 2024, a projeção para as receitas totais está em R$ 2,72 trilhões, com
aumento de cerca de R$ 350 bilhões em relação ao ano de 2023 – quando somaram
R$ 2,36 trilhões.
Essa
expansão na arrecadação total permitiria uma alta de cerca de R$ 280 bilhões na
receita líquida (após as transferências constitucionais aos estados e
municípios) neste ano.
Um
crescimento tão forte da arrecadação total de um ano para o outro, entretanto,
foi registrado em poucas ocasiões:
Em 2010,
quando a atividade avançou 7,5%, no repique da crise financeira de 2009.
E também em
2021, quando o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 4,8% (valor revisado), na
esteira da saída da pior fase da pandemia da Covid-19.
Para 2024, a
expectativa do mercado é de um crescimento menor da economia em relação a 2010
(+7,5%) e a 2021 (+4,8%). A projeção do mercado é de uma expansão de 1,75% no
PIB neste ano, segundo pesquisa realizada na semana passada pelo Banco Central.
Em 2023, o
crescimento do PIB foi de 2,9%, resultado que animou o mercado e a equipe
econômica. Com isso, o Brasil subiu duas posições no ranking e passou a ser o
9º país mais rico do mundo.
A equipe
econômica aprovou uma série de medidas de aumento de arrecadação em 2023, com
impacto em 2024. O objetivo das medidas é elevar a arrecadação em R$ 168
bilhões em 2024.
Entre elas,
a MP das subvenções, o retorno do voto de qualidade no Carf, mudanças no regime
dos juros sobre capital próprio, além da taxação de “offshores” e de
fundos exclusivos.
Analistas opinam
De acordo
com o economista Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset,
o governo não deve conseguir arrecadar R$ 168 bilhões a mais neste ano com as
medidas de aumento de arrecadação, conforme o previsto.
Para ele, o
valor arrecadado ficará por volta de R$ 100 bilhões, o que resultará, segundo
ele, em um déficit orçamentário de R$ 80 bilhões a R$ 90 bilhões em 2024.
“Eu
acho que o que está faltando são medidas pelo lado da redução de despesas. É
isso que garante a sustentabilidade do plano de voo fiscal do [ministro]
Haddad. Pelo lado da receita sozinha, não é suficiente, gera fadiga no
Congresso. Faltam anúncios de medidas pelo lado da despesa, que estão super
maduras”, afirmou o economista Gabriel Leal de Barros.
Ele citou a
possibilidade de se propor uma reforma administrativa, uma mudanças nos gastos
sociais, evitando sobreposições, e alterações no abono salarial – focando em
quem ganha até um salário mínimo (nas regras atuais, têm direito ao abono quem
ganha até dois salários mínimos).
Segundo o
ex-secretário do Tesouro Nacional, Jefferson Bittencourt, economista da ASA
Investments, a receita líquida precisa crescer, a previsão para fechar a meta
de déficit zero neste ano, 11,5% em termos reais (acima da inflação), algo que
não ocorreu em janeiro – apesar do bom desempenho.
“Foi um
resultado bom da arrecadação em janeiro, foi. Dá segurança de que vai ser
alcançada a meta? Não, está longe disso (…) A receita tributária, por mais
que performe bem, a economia teria de bombar muito para atingir a meta”,
acrescentou Jefferson Bittencourt, da ASA Investments.
O analista
estimou que as contas do governo deverão registrar um déficit entre 0,8% e 1%
do PIB neste ano, entre R$ 90 bilhões e R$ 110 bilhões.
“Pra
ficar mais perto do que o mercado imagina, perto de 0,8% [de resultado
negativo, algo como R$ 90 bilhões], o governo tem de ser muito bem-sucedido na
discussão das MPs 1202 e 1208 [desoneração da folha de pagamentos, Perse e
limitação de compensações tributárias]. Se não for bem-sucedido, fica mais
perto de 1% [de rombo]. Minha visão é alguma coisa entre 0,8% e 1% do PIB [de
déficit]”, explicou.
Déficit zero em 2024
A meta de
acabar com o resultado negativo nas contas públicas foi aprovado pelo Congresso
Nacional, na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Caso as
previsões de arrecadação não se confirmem com o passar dos meses, a área
econômica será obrigada a bloquear despesas.
Para evitar
o “contingenciamento” de recursos, o governo discute, internamente, a
possibilidade de mudar a meta fiscal – passando a prever déficit em 2024.
Se passar a
prever rombo nas contas neste ano, segundo analistas, o governo evitará
bloqueio de gastos em infraestrutura em um ano eleitoral.
Para alterar
a meta fiscal, é preciso mudanças na LDO deste ano. A eventual mudança da meta
ainda não foi definida pelo governo.
Consciente
das dificuldades, o presidente Lula já admitiu que “dificilmente” o
governo alcançará a meta de déficit zero em suas contas em 2024. E acrescentou,
posteriormente: “Se der para fazer superávit zero, ótimo. Se não der,
ótimo também”.