Indonésia aprova lei que pune sexo fora do casamento com até um ano de prisão
Indonésia aprova lei que pune sexo fora do casamento com até um ano de prisão
Novas leis vão punir desproporcionalmente mulheres, pessoas LGBT e minorias religiosas, alertam os críticos.
Por BBC 06/12/2022 06h52 Atualizado há 3 horas
O Parlamento da Indonésia aprovou um
novo código penal que torna o sexo fora do casamento crime — punível com até um
ano de prisão.
Faz parte de uma série de mudanças
que, segundo os críticos, representam um retrocesso nos direitos da população.
O novo código penal, que só entrará em
vigor daqui a três anos, também inclui a proibição de insultar o presidente e
se manifestar contra a ideologia do Estado.
Válida tanto para indonésios quanto
estrangeiros, a nova legislação contempla várias leis de
“moralidade”, que tornam ilegal que casais que não são casados morem
juntos e façam sexo.
Grupos de direitos humanos dizem que
isso afeta desproporcionalmente mulheres, pessoas LGBT e minorias étnicas no
país.
As denúncias de sexo fora do casamento
vão poder ser feitas pelo parceiro ou pelos pais da pessoa. O adultério também
será um crime pelo qual pode-se ir preso.
Manifestantes realizaram pequenos
protestos contra a nova legislação fora do Parlamento, na capital Jacarta,
nesta semana.
Ativistas de direitos humanos dizem
que o novo código também inibe a expressão política e reprime a liberdade
religiosa.
Há agora seis leis contra blasfêmia no
código, incluindo apostasia — renunciar a uma religião. Pela primeira vez desde
a independência, a Indonésia vai tornar ilegal persuadir alguém a ser
descrente.
Novos artigos contra difamação também
tornam ilegal insultar o presidente ou expressar opiniões contra a ideologia
nacional.
No entanto, os legisladores disseram
que haviam acrescentado proteção para a liberdade de expressão e protestos de
“interesse público”.
Ainda assim, a organização Human
Rights Watch afirmou nesta terça-feira (06) que as normas do novo código eram
um “desastre” para os direitos humanos.
A diretora do grupo para a Ásia,
Elaine Pearson, disse à BBC que foi um “enorme revés para um país que
tentou se apresentar como uma democracia muçulmana moderna”.
Andreas Harsano, pesquisador da
organização baseado em Jacarta, advertiu que havia milhões de casais na
Indonésia sem certidão de casamento, “especialmente entre povos indígenas
ou muçulmanos nas áreas rurais”, que se casaram em cerimônias religiosas
específicas.
“Essas pessoas estarão
teoricamente infringindo a lei, já que morar junto pode ser punido com até seis
meses de prisão”, afirmou ele à BBC.
Harsano acrescentou que pesquisas
realizadas nos Estados do Golfo, onde existem leis semelhantes regendo o sexo e
os relacionamentos, mostraram que as mulheres foram mais punidas e mais alvo de
tais leis de moralidade do que os homens.
Análise
Por Jonathan Head, correspondente da
BBC no Sudeste Asiático
A Indonésia não é um Estado laico. O
ateísmo é inaceitável — tecnicamente, você precisa seguir uma das seis
religiões reconhecidas. Portanto, é um Estado multirreligioso com uma ideologia
oficial, a Pancasila, que não prioriza nenhuma fé sobre a outra.
Essa foi a ideia do líder
pós-independência da Indonésia, Sukarno, para desencorajar grandes partes do
arquipélago, onde os muçulmanos não são a maioria, de se separarem.
Mas desde a queda de Suharto — que
reprimiu impiedosamente grupos políticos islâmicos —, houve uma crescente
mobilização em torno dos valores islâmicos, uma sensação de que o Islã está
ameaçado por influências externas, e mais conservadorismo em muitas áreas da
ilha de Java, onde mais da metade dos indonésios vive.
Os partidos políticos responderam a
isso e exigiram leis mais duras para a polícia da moralidade.
O atual líder, Jokowi, é da tradição
sincrética javanesa que adota uma forma mais flexível do Islã, mas sua
principal preocupação é seu legado de desenvolvimento econômico, em vez da
tolerância e valores liberais.
Ele mostrou com a prisão do
ex-governador de Jacarta, Ahok, acusado de blasfêmia, que está disposto a dar
aos muçulmanos radicais um pouco do que eles querem.
A Indonésia abriga várias religiões,
mas a maioria de seus 267 milhões de habitantes é muçulmana. Desde a transição
democrática do país em 1998, a nação segue uma crença conhecida como Pancasila,
que não prioriza nenhuma fé, mas não aceita o ateísmo. No entanto, a lei local
em muitas regiões do país é baseada em valores religiosos.
Algumas partes da Indonésia já possuem
leis rígidas sobre sexo e relacionamentos com base na religião.
A província de Aceh, por exemplo,
impõe leis islâmicas rigorosas, punindo as pessoas por jogos de azar, consumo
de álcool e encontros com indivíduos do sexo oposto.
Muitos grupos civis islâmicos têm pressionado por mais influência na formulação de políticas públicas na Indonésia nos últimos anos.
Os legisladores elogiaram na
terça-feira a aprovação do novo código penal, que não havia sido totalmente
revisado desde que a Indonésia se tornou independente do domínio holandês.
Um rascunho anterior do código estava
prestes a ser aprovado em 2019, mas gerou protestos em todo o país, com dezenas
de milhares de pessoas participando das manifestações.
Muitos, inclusive estudantes, saíram
às ruas — e houve confrontos com a polícia na capital Jacarta.
– Este texto foi publicado em
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63870859