Juiz que trabalhou em Dracena é acusado de violência física, sexual e psicológica e proibido de se aproximar da mulher
Juiz que trabalhou em Dracena é acusado de violência física, sexual e psicológica e proibido de se aproximar da mulher; vídeos mostram agressões
Ministério Público de São Paulo investiga o caso. Valmir Maurici Júnior, juiz de direito da 5ª Vara de Guarulhos (Grande São Paulo), nega 'veementemente todas as acusações', diz defesa.
Por Giovani Grizotti e Ricardo Gallo, RBS TV e g1 — São Paulo 27/03/2023 04h00 - Atualizado há um dia
A mulher do juiz Valmir Maurici
Júnior, da 5ª Vara Cível de Guarulhos, na Grande São Paulo, acusa o marido de
violência física, sexual e psicológica. O g1 obteve vídeos que mostram as
agressões, ocorridas na casa em que os dois moravam, em Caraguatatuba, no
Litoral Norte de SP (veja trechos acima).
Em um dos vídeos, o juiz dá um tapa na cabeça da esposa; em outro, ele dá empurrões, chute e a xinga, e ela cai no chão; ambos foram gravados com um celular dela — segundo ela, em outubro de 2022. Em um terceiro vídeo, de abril de 2022, aparentemente gravado pelo próprio juiz, ele a submete a uma relação sexual — segundo ela, não consentida por não ter tido opção de escolha.
A vítima e Maurici Júnior se casaram
em 2021. A mulher, de 30 anos, diz que saiu de casa em 23 de novembro; o casal
está em processo de separação. A violência começou depois dos seis primeiros
meses de relação, segundo a defesa dela.
Em janeiro, ela obteve medida
protetiva na Justiça, com base na lei Maria da Penha, que proíbe o juiz de se
aproximar e de manter contato com a mulher e com pais e familiares dela. Na
mesma decisão, Maurici Júnior, 42 anos, também foi obrigado a entregar a arma a
que tem direito por ser magistrado.
O Ministério Público de São Paulo
abriu investigação sobre o caso.
O g1 apurou que o MP trata “os
fatos noticiados” como “gravíssimos” e que o juiz
“demonstrou comportamento violento, manipulador, desviado, e que
potencialmente colocaria em risco” a integridade da vítima e dos seus
parentes. No mesmo parecer, o MP trata a mulher como “vítima” e o
juiz, como “investigado”.
O procedimento está no Órgão Especial
do Tribunal de Justiça de São Paulo, órgão responsável por casos do tipo de
acordo com a Lei Orgânica da Magistratura.
A defesa do juiz nega
“veementemente os fatos que lhe são imputados ” (veja resposta na íntegra
mais abaixo). O g1 procurou Maurici Júnior por meio de mensagem no celular, mas
não obteve resposta.
Relação
Em entrevista ao repórter Giovani
Grizotti no dia 27 de dezembro, a vítima conta que conheceu o juiz em outubro
de 2020, quando, segundo ela, ele vivia em Santa Catarina e ela, no interior de
São Paulo. Em dezembro de 2021 ela se mudou para Caraguatatuba, no litoral
norte de São Paulo, para morar com Maurici Júnior.
“Eu conheci ele quando ele me
mandou uma mensagem pelas redes sociais e me convidou para jantar. Na época,
ele morava em Santa Catarina. Eu ficava muito com ele em Santa Catarina. E ele
era uma pessoa encantadora. Parecia um príncipe (…) eu fiquei muito
apaixonada”, disse.
A relação dos dois, conta, começou a
ficar violenta aos poucos, e ela não queria o fim da relação:
“Ele sempre falou do sexo com
força, mas eu não entendia o que era isso. Eu sofri todo tipo de violência com
ele. Violência sexual, moral, física, psicológica. Ele usava de vários
mecanismos para me deixar confusa. Ele falava: é só dar um tapa. Eu consegui
perceber que saiu do contexto sexual quando eu tava na cozinha, fazendo alguma
coisa, ele me dava um tapa na cara, puxava meu cabelo”, afirmou.
Registros no
cofre
Ela afirma que não tinha provas da
violência. Foi então que ela colocou o celular no quarto, na direção da cama,
para tentar flagrar agressões. A mulher conseguiu filmar um tapa dado nela pelo
juiz enquanto os dois estavam deitados na cama. Também registrou xingamentos e
empurrões, quando ela estava na frente dele perto da porta do quarto. Ambos os
registros são de 2 de outubro de 2022, de acordo com ela (veja no vídeo acima).
Ao sair de casa, ela levou consigo um
cofre que, segundo ela, Maurici Júnior mantinha no escritório da casa. Dentro,
havia, entre outros arquivos, um vídeo aparentemente filmado pelo próprio juiz.
Segundo a vítima, o vídeo foi gravado em 10 de abril de 2022.
O g1 teve acesso ao vídeo, que mostra
os dois durante uma aparente relação sexual em que a vítima aparece deitada
sobre uma cama, de costas, e com os pés e mãos amarrados. Na cama, ao lado da
vítima, há uma folha de papel com itens que o juiz vai riscando aos poucos —
segundo a mulher, são os motivos pelos quais, para ele, ela deveria ser
castigada. É possível ouvir a voz de Maurici Júnior, que dá tapas nas nádegas
da vítima com uma palmatória.
Há, então, o seguinte diálogo:
Valmir Maurici Júnior: “Você se
faz de cretina como meio de vitimização… você quer parar? Tá chorando?
Vítima: ela sinaliza que não com a
cabeça: “Não tem dor no corpo”, diz.
Valmir: “Dor no que?”
Vítima: “Na alma”.
Valmir: “Mas a gente tá fazendo o
corpo doer pra alma sarar”.
No final da gravação, ele pergunta se
a mulher gostaria de ser “penetrada”, e ela mexe a cabeça em sinal de
positivo.
Em entrevista, a vítima disse que não
consentia com relações assim e que não tinha opção:
“Na verdade, eu nunca consenti
com aquelas coisas. Eu não tinha opção. Então, a violência eu nunca consenti
com nenhuma violência. Mas eu era casada”, disse a mulher. Ela afirmou ter
ficado dois dias de cama depois da cena. E que “não tinha nada de
fetiche” na situação.
O fato de a mulher ter levado o cofre
da casa do casal fez Valmir Maurici Júnior acusar a esposa de furto qualificado
— um inquérito a respeito está em andamento na Delegacia de Caraguatatuba. O
advogado Luciano Katarinhuk, que defende a mulher, diz que a casa era dela
também, porque ambos viviam juntos, e que não houve furto. O material do cofre
foi encaminhado para perícia pelo Ministério Público.
Na investigação de furto qualificado
que corre na Delegacia de Caraguatatuba, a Polícia Civil de São Paulo chegou a
apreender um notebook com o material na casa onde a esposa vive atualmente.
Mas, em janeiro, o Tribunal de Justiça determinou que a Polícia Civil
entregasse o material para o Ministério Público — que abriu procedimento
investigativo contra o juiz.
A vítima conta que tentou manter o casamento, mas foi entrando em desespero e chegou a tentar suicídio:
“Passava pela minha cabeça: por
que eu to passando por isso? (…) Por que ele faz isso comigo? Eu tinha
vergonha. Eu só queria manter meu casamento. Não queria ser julgada socialmente
pelas pessoas. Eu só queria que aquilo acabasse logo. Era horrível. Um
sentimento de culpa muito grande. De acreditar que de certa forma eu merecia
aquilo. Eu cheguei a tentar suicídio.”
Ela dizia se sentir culpada na relação
e que era humilhada pelo juiz:
“Eu queria morrer. As acusações
eram muito grandes, sabe? Nunca ele estava errado. Era sempre a minha culpa. Do
jeito que ele falava, do jeito que me humilhava, me chamava de burra, de fraca,
que era patética. Intelectualmente ele destruía. E eu não aguentava, porque
isso era todos os dias”, afirmou.
‘Pessoas
influentes e poderosas’
Ela disse que, ao sinalizar ao marido
que o denunciaria, ele a intimidou mencionando a própria rede de contatos:
“Ele falava: pode ir pra polícia.
Leve seus vídeos. Quando você chegar na delegacia, eu vou ser avisado. Porque
eu sou um juiz, e você é só mais uma mulher louca. Não vai acontecer nada
comigo. Eu nunca vou preso, eu tenho os amigos certos, pessoas influentes e
poderosas. Você só vai passar vergonha, você vai ser ridicularizada”.
Além de magistrado do Tribunal de
Justiça, Maurici Júnior foi professor do curso de juiz de direito no cursinho
Complexo de Ensino Renato Saraiva (Cers). Diante da denúncia exclusiva revelada
pelo g1, o Cers disse que que “repudia qualquer ato de violência contra a
mulher”.
A mulher vive longe de São Paulo
atualmente. Em razão da medida protetiva, Valmir Maurici Júnior não pode manter
contato com ela, com os pais dela e com familiares, nem se aproximar deles. Ela
teve episódios de depressão, ansiedade e, em dezembro, chegou a ser internada
com quadro psicótico, de acordo com laudos médicos a que o g1 teve acesso.
Sobre como vai
tocar a vida, a mulher afirma:
“Eu não tenho vida mais. Perdi
vontade de tudo, perdi vontade até de viver”. Questionada sobre o que a
confortaria, respondeu: “Saber que outras mulheres não vão passar o mesmo
que eu passei. Porque é um preço muito alto (…) A gente nunca… uma mulher
não entra num relacionamento pensando que vai ser abusada e violentada de
várias formas. Eu entrei com um sonho e eu saí com um pesadelo.”
O que dizem os citados
Juiz Valmir
Maurici Júnior
“A defesa técnica do magistrado, por
seus advogados Marcelo Knopfelmacher e Felipe Locke Cavalcanti, nega
veementemente os fatos que lhe são imputados e repudia com a mesma veemência
vazamentos ilegais de processos que correm em segredo de Justiça.”
Tribunal de
Justiça de São Paulo
“A assessoria de Imprensa do
Tribunal de Justiça de São Paulo, em relação à solicitação de informações,
esclarece se tratar de Procedimento Investigativo Criminal que, dada a natureza
do feito, tramita em segredo de Justiça.
O desembargador relator — sorteado
dentre os integrantes do Órgão Especial — responsável pela condução do
procedimento, já determinou a extração de cópias e remessa à Corregedoria Geral
da Justiça, para adoção das providências administrativo-disciplinares que se
entenderem cabíveis”.
Secretaria da Segurança Pública de São
Paulo, sobre o inquérito aberto em que juiz acusa a esposa de furto
qualificado:
“O caso segue em investigação
pela Delegacia de Polícia de Caraguatatuba. A autoridade policial realiza a
oitivas de testemunhas e diligências para esclarecer todas as circunstâncias
dos fatos.”