Juros elevados já reduziram o PIB do 4º trimestre e complicam 2023, dizem economistas
Juros elevados já reduziram o PIB do 4º trimestre e complicam 2023, dizem economistas
Cenário deve diminuir investimentos de empresas, impactar o mercado de trabalho e reduzir capacidade de consumo das famílias.
Por Isabela Bolzani, g1 02/03/2023 09h07 - Atualizado há um dia
Os aumentos
da taxa básica de juros, a Selic, feitos pelo Banco Central desde 2021 começam,
enfim, a trazer consequências mais fortes para a economia.
Depois de
cinco trimestres seguidos de alta, o Produto Interno Bruto (PIB) voltou a
registrar queda, com redução de 0,2% no 4º trimestre de 2022, segundo dados
divulgados nesta quinta-feira (2) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
Além dos
sinais de uma desaceleração da atividade, economistas ainda esperam efeitos no
mercado de trabalho e na concessão de crédito — e a expectativa é que esses
efeitos continuem a repercutir no PIB até o final do ano que vem.
O cenário é
uma junção de um quadro de juros elevados, inflação ainda expressiva e de um
maior endividamento das famílias. A projeção dos economistas para 2023 é que o
PIB tenha um crescimento de apenas 0,84%, segundo o último relatório Focus do
Banco Central.
Por que o
BC começou a aumentar a Selic?
O principal objetivo da alta das taxas por parte do BC era controlar a inflação, pressionada tanto pelos efeitos da pandemia como, posteriormente, pelos impactos vindos da guerra na Ucrânia e das mudanças climáticas observadas pelo mundo nos últimos tempos, que afeta safras e o preço dos alimentos.
De acordo
com dados do IBGE, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, a
inflação oficial do país, passou de 10,09% em 2021 para 5,79% no ano passado.
Mas o resultado não é efeito puro de política monetária: o principal baque na
inflação veio após a desoneração dos combustíveis.
Inclusive, a
renúncia de receitas para baixar os preços dos combustíveis na bomba causa
desconfiança sobre as contas do país. Em situações assim, as expectativas de
inflação à frente sobem e o BC pode deixar os juros em níveis elevados por mais
tempo para tentar controlar os preços.
Além disso,
há uma demora entre a elevação dos juros e seus efeitos na economia. Tudo isso
fez com que, mesmo com uma redução expressiva da inflação em 2021, o número
tenha ficado acima da meta para a inflação determinada pelo BC para 2022 — de
3,5%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual (p.p.).
E o mesmo
pode acontecer em 2023: o último boletim Focus mostra que a inflação esperada
para o ano é de um IPCA na casa de 5,90%. A meta para este ano é de 3,25%
(também com tolerância de 1,5 p.p.).
E quais
são os efeitos das altas de juros na economia?
Na teoria,
juros mais altos desestimulam a economia pelo lado da demanda e suavizam a
inflação. Isso porque como o crédito fica mais caro, a pessoa física tende a
reduzir gastos e a diminuir o consumo. Já as empresas, por sua vez, diminuem os
investimentos diante do aumento do custo do capital, o que reduz a demanda por
mão de obra e também acaba tirando dinheiro de circulação.
Segundo o
economista da XP Investimentos Rodolfo Margato, um dos sinais desses impactos
já pôde ser visto nos dados de emprego divulgados ontem pelo IBGE, por meio da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).
“Se olharmos
a geração de vagas com carteira assinada ao longo de 2022, já conseguimos ver
uma desaceleração bem considerável, o que é um dos sinais do impacto dos juros
no mercado de trabalho. E além de ser mais difícil para que as pessoas consigam
emprego, também começamos a perceber números maiores de demissões líquidas em
determinados setores”, afirma Margato, destacando que as projeções da XP já
estimam um novo aumento do desemprego neste ano.
Outros
efeitos desse aumento de juros, diz o economista, também podem ser vistos no
mercado de crédito.
“Começamos a
observar um aumento das taxas de inadimplência e as próprias instituições
financeiras adotando uma postura mais conservadora e restringindo o acesso ao
crédito, o que também deixa o ambiente mais desafiador para as famílias”,
completa Margato.
Quando
veremos uma redução dos juros?
Segundo
especialistas, além da pressão que ainda vem da inflação, outros fatores também
acabam influenciando a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC,
responsável por determinar as diretrizes monetárias do país e definir a Selic.
O economista e sócio da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto, cita as incertezas fiscais que ainda existem no país, e lembra da discussão sobre o novo arcabouço fiscal do governo, por exemplo.
“Não vai
adiantar o Banco Central reduzir juros sem que haja uma base arbitrária, com
bons fundamentos e um plano fiscal crível, que diga que nosso endividamento é
sustentável. Isso não vai estimular a economia do jeito que o governo
gostaria”, afirma Neto.
O economista
cita, ainda, os recentes atritos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
com o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
“No fundo,
isso também acaba aumentando o risco de o Banco Central postergar o corte de
juros, já que são exatamente essas incertezas e pressões que têm aumentado as
expectativas de inflação e reduzido a confiança dos agentes de mercado,
tornando o ambiente muito mais hostil para o BC”, completa.
A projeção
da Tendências é que o primeiro corte de juros aconteça a partir de novembro
deste ano, de maneira que a Selic encerre 2023 em 13% ao ano. Já a XP prevê que
o BC mantenha a taxa básica no nível atual até o final do ano, em 13,75% a.a..
O
crescimento econômico vai continuar desacelerando?
Para os
especialistas, a tendência é que a atividade tenha um crescimento mais contido
neste ano, influenciada não apenas pelo ambiente doméstico, mas também pelo
cenário internacional, cujas projeções também são de desaceleração.
“Me parece
que podemos ter postergado um pouco desse baque mais forte da atividade
brasileira”, diz Marco Caruso, economista-chefe do Banco Original.
De acordo
com o economista, apesar de a Selic elevada atrapalhar o crescimento da
economia, as indicações de um aumento de gastos por parte do governo também
sinalizam um “certo impulso na atividade”.
“E o mesmo
acontece lá fora, com a Europa apresentando dados econômicos melhores, a China
tendo interrompido a política de Covid Zero e o Fed [BC dos EUA] ainda
discutindo a possibilidade de ir mais longe no aumento de juros”, diz Caruso.
“Isso parece
ter empurrado a queda mais forte da atividade para frente, mas tudo indica que
esse tranco vem em algum momento no fim deste ano ou no começo do ano que vem”,
completa.