Justiça nega liberdade a mulher presa por manter afilhada em situação análoga à escravidão por 15 anos em Teresina
Justiça nega liberdade a mulher presa por manter afilhada em situação análoga à escravidão por 15 anos em Teresina
Francisca Danielly Mesquita Medeiros, de 38 anos, foi presa na terça-feira (23). A defesa dela alegou que ela tem dois filhos pequenos, um deles dentro do espectro autista.
Por Lucas Marreiros, g1 PI 26/05/2023 09h15 - Atualizado há uma hora
O
desembargador Sebastião Ribeiro Martins, do Tribunal de Justiça do Piauí
(TJ-PI), negou, na quinta-feira (25), habeas corpus a Francisca Danielly
Mesquita Medeiros, presa na terça-feira (23), por manter afilhada em situação
análoga à escravidão por 15 anos em Teresina. O g1 tentou, mas não conseguiu
contato com a defesa dela.
O advogado
de Francisca Danielly solicitou a prisão domiciliar da cliente sob alegação de
que ela tem dois filhos pequenos, um deles dentro do espectro autista, e que
ela é a única responsável por eles.
Contudo, o
desembargador avaliou que isso não foi comprovado, que foram apresentados
apenas as certidões de nascimento e laudos médicos.
Francisca Danielly foi presa em decorrência de um mandado de prisão temporária após investigação da Polícia Civil motivada por uma denúncia de que ela mantinha uma jovem de 27 anos em cárcere privado e em situação análoga à escravidão.
A prisão
temporária teve prazo de cinco dias. A advogada da vítima informou que aguarda
a conversão da prisão em preventiva. Além da esfera criminal, a acusada também
deverá enfrentar a Justiça do Trabalho.
Mantida em
cárcere privado, situação análoga à de escravidão e sendo agredida quase
diariamente durante 15 anos, Janaína dos Santos, de 27 anos, não se lembra da
data em que faz aniversário, nunca ia ao médico quando sentia dor, nem podia
ter amigos ou sair de casa quando quisesse.
A jovem foi
tirada de casa aos 12 anos durante um feriado da Semana Santa, inicialmente,
apenas para passar alguns dias com a madrinha em Teresina.
Ela vivia
com os pais e seis irmãos mais novos na cidade de Chapadinha, no Maranhão, para
onde nunca mais voltou. Começou então uma rotina de escravidão, agressões,
ameaças e perda de qualquer liberdade.
Ela contou
que era impedida de sair de casa e fazer amizades e era obrigada a realizar
todas as tarefas domésticas na casa de Danielly, sem qualquer remuneração.
“Nunca
recebi salário, sempre vivi sem ajuda, nem pra comprar roupa, ela não me pagava
um centavo. [Para comprar produtos de higiene pessoal] eu pedia ao companheiro
dela, ele me dava dinheiro pra eu comprar. Eu recebia tudo usado, ela só me
dava quando não prestava mais”, relatou.
Segundo ela,
o que ela fazia em casa nunca estava bom. Ela era sempre tratada como
preguiçosa e, quando a dona da casa não estava satisfeita, a agredia.
“Ontem
mesmo ela falou tanto nome que doeu meu coração, e eu nunca respondia ela, ela
me xingava, mas eu não xingava, não dizia nada. Eu não tinha amigos, não podia
sair, a última vez que saí foi segunda-feira, mas ela tomou minha chave, me punia.
Eu só saía pra comprar coisas e voltar pra casa. Eu sentia tristeza, chorava
sozinha, não gostava da minha vida. Pedia a Deus que me tirasse dali”,
contou.
Entre as
violências, ela também não podia sair sequer para ter acompanhamento médico
quando precisava e nunca realizou consultas ginecológicas.
Janaína
disse que nunca foi a um hospital, mesmo quando sofreu com crises de cólica
renal, que causam dores intensas. “Ela me dava uma dipirona pra eu me
sentir bem, mas no médico nunca fui”, relatou.
Janaína
estudava enquanto vivia na casa dos pais, mas desde que veio para Teresina
nunca mais foi à escola, não aprendeu a ler e escrever nem teve qualquer
convivência com outras crianças ou adolescentes. A jovem contou que, agora, a
vontade que tem é de voltar a estudar.
O caso dela
ainda está sendo investigado pela Polícia Civil do Piauí, que deverá concluir o
inquérito nos próximos dias. Enquanto isso, a acusada está presa
temporariamente em uma unidade penal do estado, à disposição da Justiça.