Mais de 10 milhões deixaram pobreza em 2022, aponta estudo; em 9 estados, pobres são maioria da população
Mais de 10 milhões deixaram pobreza em 2022, aponta estudo; em 9 estados, pobres são maioria da população
Segundo oestudo, dois fatores principais estão por trás da queda de pobreza em 2022, que impactou todos os estados brasileiros: a melhora do mercado de trabalho e a expansão de programas de transferência de renda, como o Auxílio Brasil.
Por Clara Velasco, g1 — São Paulo 24/05/2023 04h00 - Atualizado há 4 horas
Mais de 10 milhões de brasileiros
saíram da linha de pobreza no país em 2022. Mesmo assim, a maioria da população
de nove estados segue na pobreza — ou seja, vive com uma renda mensal de até
R$ 665,02.
Estas são as conclusões de um
levantamento do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), obtido com
exclusividade pelo g1 e feito com base em dados de 2022 da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE. O IJSN é um órgão ligado à
Secretaria de Estado de Economia e Planejamento (SEP) do Espírito Santo.
O levantamento aponta que:
– a taxa de pobreza brasileira caiu de
38,2% para 33% entre 2021 e 2022, para um nível mais próximo de 2020;
– mesmo com a queda, o número de
pobres no país ainda é alto: são 70,7 milhões de brasileiros vivendo em
situações precárias; eram 81,2 milhões em 2021
– todos os estados do país tiveram
queda nas taxas de pobreza no último ano;
– os estados com as maiores reduções
foram Roraima (11,7 pontos percentuais) e Sergipe (9,7 p. p.), mas eles seguem
com taxas elevadas, acima de 45%;
mesmo com queda, Maranhão segue como o estado com os maiores indicadores: seis a cada dez maranhenses vivem na pobreza.
Segundo o estudo, dois fatores
principais estão por trás da queda de pobreza em 2022: a melhora do mercado de
trabalho e a expansão de programas de transferência de renda, como o Auxílio
Brasil (leia mais sobre isso abaixo). O programa foi turbinado no último ano do
governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quando ele disputou e perdeu a
eleição presidencial para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Melhora após
recorde de pobreza em 2021
Mesmo com a melhora, os dados apontam
que os indicadores continuam elevados de forma geral.
“A taxa de pobreza alcançada em
2022 retornou a um patamar próximo ao observado em 2020, que era de 32,7%”, diz
Pablo Lira, doutor em Geografia e Diretor-Presidente do IJSN.
A queda do ano passado fica ainda mais
evidente porque 2021 teve a taxa de pobreza mais alta dos últimos 11 anos.
Segundo dados divulgados pelo IBGE no
final do ano passado, a pandemia da covid-19 fez disparar a pobreza no Brasil.
Com isso, o número de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza bateu
recorde em 2021 – fato que é confirmado pelos dados da pesquisa do IJSN, como é
possível ver no gráfico abaixo.
A pesquisa mostra ainda que o número
de brasileiros vivendo na extrema pobreza — ou seja, com até R$ 208,73 por mês
— também diminuiu, recuando de 20 milhões em 2021 para 13,7 milhões em 2022.
Isso significa que, no ano passado, 6,4% da população vivia nestas condições.
O pico também foi em 2021, com 9,4%.
Mas o estudo destaca que, mesmo com a queda em 2022, os números também são
considerados altos.
“A taxa de miséria brasileira mais
recente é superior aos valores constatados em países como Colômbia (6,6%) e
México (3,1%), segundo as estatísticas do Banco Mundial”, diz Lira.
O cenário nos
estados brasileiros
A pesquisa também destaca um dado
alarmante: das 27 unidades da federação, 9 têm a maior parte da população
composta por pessoas em situação de pobreza. Veja a lista:
Maranhão (58,9%)
Amazonas (56,7%)
Alagoas (56,2%)
Paraíba (54,6%)
Ceará (53,4%)
Pernambuco (53,2%)
Acre (52,9%)
Bahia (51,6%)
Piauí (50,4%)
Como é possível ver acima, os estados
estão concentradas no Norte e no Nordeste — regiões que tiveram os maiores
avanços na pobreza durante a pandemia, como o IBGE apontou no final de 2022.
Essa situação fica evidente no mapa
abaixo, em que é possível perceber que os estados do Norte e do Nordeste têm,
de fato, indicadores mais altos que o resto do país — quanto mais escuro for o
vermelho, maior é a proporção da população que vive abaixo da linha da pobreza.
Maranhão, inclusive, já encabeçava o
ranking de estado com a população mais pobre do país em 2021, segundo o
levantamento. Mas o indicador do estado melhorou de um ano para o outro: passou
de 67,5% da população para 58,9%.
A pobreza afeta pessoas como a
vendedora ambulante Madalena Pereira, que mora numa comunidade na periferia de
São Luís. Ela vive com a neta e tem renda de R$ 600 mensais. Madalena costuma
fazer uma das refeições em um restaurante popular mantido pelo governo do
Maranhão que oferece comida a R$ 1, mas lida com a falta de recursos.
“Às vezes a gente não tem nem
esse um real [para pagar o prato de comida]”, diz.
Já as menores taxas de 2022 foram
contabilizadas no Rio Grande do Sul (18,2%), no Distrito Federal (17,3%) e em
Santa Catarina (13,9%).
Veja o ranking
completo dos estados:
Proporção da população que vive abaixo
da linha de pobreza:
Maranhão: 58,9%
Amazonas: 56,7%
Alagoas: 56,2%
Paraíba: 54,6%
Ceará: 53,4%
Pernambuco: 53,2%
Acre: 52,9%
Bahia: 51,6%
Piauí: 50,4%
Amapá: 49,4%
Pará: 49,1%
Sergipe: 47,9%
Roraima: 46,8%
Rio Grande do Norte: 46,2%
Tocantins: 35,8%
Rondônia: 31,1%
Rio de Janeiro: 29,1%
Minas Gerais: 27,5%
Espírito Santo: 26,8%
Goiás: 24%
Mato Grosso: 23,3%
Mato Grosso do Sul: 23%
Paraná: 21,3%
São Paulo: 20,4%
Rio Grande do Sul: 18,2%
Distrito Federal: 17,3%
Santa Catarina: 13,9%
O que está por
trás da queda em 2022?
O levantamento destaca que, depois de picos históricos registrados em 2021, as taxas de pobreza e extrema pobreza caíram em 2022 por conta, em parte, da expansão de programas de transferência de renda, como o Auxílio Brasil.
“Em 2022, ano eleitoral, o governo
federal buscava implementar o Auxílio Brasil com valor de R$ 400. Esse valor
foi elevado para R$ 600 pela atuação do Congresso Nacional, o que contribuiu
para diminuir a vulnerabilidade social”, diz Pablo Lira.
O estudo aponta que o alcance do
Auxílio Brasil cresceu muito entre 2021 e 2022. Em 2021, 8,6% dos domicílios
brasileiros eram de beneficiários do programa; um ano depois, a proporção
aumentou para 16,9%.
Segundo anúncio do próprio governo
federal em novembro do ano passado, o programa bateu recorde naquele mês ao
atingir 21,53 milhões de famílias.
Em dezembro de 2022, o Tribunal de
Contas da União (TCU) apontou que a quantidade de famílias beneficiadas
aumentou de 18 milhões em março de 2022 para 21,1 milhões em outubro – o que
foi considerado pelo tribunal um excesso, já que análises estimavam que o
número de famílias elegíveis para o programa em 2022 era de 17,62 milhões.
“Ademais, vários governos
estaduais e municipais expandiram [programas de transferência de renda] ao
longo dos últimos anos. O Espírito Santo é um exemplo disso. O estado conta com
o Bolsa Capixaba e outros benefícios que complementam os repasses para pessoas
inscritas no CadÚnico”, detalhou Lira.
O pesquisador também diz que, de forma
nacional, “foi observada uma melhoria nos indicadores de mercado de
trabalho”.
“Uma evidência disso foi o recuo
na taxa de desemprego de 13,2% em 2021 para 9,3% em 2022, segundo informações
da PNAD/IBGE”, diz Lira.
Políticas
públicas e transferência de renda
O pesquisador afirma ainda que, nos
últimos anos, o país retornou ao Mapa da Fome da ONU e a questão histórica da
miséria voltou a atormentar a vida dos brasileiros.
“É fato que a pobreza e extrema
pobreza reduziram em 2022. Entretanto, ainda há um longo caminho para a
reconstrução e reestruturação de políticas públicas de assistência social
efetivas e com caráter de estado, que perpassem governos. Nesse sentido, será
possível consolidar uma tendência de diminuição desses problemas”, diz Lira.
“Por fim, considerando os recentes aprimoramentos
proporcionados pela retomada do programa Bolsa Família, bem como levando em
conta os efeitos do Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência (BPC-LOAS)
e de outras políticas públicas de assistência social nas escalas federal,
estadual e municipal, a pobreza e a extrema pobreza provavelmente seguirão em
tendência de redução em 2023”, afirma.
Como as taxas são
feitas
O Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) é uma autarquia governamental vinculada à Secretaria de Economia e Planejamento (SEP) do Estado do Espírito Santo.
Para o cálculo das taxas, foram
consideradas as linhas de pobreza e extrema pobreza estabelecidas pelo Banco
Mundial — ou seja, US$ 6,85 per capita/dia e US$ 2,15 per capita/dia,
respectivamente.
Os valores foram convertidos pela
Paridade de Poder de Compra (PPC/2017), que é um método alternativo à taxa de
câmbio e leva em conta o valor demandado para adquirir a mesma quantidade de
bens e serviços no mercado interno de cada nação em comparação com o mercado
norte-americano.
Assim, as referências mensais das linhas de pobreza e extrema pobreza tomadas como limites foram R$ 665,02 e R$ 208,73, a valores de 2022.