Marco legal das criptomoedas: o que muda com a lei que passa a valer nesta semana
Marco legal das criptomoedas: o que muda com a lei que passa a valer nesta semana
Para especialistas ouvidos pelo g1, a nova legislação pode ajudar a evitar golpes como o caso do ex-jogador do Palmeiras Gustavo Scarpa, que teve prejuízo milionário ao investir em uma empresa que dizia operar com esse tipo de ativo.
Por André Catto, g1 18/06/2023 14h50 - Atualizado há 18 horas
O marco legal dos criptoativos,
sancionado em dezembro de 2022 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), passa a
valer nesta semana. Entre os principais pontos, o texto inclui no Código Penal
a punição contra fraudes e define regras para as exchanges (casas de negociação
de criptomoedas).
A nova legislação, recebida com bons
olhos pelo setor, complementa as leis que regem o sistema financeiro e abre espaço
para uma regulamentação mais detalhada sobre operações com criptoativos. Até
então, as regras não eram adaptadas para as operações que envolvem serviços de
ativos virtuais.
Para especialistas ouvidos pelo g1, o novo marco pode ajudar a evitar golpes como o caso do ex-jogador do Palmeiras Gustavo Scarpa, que teve um prejuízo de R$ 6,3 milhões ao investir em uma empresa que operava com criptomoedas, indicada pelo seu ex-colega de equipe, Willian Bigode (leia mais abaixo).
Apesar de aprovada no fim do ano
passado, a legislação tinha 180 dias para entrar em vigor — período para
adaptação das corretoras que atuam no mercado. A partir de agora, os operadores
são obrigados a cumprir com as normas estabelecidas.
Em decreto publicado na última
quarta-feira (14) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ficou
estabelecido que o Banco Central do Brasil (BC) será a autarquia responsável
por regulamentar e monitorar esse mercado.
Nesta reportagem, você vai conferir:
– O que são criptoativos
–
O que muda com a nova legislação?
– A função do Banco Central
– Segurança e reflexos para os
investidores
O que são
criptoativos
Criptoativos são bens virtuais,
protegidos por criptografia, com registros exclusivamente digitais — ou seja,
não são ativos físicos. As operações podem ser feitas entre pessoas físicas ou
empresas, sem a necessidade de passar por uma instituição financeira.
Entre os criptoativos, estão, por
exemplo, as criptomoedas, como o Bitcoin. A categoria também envolve outros
produtos, como tokens (contratos que representam a custódia de algum ativo) e
stablecoins (moedas vinculadas a outros ativos, como o dólar, por exemplo).
Ainda fazem parte desse mercado as
moedas-meme, que têm chamado atenção após valorizações expressivas — mesmo
sendo baseadas apenas em especulação. É o caso da Pepecoin, que avançou quase
7.000% em valor de mercado em menos de 20 dias de existência.
O que muda com a
nova legislação?
Na prática, o texto estabelece uma
estrutura jurídica, considerada por especialistas um primeiro passo para
regulamentação desse mercado.
“Um dos pontos mais importantes é
que agora vamos começar a tratar o tema dentro de uma lei específica e que vai
trazer inspiração para novas regulações”, explica Renato Opice Blum,
advogado especialista em direito digital.
O novo marco legal inclui no artigo 171 do Código Penal (que trata de estelionato) um trecho específico que torna crime irregularidades envolvendo criptoativos. O crime de fraude com a utilização de ativos virtuais ficou definido como:
organizar, gerir, ofertar ou
distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais,
valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem
ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante
artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.
A pena, para esses casos, é de quatro
a oito anos de reclusão, além de multa.
Outro destaque é que as prestadoras de
serviços de ativos virtuais, as exchanges, agora só poderão funcionar no Brasil
após autorização prévia do Banco Central.
Segundo o presidente da Associação
Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto), Bernardo Srur, o mercado de
criptomoedas vinha, até então, operando com supervisão limitada.
“Estivemos concentrados em
iniciativas antilavagem de dinheiro, mas sem uma linha condutora do ponto de
vista legal. Agora, com o marco, temos esse primeiro norte, que deve criar um
cenário regulatório menos fragmentado”, diz.
Para ele, a garantia de segurança
jurídica com a nova legislação deve alavancar investimentos no mercado de
criptoeconomia brasileiro.
“Dados da Receita Federal dão
conta de que, em 2022, o mercado encerrou com um montante total de R$ 195,5
bilhões em transações declaradas por investidores, contra pouco mais de R$
206,6 bilhões em 2021”, lembra.
A função do Banco
Central
Conforme decreto publicado por Lula na
última quarta-feira, o Banco Central será responsável por regular a prestação
de serviços de criptoativos, além de autorizar e supervisionar as operadoras do
setor. A escolha do BC já era esperada pelos especialistas da área.
“É uma ótima notícia para o
mercado. Confio que teremos mais clareza para poder alavancar as boas empresas
nacionais e trazer mais investimento para cá”, diz Henrique Conte, sócio
da Insignia Digital Assets.
O decreto presidencial distingue os criptoativos
(digitais) dos valores mobiliários, como ações, debêntures, bônus e contratos
futuros.
Felipe Brasileiro, COO da LoopiPay,
ressalta que o BC será responsável pela regulação do setor exceto quando o
ativo for enquadrado como valor mobiliário. Nesse caso, a competência será da
Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão ligado ao Ministério da Fazenda.
“Isso mostra que o Brasil está
caminhando para formalização do setor e que há interesse dos reguladores em
encontrar, através do diálogo, as melhores formas de implementar essa
inovação”, diz.
O advogado Renato Opice Blum lembra,
no entanto, que ainda serão necessárias regras mais detalhadas do BC, que devem
ser feitas por meio de uma resolução.
“O Banco Central terá que regular
toda a estrutura que não envolva valores mobiliários: quais serão as operações
permitidas, as regras, o que as exchanges deverão ter, se deverão se credenciar
ou garantir algum seguro, qual vai ser o capital social. Aí, sim, teremos uma
disrupção na estrutura da negociação das criptomoedas”, explica.
Questionada pelo g1 sobre quando uma
nova regulamentação deve ser publicada, a autoridade monetária não se
pronunciou até a última atualização desta reportagem.
Segurança e
reflexos para os investidores
Isac Honorato, presidente do Cointimes
e especialista parceiro da Foxbit, afirma que a função do Banco Central de
liberar licenças para empresas do setor vai garantir mais segurança para as
pessoas que estão iniciando nesse mercado.
“O marco legal deve ajudar a
evitar principalmente as práticas de golpe, já que a legislação tende a ser
mais rigorosa. Essa é uma forma de diminuir as ações fraudulentas utilizando
criptomoedas”, diz.
Para ele, há relação direta com casos
como o do ex-jogador do Palmeiras Gustavo Scarpa, que teve prejuízo milionário
ao investir em uma consultoria que dizia fazer operações com criptomoedas.
Conforme revelou o g1, a empresa
indicada pelo ex-colega de clube Willian Bigode não tinha autorização para
operar no mercado.
Isac explica que o foco, agora, é
justamente aumentar essa fiscalização e evitar que pessoas ou empresas consigam
atuar de maneira independente no setor de criptoativos.
“Com a regulação do BC, você terá
que, no mínimo, pedir licença para participar do jogo. Fazendo um comparativo:
não é qualquer pessoa que consegue abrir um banco. Isso vale para o setor.
Agora, vamos começar a dificultar a entrada de quem quer aplicar golpes, e ter
penas mais duras”, conclui.
O advogado Opice Blum afirma que a
nova legislação deve melhorar esse cenário, especialmente, por dois motivos:
– haverá um filtro mais apurado, com
exigência de um número maior de documentações, junto à definição de obrigações
estabelecidas pelo BC para operação das exchanges;
– e, por fim, a inclusão do crime de
fraude com criptomoedas no Código Penal brasileiro.