Mesmo com arcabouço fiscal, mercado vê déficit zero só em 2028 e dívida pública crescente
Mesmo com arcabouço fiscal, mercado vê déficit zero só em 2028 e dívida pública crescente
Área econômica tem prometido zerar o déficit nas contas do governo no próximo ano. Tesouro Nacional prevê que a dívida pública se estabilizará abaixo de 80% do PIB até 2026 e depois terá recuo.
Por Alexandro Martello, g1 — Brasília
O mercado
financeiro estima que o setor público registrará superávit em suas contas
somente em 2028 e que a dívida pública brasileira continuará crescendo nos
próximos anos – atingindo 89% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2032. Em junho,
o endividamento somou 73,6% do PIB.
As
informações constam no relatório “Focus”, divulgado pelo Banco
Central. O levantamento ouviu mais de 100 instituições financeiras, na semana
passada, sobre as projeções para a economia.
As projeções
do mercado não coincidem com o discurso da área econômica. O Ministério da
Fazenda tem informado que busca um saldo positivo nas contas do governo já a
partir de 2024, enquanto o Tesouro Nacional estima que a dívida pública se
estabilizará abaixo de 80% do PIB até 2026 e depois terá recuo.
As contas do
setor público englobam também estados, municípios e estatais, mas o peso do
governo nas contas públicas é muito grande. Do superávit de R$ 125 bilhões em
2022, por exemplo, cerca de metade do valor veio do resultado do governo.
Arcabouço fiscal
Os objetivos
da equipe econômica, divulgados por meio do arcabouço fiscal, contemplam uma
banda para as metas de suas contas, que ficaria entre um saldo negativo de
0,25% do PIB em 2024 e um superávit da mesma magnitude. E que as contas do
governo voltem necessariamente ao azul a partir de 2025.
Se as metas
fiscais não forem atingidas, os gastos poderão crescer menos (50% do aumento
real da receita, em vez de 70%) nos próximos anos – de acordo com o arcabouço
fiscal. A alta real de gastos, ainda segundo a nova regra para as contas
públicas, ficará entre 0,6% e 2,5% ao ano.
O texto do
arcabouço fiscal já passou pela Câmara e pelo Senado Federal, mas ainda precisa
passar por uma nova análise dos deputados para ter validade. O ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, acredita que o tema será pautado nas próximas semanas.
Mesmo com o
projeto de arcabouço fiscal, que prevê saldos positivos de 2025 em diante (e da
promessa do governo de déficit zero já em 2024), a projeção dos analistas
consultados pelo BC é de que as contas do setor público consolidado terão um
saldo negativo até 2027 (-0,15% do PIB naquele ano), e que, de em 2028 em
diante, passarão a ter superávits (que somará 0,25% do PIB em 2028).
Segundo o
ex-secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, economista da ASA
Investments, o mercado não acredita em déficit zero no próximo ano porque a
proposta de arcabouço fiscal contempla um aumento real das despesas de 0,6% a
2,5% ao ano.
Ele observou
que os analistas não estão vendo o impacto na arrecadação das medidas já
anunciadas no começo deste ano, assim como de decisões judiciais tomadas
relacionadas com a exclusão do ICMS do cálculo de PIS e Cofins e o abatimento
de incentivos fiscais concedidos pelos estados da base de cálculo do IRPJ e da
CSLL.
“Até
agora, a Receita Federal não mostrou onde está o ganho da arrecadação. Tudo
aquilo que o ministro anunciou como vitória, como medida, a gente não está
vendo na arrecadação”, disse Jeferson Bittencourt, da ASA Investments, ao
g1.
Ele
destacou, também, que as medidas adicionais para aumentar a receita que o
governo prometeu implementar nos próximos meses, como o fim dos juros sobre
capital próprio ou taxação de fundos exclusivos, ainda precisam passar pelo
Congresso e há uma percepção de que isso não será fácil. “Há sérias
dúvidas sobre a viabilidade política”, disse Bittencourt.
Aumento permanente de gastos
A piora das
contas públicas que está sendo vista neste ano, que o governo busca reverter
com aumento da arrecadação, está relacionada, principalmente, com a alta das
despesas autorizada por meio da proposta de emenda constitucional (PEC) da
transição, aprovada no fim do ano passado pelo governo eleito do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva.
Com a mudança, o governo obteve autorização para gastar R$ 168,9 bilhões a mais neste ano. Parte do valor foi usado para tornar permanente o benefício de R$ 600 do Bolsa Família. Também foram recompostos gastos em saúde, educação e bolsas de estudo, entre outras políticas públicas.
Por meio do
arcabouço fiscal, que foca principalmente no aumento de arrecadação, a área
econômica busca autorização do Legislativo para que esses gastos se tornem
permanentes.
Apesar do
anúncio de medidas de aumento de receita, economistas têm criticado a ausência
de ações mais concretas por parte da área econômica para cortar gastos
públicos.
O
reequilíbrio das contas públicas é considerado importante pelo mercado
financeiro para evitar uma disparada da dívida brasileira – indicador que é
acompanhado com atenção pelas agências de classificação de risco.
Jeferson
Bittencourt disse que o governo passou o primeiro semestre discutindo o
arcabouço fiscal e não apresentou, até o momento, medidas de redução de
despesas. “Como vai pagar a conta dos R$ 170 bilhões de dezembro [da PEC
da transição]?”, questionou.
Dívida pública
Ao mesmo
tempo, as estimativas do mercado financeiro contemplam crescimento da dívida
pública brasileira nos próximos anos, ao contrário das projeções do Tesouro Nacional
– atingindo 89,1% do PIB em 2032.
A relação
entre dívida e PIB é um indicador relevante para o mercado financeiro,
interpretado como um sinal da capacidade do país de honrar seus compromissos
financeiros de curto, médio e longo prazo. Quanto maior a dívida em relação ao
PIB, maior o risco de um calote em momentos de crise.
Em junho
desse ano, a dívida pública permaneceu em 73,6% do PIB, o equivalente a R$ 7,59
trilhões. Na comparação com o final do ano passado, quando estava em R$ 7,22
trilhões, ou 72,9% do PIB, porém, houve uma alta de 0,7 ponto percentual.
De acordo
com o questionário enviado pelo Banco Central ao mercado financeiro antes da
última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que resultou na queda
da taxa básica de juros em 0,5 ponto percentual, para 13,25% ao ano, a projeção
para a dívida bruta, em 2032, é de 91% do PIB.
“Se
nossas projeções de primário se confirmarem (isto é, meta de primário rompida),
a dívida/PIB subiria de 72,9% em 2022 para 76,1% em 2023 e 79,2% em 2024,
terminando 2032 em 91,1%. Sem regra de gastos, a dívida/PIB alcançaria 101,6%
nesse prazo”, estimou Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena e
ex-diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), em rede social.
Acima de 90%
do PIB, a dívida brasileira poderá superar o patamar da União Europeia, das
nações emergentes e estar bem acima do estimado pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI) para a América Latina. As previsões, entretanto, vão
somente até 2027.
Segundo o
Tesouro Nacional, suas estimativas indicam que, após a aprovação do arcabouço
fiscal pelo Congresso Nacional, a dívida se estabilizará abaixo de 80% do PIB
até 2026 e continuará sua trajetória queda nos anos seguintes.