MP da Mata Atlântica: as idas e vindas do texto que afrouxa a proteção, e os próximos passos
MP da Mata Atlântica: as idas e vindas do texto que afrouxa a proteção, e os próximos passos
Deputados incluíram na medida provisória da gestão Bolsonaro trecho que facilita desmatamento do bioma. Dispositivo foi retirado pelo Senado, mas reinserido em nova votação na Câmara. Agora, MP vai à sanção presidencial.
Por g1 — Brasília 26/05/2023 04h00 - Atualizado há 7 horas
Com a
aprovação da medida provisória da Mata Atlântica pela Câmara na quarta-feira
(24), o presidente Lula terá 15 dias úteis para analisar o texto com as
modificações feitas pelo Congresso.
O prazo
começa a contar a partir do envio pelo Legislativo ao Executivo do chamado
Projeto de Lei de Conversão resultante da MP 1.150/2022.
O petista
poderá sancionar a versão aprovada pelo Congresso Nacional na íntegra, ou vetar
todo o texto ou partes dele.
Em abril, o
ministro Alexandre Padilha, responsável pela articulação política do governo,
disse que Lula não tem “compromisso” com a sanção de trechos que
afrouxam o combate ao desmatamento na Mata Atlântica.
Em entrevista à GloboNews nesta quinta-feira (25), Padilha indicou que o governo deve vetar os trechos que comprometem a Mata Atlântica. Ele classificou esses pontos como “agressão”.
Dispositivos
que facilitam o desmatamento do bioma acabaram ficando no texto final aprovado
pelos deputados, após idas e vindas.
Ainda que
Lula barre esses trechos, caberá ao Congresso, em sessão conjunta de deputados
e senadores, dar a palavra final, mantendo ou derrubando os vetos
presidenciais.
Veja nesta
reportagem o caminho percorrido pela MP, as mudanças que podem prejudicar a
Mata Atlântica e o que dizem especialistas:
Edição da
MP
Enviada ao
Congresso pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) no fim do seu mandato, em
26 de dezembro de 2022, a MP originalmente tratava somente da prorrogação por
180 dias do prazo para que proprietários de imóveis rurais aderissem ao
Programa de Regularização Ambiental (PRA).
A pedido de
ruralistas, o prazo foi prorrogado pela sexta vez com a edição da MP – o que
suspendeu multas por desmatamento ilegal, e adiou o início do reflorestamento
das áreas afetadas.
Na
justificativa, o governo Bolsonaro disse que a regularização dos imóveis rurais
contribuiria “para que a produção agropecuária nacional esteja cada vez
mais alinhada ao novo contexto global de enfrentamento às mudanças do clima,
sem prejuízos à segurança alimentar”.
1ª
análise na Câmara
A primeira
vez que os deputados votaram o texto no plenário principal da Câmara foi no dia
30 de março.
Os
parlamentares aprovaram a MP com mudanças propostas pelo deputado ruralista
Sergio Souza (MDB-PR). Souza, que é presidente da Frente Parlamentar da
Agropecuária, havia inserido trechos que alteravam e afrouxavam a Lei da Mata
Atlântica (Lei 11.428/2006).
Entre outros
pontos, o relator:
– Flexibilizou
o desmatamento de vegetação primária e secundária em estágio avançado de regeneração;
– Acabou com
a necessidade de parecer técnico de órgão ambiental estadual para desmatamento
de vegetação no estágio médio de regeneração em área urbana;
– Acabou com
a exigência de medidas compensatórias para a supressão de vegetação fora das
áreas de preservação permanente, em caso de construção de empreendimentos
lineares;
– Acabou com
a necessidade de estudo prévio de impacto ambiental e da coleta e transporte de
animais silvestres para a implantação de empreendimentos lineares.
Congressistas
contrários às alterações e especialistas em meio ambiente classificaram as
modificações aprovadas como “jabutis” – termo frequentemente
utilizado por parlamentares para se referirem sem relação com o tema original
de uma proposta.
Aprovada na
Câmara, a MP seguiu para análise dos senadores.
Votação
no Senado
O texto
chegou ao Senado no dia 10 de abril e, depois de mais de um mês, foi analisado
no plenário da Casa no dia 16 de maio.
Depois de
muita discussão, os senadores decidiram excluir da proposta todos os pontos que
promoviam mudanças na Lei da Mata Atlântica.
Os senadores
entenderam que, regimentalmente, os “jabutis” da Câmara não poderiam
permanecer no texto por serem estranhos ao objetivo inicial da medida
provisória editada por Bolsonaro.
Com a
mudança feita pelo Senado, o texto foi reenviado para nova votação na Câmara.
Na ocasião, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) manifestou preocupação com a
possibilidade de os deputados “ressuscitarem” as medidas excluídas
pelos senadores.
Câmara
ignora Senado
Nesta
quarta-feira (24), os deputados voltaram a analisar a MP. Relator do texto,
Sérgio Souza propôs, na prática, que a Câmara ignorasse as exclusões feitas
pelos senadores.
Ele
argumentou que o Senado removeu os pontos controversos, mas não retirou da
Câmara o poder de decisão da Câmara sobre o texto final, que será enviado à
sanção presidencial.
Por se
tratar de uma medida provisória, o texto começa a tramitar pela Câmara e volta
para reexame da Casa quando senadores alteram o texto inicialmente aprovado
pelos deputados.
A ação do
relator, referendada pela maioria dos deputados, provocou protesto de
parlamentares ligados ao meio ambiente.
“O
relator devolveu à matéria aquilo que foi retirado pelo Senado justamente por
ser matéria alheia ao objeto original que trata a medida provisória. […] Aqui
se colocou um jabuti gigante, enorme, que é a previsão de desmontar a Mata
Atlântica, que foi uma conquista fundamental para preservar o bioma mais
desmatado do país”, disse a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS).
Em resposta
à deputada do PSOL, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou
“o Senado não tem base regimental” para decidir o que é matéria
estranha.
‘Boiadas’
Após a retomada dos pontos controversos, entidades ligadas ao meio ambiente reagiram e classificaram como “noite das boiadas” a sessão da Câmara em que a MP foi votada pela segunda vez.
O termo
“boiada” faz referência a uma declaração, dada em 2020 por Ricardo
Salles, então ministro do Meio Ambiente, que defendeu passar “a
boiada” e “mudar” regras do setor ambiental enquanto a atenção
da mídia estivesse voltada para a Covid-19.
“O que
vimos ontem foi a noite das boiadas. Sabemos que o Congresso hoje é
antiambientalista, ruralista e bolsonarista. A decepção ficou por conta do
governo, que aceitou essa negociação e entregou as agendas. O governo abriu a
porteira para a boiada que o Congresso desejou passar”, disse Marcio Astrini,
secretário-executivo do Observatório do Clima.
Para a
Fundação SOS Mata Atlântica, os jabutis colocam novamente a floresta “em
risco”.