Novo pacote de Milei pode taxar brasileiros que estudam na Argentina
Novo pacote de Milei pode taxar brasileiros que estudam na Argentina
Presidente argentino defende medidas como parte de uma 'revolução liberal'. Novo conjunto de leis dá mais poder ao líder do país e ao livre mercado, além de diminuir ao mínimo a intervenção do Estado.
Por RFI
O presidente
argentino, Javier Milei, enviou ao Congresso um pacote de leis que estabelece
uma nova matriz econômica na qual o livre mercado é a regra e a intervenção do Estado
fica limitada à exceção.
São 664
artigos que, combinados com os 366 do decreto da semana passada, definem as
mais de mil alterações que o novo governo quer para a sua pretendida “revolução
liberal”.
As medidas
visam atrair investimentos, diminuir o tamanho e a burocracia do Estado e
atribuir ao Executivo poderes sobre matérias que precisariam do aval do
Legislativo. Algumas medidas endurecem penas sob a premissa da lei e da ordem.
O novo
pacote ainda está sendo interpretado pelos argentinos, mas é possível afirmar
que a medida traz um novo paradigma econômico e social, com vertentes liberais.
Essa ideia de refundação aparece logo no título do pacote: “Lei de bases e de
pontos de partida para a liberdade dos argentinos”.
O texto diz que “o objetivo é promover a iniciativa privada por meio de um regime jurídico que garanta a liberdade e que limite a intervenção do Estado”. O pacote terá de passar por um Congresso, onde os governistas são minoria absoluta.
O governo
solicita ao Congresso a concessão de poderes legislativos em diversos terrenos
sob o argumento da emergência pública em matéria econômica, financeira, fiscal,
social, previdenciária, tarifária, energética, sanitária, em segurança e em
defesa.
Essa ‘carta
branca’ seria por dois anos, prorrogáveis por outros dois. Ou seja: até o final
do mandato de Javier Milei. O presidente teria superpoderes para decidir sobre
essas matérias sem passar pelo Parlamento. Esse aspecto já é motivo de críticas
e deve sofrer uma forte resistência dos legisladores que têm até o dia 31 de
janeiro para tratarem das medidas.
Além desses
664 artigos, o governo ainda pede ao Congresso que aprove o megadecreto da
semana passada com 366 artigos que reformam o Estado, flexibilizam o mercado de
trabalho e desregulam a economia.
O Brasil
aparece como inspiração para a aplicação de uma espécie de Enem, mas o que mais
deve afetar os brasileiros é a possibilidade de cobrança pelo ensino
universitário, atualmente gratuito.
Na
Argentina, há mais de 10 mil estudantes universitários brasileiros. A maioria
está em Buenos Aires e estuda Medicina na universidade pública e gratuita. Se o
pacote de Milei for aprovado, as universidades ficam habilitadas a cobrar a
todos os estrangeiros que não tiverem a residência.
Ou seja: os
brasileiros que são atraídos pela qualidade do ensino, pela gratuidade e pela
ausência de vestibular na Argentina poderão ser cobrados.
Mas o texto
também abre uma brecha: diz que a universidade poderá implementar um sistema de
bolsas financiado por convênios com outros países ou com instituições privadas
estrangeiras.
Sistema eleitoral
Essa reforma
é uma das mais profundas. As eleições na Argentina poderão ficar mais parecidas
com as brasileiras. Primeiro, porque acaba com as eleições primárias abertas e
obrigatórias, algo incomum no mundo. Segundo, porque os argentinos podem passar
a votar numa cédula única. Atualmente, cada candidato imprime a sua, algo
também incomum no mundo. Terceiro, os argentinos vão poder votar diretamente
naquele candidato a legislador que preferirem, como no Brasil. Atualmente, são
obrigados a escolher uma lista já definida pelo partido. Em quarto lugar, a
composição da Câmara de Deputados pode mudar.
O argumento
para essa mudança é a representatividade de cada jurisdição proporcional à
população, mas a mudança beneficiaria Javier Milei que poderia conseguir
ampliar significativamente o número de deputados dentro de dois anos, quando
houver uma renovação parcial da Câmara.
Atualmente,
os governistas representam apenas 15% da Câmara de Deputados e 10% do Senado.
Por isso, a aposta de Milei é ousada: visa fazer uma revolução liberal sem ter
maioria parlamentar.
Sonegação legalizada
O governo
quer promover uma legalização de capitais e bens não declarados. Os cálculos do
Banco Central indicam que os argentinos têm mais de US$ 300 bilhões fora do
sistema, a maior parte no exterior.
Quem trouxer
ao país ou declarar o equivalente até US$ 100 mil fica isento de pagar qualquer
imposto e não precisa justificar nada. Acima disso, haverá um tributo, mas
baixo.
O empresário
que legalizar os funcionários que hoje trabalham sem carteira assinada terá o
perdão de infrações, multas e sanções.
O presidente
Javier Milei quer carta branca para vender 41 empresas estatais, incluindo a TV
pública, a agência de notícias do Estado e até a Casa da Moeda.
Atualmente,
para um presidente negociar um crédito com algum organismo multilateral precisa
do aval do Congresso. Milei quer liberdade para contrair dívida sem passar pelo
Parlamento. Isso significa que o governo quer negociar com o FMI um novo
empréstimo.
Sem burocracias
Os casais
que quiserem o divórcio de comum acordo, terão um “divórcio express” sem a
necessidade de advogado.
Acabam as
franquias para quem trouxer compras do exterior. Deixa de existir aquele limite
de compras isentas de tarifa para quem traz compras na mala.
A revenda de
ingressos para eventos esportivos será legalizada, como é hoje nos Estados
Unidos, por exemplo. Uma pessoa vai poder comprar uma entrada e revender por um
preço superior e sem limite através de alguma plataforma. Ou seja: o cambista
fica legalizado.
Linha-dura
Um dos
capítulos mais polêmicos é o que se refere a mudanças no código penal, visando
a lei e a ordem.
O governo
quer combater a violência aumentando as penas contra os delinquentes, ficando
do lado dos cidadãos que se defenderem e protegendo policiais. Ao mesmo tempo,
reforça o protocolo antibloqueio, aquele que proíbe o bloqueio de avenidas e estradas
como forma de protesto.
O novo
projeto amplia a interpretação sobre o direito à defesa de uma vítima de um delito.
No caso de um policial, um agente também ganha mais margem de ação contra
criminosos. A resistência à autoridade e a agressão a um policial terão penas
de prisão agravadas.
Os controles sobre manifestações também endurecem. Os manifestantes terão de notificar ao governo sobre um protesto. O governo, por sua vez, poderá negar o pedido por razões de segurança e propor mudanças de lugar e de data. Quem bloquear uma via para protestar poderá ter prisão efetiva. Os organizadores serão responsabilizados, mesmo que não estejam no protesto.
“A ordem nas
ruas tem um apoio popular muito grande (75%) e o presidente fez dessa bandeira
um lema de campanha. Existe um grande desprestígio das organizações sociais que
fizeram da pobreza um negócio com o uso de bloqueios. Em média, os líderes
cobram 10% do valor dos planos sociais e exigem que os beneficiários participem
dos protestos se não quiserem perder os planos”, descreve à RFI o analista
Patricio Giusto, um dos maiores especialistas na matéria.
Desde 2009,
a consultora de Patricio Giusto, Diagnóstico Político, é uma referência no que
se refere a medir o conflito social.
Todos os
anos, são mais de 6.000 bloqueios de avenidas e estradas em todo o país, a maioria
na cidade de Buenos Aires.
Em 2022,
houve um recorde de 8.861 bloqueios. Até novembro de 2023, já foram 7.769
bloqueios, sendo agosto o mês com mais protestos com essa modalidade: 882. Em
novembro, foram 568 bloqueios em todo o país, sendo 50 na cidade de Buenos
Aires. São quase dois bloqueios por dia nas principais vias da capital
argentina.
Nesta
quarta-feira, a Confederação Geral do Trabalho liderou um protesto contra um
decreto de Javier Milei. Pediram autorização e pagaram um seguro contra danos.
Mais de 20 mil pessoas protestaram de forma ordenada. No final da manifestação,
sete pessoas foram presas por tentarem bloquear uma avenida. Os lojistas que
tiveram prejuízo por não venderem vão poder acionar o seguro.
Antibloqueio x antimanifestação
O ‘protocolo
antibloqueio’ não proíbe as manifestações, garantidas pela Constituição, mas
proíbe o bloqueio de ruas. Isso significa que os manifestantes devem andar pela
calçada até uma praça ou espaço público, sem interromper o trânsito de
veículos. O direito de manifestação não deve, em nenhum momento, afetar o
direito de circulação.
“Ao alegar o
direito à circulação, o que esse protocolo pretende é reverter um direito
fundamental como o direito ao protesto. O que há por trás desse argumento é a
criminalização do protesto”, interpreta à RFI Victoria Darraidou, coordenadora
da Equipe de Políticas de Segurança e Violência Institucional do Centro de
Estudos Legais e Sociais (CELS).