Operação na Cracolândia mira GCMs suspeitos de participação em milícia e traficantes investigados por venda de armas
Operação na Cracolândia mira GCMs suspeitos de participação em milícia e traficantes investigados por venda de armas
Autoridades foram à região do Centro de SP conhecida pela venda e pelo consumo de drogas para tentar cumprir sete mandados de prisão preventiva contra os investigados.
Por TV Globo e g1 SP* — São Paulo
Forças de
segurança iniciaram nesta terça-feira (6) uma operação na Cracolândia, região
conhecida pela venda e pelo consumo de drogas no Centro de São Paulo. A ação
tem como alvo prender três guardas-civis metropolitanos e um ex-agente da
Guarda Civil Metropolitana (GCM) suspeitos de integrarem uma milícia e dois
traficantes de drogas investigados por venda de armas.
A
investigação apura se a milícia da qual os agentes e o ex-agente da GCM são
suspeitos de fazer parte tem extorquido dinheiro de comerciantes da região.
Além disso, investiga se o casal de traficantes está praticando também venda
ilegal de armas (leia mais abaixo).
A Operação Salus et Dignitas, iniciada por volta das 9h, é realizada em conjunto por Ministério Público (MP), Receita Federal, Polícia Militar (PM), Polícia Civil, Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Ministério do Trabalho e Emprego.
Promotores e
policiais saíram às ruas para tentar cumprir sete mandados de prisão. Além dos
guardas, do ex-guarda civil e dos traficantes, há um funcionário de uma empresa
como alvo.
Chefe de
facção preso
Cinco dos
sete alvos da operação foram presos pela força-tarefa até às 12h desta terça.
São eles:
– Leonardo
Moja, o “Léo do Moinho”: apontado como um dos chefes da facção
criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) na Favela do Moinho, na região da
Cracolândia. Em 2021 ele já havia sido preso pela polícia em Praia Grande,
litoral paulista, por suspeita de homicídios, mas foi solto depois.
– Janaína da
Conceição Cerqueira Xavier: suspeita de traficar drogas.
– Antonio
Carlos Amorim Oliveira: GCM suspeito de participar de esquema de extorsão de
comerciantes.
– Renata
Oliva de Freitas Scorsafava: GCM suspeito de participar de esquema de extorsão
de comerciantes.
– Valdecy
Messias de Souza: funcionário de uma empresa de comunicação suspeito de vender
aos criminosos aparelho que dava acesso à frequência de rádio das polícias.
A reportagem
tenta entrar em contato com as defesas dos investigados. Além desses presos,
outras cinco pessoas foram detidas na operação desta terça: três delas por
flagrantes de crimes e dois por averiguação por suspeitas criminais.
A operação
pretende cumprir 117 mandados de busca e apreensão na capital paulista em
endereços ligados aos investigados. A Justiça também expediu 46 mandados de
sequestro e bloqueio de bens e de suspensão de atividade econômica de 44
prédios comerciais.
“Além
da perda da licença, os imóveis serão lacrados pelas autoridades municipais
para garantir que a atividade ilícita não volte a acontecer no local”,
informa nota da Secretaria da Segurança Pública (SSP).
Como
funcionava o esquema
MP e polícia fazem operação na Cracolândia para prender GCMs acusados de participar de milícia.
Em um ano de
investigação, promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime
Organizado (Gaeco) do MP e policiais identificaram que a quadrilha se dividia
em cinco grupos de atuação na Cracolândia:
– Ferros-velhos:
empresários são suspeitos de explorar mão de obra de dependentes químicos. Os
usuários furtavam fios de energia da rede pública, deixando semáforos e postes
sem luz, e trocavam o cobre presente neles por drogas. Nesses locais foram
encontradas crianças e adolescentes participando desse comércio irregular.
– Milícia de
GCMs: GCMs, policiais militares e policiais civis são suspeitos de se
articularem numa milícia para extorquir dinheiro de comerciantes em troca de
proteção. De acordo com a investigação, o grupo chegou a conseguir cerca de R$
6 milhões em propina no período de quase um ano.
– Receptação
de celulares: comerciantes libaneses são suspeitos de montarem um esquema de
receptação de celulares roubados e furtados e depois revender as peças. Os
celulares eram levados a eles por grupos criminosos como as ‘gangues da
bicicleta’ (que usam as bikes para fugir depois de roubar e furtar telefones de
pedestres).
– Hotéis e
hospedarias: rede de hotéis e hospedarias mantida pelo Primeiro Comando da
Capital (PCC) que servem para armazenar drogas e abrigam até “tribunais do
crime” (julgamentos internos da facção criminosa feitos por seus membros).
Dentro desses locais, segundo a investigação, ocorre a exploração sexual de
mulheres que são obrigadas a se prostituir para comprar drogas. Há denúncias da
presença de menores de 18 anos de idade sendo exploradas. Um dos imóveis é
conhecido como ‘prédio do sexo’, onde ocorre a exploração da prostituição. Não
é crime pessoas maiores de idade se prostituírem, mas explorar a prostituição
é. Outros prédios já eram conhecidos da polícia por abrigarem celulares
roubados e furtados. Os imóveis chegaram a ser chamados de ‘ninhos de celulares’.
– Favela do
Moinho: a comunidade erguida ao lado da linha da Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos (CPTM) se tornou uma base do PCC. Dali saem as ordens para a
tráfico de drogas na Cracolândia. A favela também serve como depósito de armas
e drogas. Segundo a investigação, criminosos usavam um detector de
radiofrequência para ouvir as conversas operacionais da PM e, desse modo, se
anteciparem às operações. Para terem controle da comunidade realizavam
“tribunais do crime”, nos quais membros da facção e até moradores que
descumprissem regras internas poderiam ser punidos.
O que
dizem governador e prefeito
Em postagem
nas redes sociais, o governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas
(Republicanos), que acompanhou a ação de dentro de um dos helicópteros da PM,
escreveu que o objetivo da operação é “devolver o centro às pessoas”.
Tarcísio não comentou sobre o envolvimento de servidores públicos que atuam como milicianos, têm relação com crime organizado e são os principais alvos da operação.
O prefeito
da cidade de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), não se manifestou na sua rede
social até a última atualização desta reportagem.
‘Ecossistema’
de crimes
Os
investigadores apontaram que foi possível “qualificar a região central de São
Paulo como um ecossistema de atividades econômicas ilícitas, no qual as
organizações criminosas concorreriam para que o Primeiro Comando da Capital
(PCC) exerça poder de influência e controle sobre a ocupação e exploração do
território.”
O objetivo
da operação é desarticular esses esquemas criminosos, que, na visão dos
promotores, contribuem para perpetuar o fluxo (grupo de dependentes químicos
que usam crack nas ruas).
A decisão do
juiz Leonardo Valente Barreiros, da 1ª Vara de Crimes Tributários, Organização
Criminosa e Lavagem de Dinheiro, estabelece um habeas corpus coletivo (salvo
conduto) em favor dos dependentes químicos durante a operação. Quem portar até
20 pedras de crack ou estiver em situação de miséria não poderá ser preso em
flagrante. O juiz afirma que isso visa proteger a dignidade humana.
*Colaboraram: Bruno Tavares, Isabela Leite, Lucas Jozino, Larissa Calderari, Maurício Ferraz, Giba Bergamim e Anselmo Caparica, da TV Globo, e Kleber Tomaz, Lívia Machado e Renata Bitar, do g1 SP