PM que arremessou entregador de ponte na Zona Sul de SP matou homem com 12 tiros em caso arquivado pela Justiça
PM que arremessou entregador de ponte na Zona Sul de SP matou homem com 12 tiros em caso arquivado pela Justiça
Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo pediu nesta quarta-feira (4), à Justiça Militar, a prisão do policial por jogar homem de ponte durante abordagem. Treze policiais foram afastados das ruas e estão sendo investigados.
Por Lucas Jozino, Léo Arcoverde, Isabela Leite, Bruno Tavares, TV Globo e GloboNews — São Paulo
O soldado da Polícia Militar que arremessou um entregador de uma ponte durante uma abordagem na Vila Clara, Zona Sul de São Paulo, já foi indiciado por homicídio depois de uma ocorrência em que um homem foi morto com 12 tiros, em Diadema, Grande São Paulo, no ano passado.
Segundo a TV
Globo apurou, o soldado Luan Felipe Alves Pereira, de 29 anos, teve o caso
arquivado em janeiro deste ano.
Luan
trabalha na Rondas Ostensivas com Apoio de Moto (Rocam), no 24º Batalhão de
Polícia de Diadema. Nesta quarta-feira (4), a Corregedoria da Polícia Militar
de São Paulo pediu, à Justiça Militar, a prisão do agente. A informação foi
confirmada por fontes do governo paulista.
O pedido
partiu da Corregedoria após o órgão assumir o Inquérito Policial Militar (IPM)
que tem este e outros policiais militares, envolvidos na ocorrência. A Justiça
Militar aprecia o pedido de prisão preventiva e decretou sigilo no inquérito.
Segundo
fontes da PM que acompanham a investigação, em depoimento, soldado assumiu a
autoria, mas disse ter sido um ato impensado e que não sabe por que fez o que
fez. Procurada pela TV Globo, a defesa de Luan informou que não vai se
manifestar.
A vítima tem
25 anos e foi identificada apenas como Marcelo. Depois de ser lançado ao
córrego, ele, que é entregador, recebeu ajuda de pessoas que moram na região.
Em nota, a
Secretaria da Segurança Pública (SSP) confirmou que o “agente responsável
pela agressão foi ouvido e sua prisão foi solicitada à Justiça Militar” e
informou que o “caso também é apurado pela Polícia Civil, por meio da
Central Especializada de Repressão a Crimes e Ocorrências Diversas (CERCO) da
2ª Seccional. Diligências estão em andamento para a oitiva da vítima e o
esclarecimento dos fatos”.
Pedido de
prisão
O pedido de
prisão de Luan tem seis páginas e foi assinado pelo capitão Manoel Flavio de
Carvalho Barros, encarregado do IPM. No documento, o oficial narra o início da
ocorrência, com a perseguição a motociclistas. Em seguida, destaca cinco fotos
feitas a partir de câmeras de segurança, que mostram a parte final da ação,
quando o homem é jogado do alto da ponte.
O
encarregado do inquérito, então, diz que, ao ser questionado sobre a cena, o
soldado se reconhece e diz que “a projeção seria realizada ao solo”, ou seja,
que o objetivo era jogar o homem no chão.
No parágrafo
seguinte, o responsável pelo inquérito se dirige diretamente ao juiz:
“Excelência, não há como acolher as declarações apresentadas pelo investigado,
pois as imagens largamente difundidas e materializadas no presente feito
demonstram conduta errante e inaceitável a quem deveria proteger a integridade
de outrem e fazer cumprir a lei”.
Os crimes
inicialmente imputados ao soldado são lesão corporal e violência arbitrária,
todos previstos no Código Penal Militar.
O
encarregado do inquérito termina dizendo que a prisão é a única forma de
retomar a hierarquia e a disciplina e manter a ordem pública e social.
Investigação
do MP
Mais cedo, o
Ministério Público abriu uma investigação sobre o caso, após determinação da
Procuradoria-Geral da Justiça.
Os
promotores do Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública e Controle Externo
da Atividade Policial (Gaesp) também pediram que a Polícia Civil encaminhe, em
24 horas, cópia do boletim de ocorrência e das requisições de todas as perícias
solicitadas nesse caso.
Além disso,
a Promotoria solicitou à Corregedoria da Polícia Militar que comprove, em até
cinco dias, que instaurou Inquérito Policial Militar e afastou os policiais
envolvidos. Segundo fontes da Secretaria de Segurança Pública (SSP), dois
sargentos e onze cabos e soldados ficarão afastados das ruas até o fim das
investigações.
O Gaesp
também expediu uma recomendação ao comandante-geral da Polícia Militar, coronel
Cássio Araújo de Freitas, para que no prazo de 10 dias determine, com mensagem
enviada para a tropa, que os integrantes da corporação “apliquem
integralmente e com eficiência os procedimentos operacionais e as normativas
existentes sobre abordagens policiais, visando a redução dos casos de erros,
abusos e, por consequência, de letalidade policial durante tais
intercorrências”.
No mesmo
documento, os promotores de Justiça recomendam que o comandante “determine
que seja realizada eventual atualização necessária nos procedimentos
operacionais e das normativas existentes sobre abordagens policiais” e que
a PM considere a implementação de cursos de reciclagem para a tropa.
Para
elaborar a recomendação, o GAESP levou em conta o número de mortes decorrentes
de intervenção policial, que somam 760 casos em todo o estado, em 2024.
Em outro
documento, também encaminhado nesta terça ao comando da Polícia Militar, o MP
recomenda à corporação a utilização de câmeras corporais em todas as operações
policiais, implementando “mecanismos eficazes de fiscalização para
garantir o cumprimento da obrigação de uso de câmeras corporais e sua ativação
no momento determinado”.
Em
entrevista ao Jornal Nacional, Antonio Donizete do Amaral disse que Marcelo,
não tem passagem pela polícia.
“Ele
está bem, mas não conseguimos falar com ele. É inadmissível, não existe isso
aí. A polícia está aí para fazer a defesa da população, não fazer o que fez.
Trabalhador [o filho], menino que sempre correu atrás do que é dele. Não tem
envolvimento, passagem [pela polícia], não tem nada. Queria a explicação desse
policial e o porquê ele fez isso”, afirmou.
Flagrante
Um vídeo
enviado à TV Globo flagrou o momento da abordagem. Nas imagens, é possível ver
que um policial levanta uma moto que está no chão. Um segundo e um terceiro
policial se aproximam. Depois, o primeiro PM encosta a moto perto da ponte.
Um quarto
policial chega segurando o homem pela camiseta azul, que seria o motociclista
abordado. Ele se aproxima da beirada da ponte e o arremessa no córrego (veja
acima). Nenhum dos colegas faz nada.
Uma
testemunha, que preferiu não se identificar, relatou ao Jornal Nacional que os
policiais estavam no bairro para dispersar moradores de um baile funk.
“Tinham
dois policiais da Rocam parados ali, com cacetete na mão, esperando para
abordar. Aí esse menino veio da avenida, virou e aí foi a hora que ele viu os
polícias e caiu no chão com a moto. Na hora em que ele caiu no chão com a moto,
policiais vieram em cima dele. Eu e minha amiga saímos correndo”, afirmou.
13 PMs
afastados
De acordo
com a Polícia Militar, os agentes são do 24º BPM de Diadema, na Grande São
Paulo. Os 13 policiais afastados das ruas estão envolvidos direta ou
indiretamente no episódio, segundo a Corregedoria.
Todos os PMs
usavam câmeras corporais e gravaram a abordagem. Essas imagens serão usadas
pelos investigadores para entender os detalhes da ocorrência.
Até a última
atualização desta reportagem, não houve pedido de prisão para nenhum dos
policiais envolvidos.
O que
dizem as autoridades
O governador
de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse, em uma rede social,
que o policial militar que “atira pelas costas” ou “chega ao
absurdo de jogar uma pessoa da ponte” não está à altura de usar farda.
Disse ainda que o caso será investigado e “rigorosamente” punido.
O secretário
da Segurança Pública, Guilherme Derrite (PL), também criticou a ação do
policial militar. “Anos de legado da PM não podem ser manchados por
condutas antiprofissionais. Policial não atira pelas costas em um furto sem
ameaça à vida e não arremessa ninguém pelo muro. Pelos bons policiais que não
devem carregar fardo de irresponsabilidade de alguns, haverá severa
punição”, escreveu, em uma rede social, mencionando um segundo ato de
violência policial na capital paulista, em que um PM que executou um jovem
negro em frente a um mercado, atirando pelas costas da vítima.
O
procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa –
principal representante do Ministério Público paulista, também emitiu uma nota
pública de repúdio à cena, e disse que as imagens são “estarrecedoras e
absolutamente inadmissíveis”.
Ele afirmou
que já designou que o Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública (Gaesp)
integre as investigações a fim de “punir exemplarmente” os policiais envolvidos
na abordagem.
“Estarrecedoras
e absolutamente inadmissíveis! Não há outra forma de classificar as imagens do
momento no qual um policial militar atira um homem do alto de uma ponte, nesta
segunda-feira. Pelo registro divulgado pela imprensa, fica evidente que o
suspeito já estava dominado pelos agentes de segurança, que tinham o dever
funcional de conduzi-lo, intacto, a um distrito policial para que a ocorrência
fosse lavrada”, disse Paulo Sérgio de Oliveira e Costa.
E
acrescentou: “Somente dentro dos limites da lei se faz segurança pública,
nunca fora deles. Assim, esta Procuradoria-Geral de Justiça determinará, ainda
nesta terça-feira (3/12), que o Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública
(GAESP) associe-se ao promotor natural do caso para que o MPSP envide todos os
esforços no sentido de punir exemplarmente, ao fim da persecução penal, os
responsáveis por uma intervenção policial que está muito longe de tranquilizar
a população”.
Antes da manifestação do secretário nas redes sociais, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) tinha condenado, em nota, o caso, afirmando que “a Polícia Militar repudia veementemente a conduta ilegal adotada pelos agentes públicos no vídeo mostrado”.
Segundo a
SSP, “assim que tomou conhecimento das imagens, a PM instaurou um
inquérito policial militar (IPM) para apurar os fatos e responsabilizar os
policiais envolvidos nessa ação inaceitável”.
“Todos
os policiais que estavam em serviço na área identificada foram convocados e já
estão sendo ouvidos. A instituição reitera seu compromisso com a legalidade,
sem tolerar qualquer desvio de conduta”, finaliza o comunicado.