Por que o governo pode precisar de novo congelamento nas contas e como o cenário fiscal afeta o dólar
Por que o governo pode precisar de novo congelamento nas contas e como o cenário fiscal afeta o dólar
Especialistas ouvidos pelo g1 acreditam que o contingenciamento de R$ 15 bilhões formalizado na segunda-feira (22) não será suficiente para encerrar o ano dentro do limite da meta das contas públicas.
Por André Catto, g1
As contas do
governo deverão registrar um rombo de R$ 28,8 bilhões em 2024, segundo projeção
divulgada na segunda-feira (22). O valor é o limite da meta das contas
públicas, prevista no arcabouço fiscal — a regra de gastos aprovada em 2023.
Para
conseguir cumprir com a regra, a gestão do presidente Lula (PT) formalizou uma
medida anunciada na última semana pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad: o
congelamento de R$ 15 bilhões no Orçamento.
O aperto nas
contas foi bem recebido pelo mercado, mas não o suficiente para acalmar os
ânimos em relação às contas públicas. Especialistas ouvidos pelo g1 acreditam
que o valor congelado não é o suficiente, o que irá exigir novos cortes pelo
governo até o fim do ano.
A
movimentação do governo em torno do controle de gastos vem na esteira de
semanas turbulentas para a equipe econômica de Lula, que viu o dólar disparar
no último mês a cada manifestação do presidente relacionada à política fiscal.
A
intepretação do mercado era de que o governo não estaria se comprometendo com o
controle das contas. A situação também ajudou a empurrar o real para o grupo
das cinco moedas que mais perderam valor frente ao dólar em 2024.
Apesar de o
avanço do dólar ocorrer em nível mundial — por fatores como a alta taxa de
juros dos Estados Unidos e a corrida eleitoral norte-americana —, no caso do
Brasil, a piora acentuada do real é reflexo, em especial, da preocupação do
mercado com o compromisso fiscal do governo.
A lógica é a
seguinte: se os gastos do governo se descontrolam, investidores passam a
duvidar da capacidade do país em honrar suas dívidas. Com isso, os
investimentos diminuem e menos dinheiro entra no país.
Portanto,
contas descontroladas espantam investidores, que dão preferência para
aplicações mais seguras — como os títulos públicos norte-americanos. Na
prática, o resultado é a fuga de dólar do Brasil para o exterior, o que torna a
moeda mais escassa por aqui — e, assim, mais cara.
Projeção
para o dólar
Os reflexos
do congelamento no Orçamento foram positivos para os mercados na segunda-feira:
o dólar recuou 0,61%, cotado a R$ 5,5695, de olho na corrida eleitoral nos EUA
e, principalmente, nos dados fiscais do governo brasileiro. O Ibovespa subiu.
A
expectativa do mercado, no entanto, é que o dólar não retome tão cedo os níveis
próximos a R$ 5, valor em que permaneceu ao longo de boa parte de 2023.
“O
congelamento de gastos já tinha sido absorvido de forma positiva na semana
passada. Mas não vai gerar impacto suficiente para o dólar voltar aos níveis do
ano passado. A não ser que haja alteração no cenário internacional”, diz
economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini.
Segundo o
economista, mesmo que os juros caiam nos Estados Unidos — o que ajuda a
fortalecer o real frete ao dólar —, é preciso uma medida “mais
consistente” do governo brasileiro em relação aos gastos públicos para que
o real tenha uma valorização mais significativa.
No boletim
Focus desta semana, relatório do Banco Central que ouve mais de 100
instituições financeiras, os economistas também elevaram a projeção de cotação
do dólar ao fim de 2024 para R$ 5,30. No início do ano, esperava-se algo abaixo
dos R$ 5.
Novo
corte no horizonte
Para Agostini, o ideal seria um contingenciamento muito maior, de R$ 62 bilhões, para atingir o déficit (despesas superiores à arrecadação) de R$ 28,8 bilhões em 2024 — valor limite da meta de contas públicas.
“Mas
isso o governo não vai fazer. Historicamente, os governos congelam, em média,
de R$ 25 a R$ 35 bilhões”, diz. “Então, o governo está apostando
muito em receitas extraordinárias, como pente-fino em programas sociais. Isso
pode dar um alento, mas não chega nem perto dos R$ 62 bilhões.”
“Passado
esse período mais crítico de eleições municipais, acredito que o governo vá
contingenciar, em meados de outubro, mas uns R$ 15 bilhões”, conclui.
O cenário
mostra que o governo tem outro desafio importante mesmo após o congelamento
anunciado: mostrar compromisso com o corte de gastos — e não só com o aumento
da arrecadação.
O
economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, destaca que o Relatório
de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP) do 3º bimestre, divulgado
pelo governo na segunda-feira, indica “importante revisão” nas
projeções de receitas e despesas frente ao bimestre anterior.
“As
receitas líquidas estimadas para 2024 diminuíram em R$ 13,2 bilhões, passando a
R$ 2.168,3 bilhões. Já as despesas primárias aumentaram em R$ 20,7 bilhões,
totalizando R$ 2.229,6 bilhões”, aponta o economista.
Ele destaca
que, do lado das receitas, houve, entre outros pontos, a revisão para cima em
R$ 12,5 bilhões no Imposto de Renda, além do aumento do IPI projetado (R$ 3,9
bilhões). Em relação aos gastos, foi registrado um aumento de R$ 20,7 bilhões
nas despesas primárias totais.
O relatório
também mostrou que houve uma elevação na estimativa de gastos com Benefício de
Prestação Continuada (BPC) — pago a idosos carentes, deficientes e pessoas com
doenças incapacitantes — e benefícios da Previdência.
Em
entrevista à GloboNews na última sexta-feira (19), Salto já havia apontado que
o bloqueio de R$ 15 bilhões no Orçamento deste ano deve ser insuficiente para
garantir um alívio no cenário fiscal do governo.
Centro ou
limite da meta?
O professor
de Economia da FGV Joelson Sampaio acredita que o governo está na direção
correta para cumprir com as regras do arcabouço fiscal. Ele pondera, no
entanto, ser “sempre arriscado ficar no limite da meta” e que o
cenário deve exigir novos cortes.
“O que
o mercado tem refletido no dólar e nas outras variáveis de mercado são
justamente essas incertezas em relação ao futuro: dado que está próximo do
limite, pode ser que haja um limite maior e isso traga um aumento das
incertezas no mercado”, explica.
Nesse sentido, Clayton Luiz Montes, secretário de Orçamento federal substituto, afirmou que o governo continuará buscando o centro da meta, que é déficit zero — ou seja, despesas empatadas com receitas.
Ele afirmou
que a interpretação da legislação foi a de que o governo só precisava, neste
momento, contingenciar aquilo que estourasse o limite da lei: os R$ 28,8
bilhões.
“A
interpretação legal [e] jurídica foi que o contingenciamento deveria ser
realizado apenas no valor que supera o limite mínimo da banda [intervalo
permitido para o déficit], no valor de R$ 3,8 bilhões”, disse.
“Mas
gostaria de ressaltar que outras medidas de receita estão sendo tomadas e o
centro da meta está sendo buscado, continua sim sendo nossa bússola aqui”.
Aumento
de gastos com BPC e Previdência
No relatório
divulgado na segunda-feira — e que é divulgado a cada dois meses —, o governo
também revisou as estimativas de gastos com o BPC e benefícios da Previdência.
Ambos
passaram a custar R$ 11 bilhões a mais em 2024 em relação ao que estava
previsto no Orçamento, sendo R$ 6,4 bilhões com o BPC e R$ 4,9 bilhões com a
Previdência.
Esses
benefícios são atrelados ao salário mínimo, que subiu acima da inflação e hoje
está em R$ 1.412. Além disso, a quantidade de pessoas que passam a ser
beneficiárias pode aumentar muito ao longo do ano, em razão de novos pedidos
concedidos, novos doentes diagnosticados.