Presidente do BC vê crédito direcionado como um dos fatores para juros altos e compara com ‘meia-entrada no cinema’; entenda
Presidente do BC vê crédito direcionado como um dos fatores para juros altos e compara com 'meia-entrada no cinema'; entenda
Roberto Campos Neto afirmou que o problema do juro alto no Brasil não é só do Banco Central. 'É um problema de todos nós, é um problema do Banco Central, é um problema do governo, é um problema das pessoas. A gente tem de trabalhar juntos para resolver', declarou.
Por Alexandro Martello, g1 — Brasília 18/04/2023 04h00 - Atualizado há 5 horas
O presidente
do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que, entre os problemas que
geram juros altos no Brasil, está o alto volume do chamado crédito direcionado,
aquelas linhas de empréstimos que têm taxas menores — geralmente por conta de
subsídios.
Para
explicar esse fenômeno, ele recorreu ao argumento da “meia-entrada no
cinema”.
“No
crédito direcionado, a gente pode fazer a análise do cinema que vende a
meia-entrada. Se eu vendo muita meia-entrada e quero ter o mesmo lucro, a
entrada inteira eu tenho que subir o preço. O crédito funciona um pouco
assim”, afirmou o presidente do Banco Central.
Atualmente em 13,75% ao ano, a taxa básica de juros, fixada pelo BC para conter a inflação, é a maior em mais de seis anos e, também, representa a taxa mais elevada do mundo em termos reais (descontada a inflação estimada para os próximos 12 meses).
O chamado
crédito direcionado, no Brasil, é formado por linhas de empréstimos para
habitação, para a produção rural e, também, aquelas concedidas pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao setor produtivo. Em
sua maioria, é concedido por bancos públicos.
Em evento
promovido pela Esfera Brasil na semana passada, Campos Neto comparou o volume
total do crédito no país a um “tubo” para explicar porque a concessão
de empréstimos, com juros menores, afetam o patamar da taxa Selic – atualmente
em 13,75% ao ano, o maior em mais de seis anos.
“Se um
pedaço do tubo está imobilizado [crédito direcionado, com juro mais baixo], eu
tenho que aumentar a pressão no outro [subindo mais a taxa total]. Quando você
tem muito crédito subsidiado, a sua potência de influenciar com o juro diminui.
Então tem que ter um juro mais alto do que você teria”, declarou.
Comparação
internacional
De acordo
com Campos Neto, o crédito direcionado representa 42% do volume total de
crédito no Brasil, patamar elevado na comparação internacional.
Estimativas
do BC, que consideram apenas os dados internacionais disponíveis para países
parecidos, como Colômbia, China, Coreia do Sul, México e Peru, mostram, fora o
Brasil, o maior percentual de crédito direcionado é do México, com 26%.
A instituição
informou, também, que a maioria dos outros países possui percentual abaixo de
5%.
“Por
não ser uma forma prevalente de crédito, os países em geral não possuem
estatísticas específicas sobre crédito direcionado. Assim, a comparação entre
países não é fácil”, divulgou o BC.
Bancos
públicos
As linhas de
crédito direcionado, em sua maioria, são concedidas por bancos públicos.
O crédito
para investimentos das empresas é realizado, em grande parte, por meio de
operações diretas e repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES).
Os
financiamentos habitacionais são, em sua maioria, concedidos no âmbito do
Sistema Financeiro da Habitação (SFH), sendo a principal instituição
financiadora a Caixa Econômica Federal (CEF).
O crédito
rural é especialidade do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), que tem o
Banco do Brasil como principal agente financiador.
Indicações
do novo governo
O novo
presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, tem indicado que a instituição
aumentará o seu volume de empréstimos.
“Esse
banco esteve historicamente e vai voltar. Aquele banco acanhado acabou. Ele vai
debater, vai investir e vai impulsionar o crescimento do país”, afirmou ele, em
março.
Mercadante
também falou em reduzir juros para alguns tipos de operação, algo defendido
também pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, que é ministro do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
Neste mês, a
Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão ligado ao Ministério do
Desenvolvimento, informou que elevou o patamar de faturamento bruto anual, de
R$ 600 milhões para R$ 1,3 bilhão de faturamento, para empresas participaram do
Programa de Financiamento às Exportações (Proex) na modalidade financiamento.
O governo
lembrou que o Proex tem por finalidade viabilizar a concessão de financiamentos
à exportação com encargos financeiros compatíveis com os praticados no mercado
internacional. Na modalidade de financiamento, o Tesouro Nacional concede o
financiamento diretamente.
Tarciana
Medeiros, nova presidente do Banco do Brasil, definiu como prioridade o fomento
ao crédito — em especial o rural, mas de forma criteriosa —, apoio à
agricultura familiar, ao empreendedorismo, à transformação digital, entre
outras.
Debate no
Congresso Nacional
Roberto
Campos Neto, presidente do BC, afirmou na semana passada que é importante
debater as causas para os juros altos no Brasil e disse que irá ao Congresso
Nacional quantas vezes for chamado.
A previsão é
que ele participe de audiências públicas ainda neste mês de abril no
Legislativo.
Segundo ele,
as soluções para o crédito subsidiado, envolvendo vários projetos, são
“meritórias no curto prazo”. Mas reafirmou que, no longo prazo, elas
implicam em taxas de juros básicas, como a Selic, atualmente em 13,75% ao ano,
mais elevadas.
Além do
crédito subsidiado, o Banco Central também tem avaliado que o problema dos
juros altos está relacionado com o aumento da demanda na economia, ou seja, dos
gastos.
Entre os
fatores, está o aumento das despesas do próprio governo para bancar programas
sociais e despesas com serviços públicos, como saúde e educação.
“Eu
acho que o problema dos juros é um problema de todos nós, é um problema do
Banco Central, é um problema do governo, é um problema das pessoas. A gente tem
de trabalhar juntos para resolver. Mas a gente precisa dar explicações e não
ficar apontando o dedo [para o Banco Central]”, disse Campos Neto, na
última semana.
O presidente do BC tem sido reiteradamente cobrado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e por integrantes da área econômica, a reduzir a taxa de juros para estimular o crescimento da economia com geração de empregos.
Para tentar
melhorar as contas públicas e tentar ajudar o Banco Central a reduzir os juros,
a equipe econômica anunciou um pacote em janeiro, focado no aumento de
receitas.
E mais
recentemente o arcabouço fiscal, novas regras para as contas públicas. Ambas as
iniciativas foram elogiadas pelo Banco Central.